quinta-feira, 30 de julho de 2009

Que mané McLuhan


Uma experiência inesquecível que tive na faculdade foi uma viagem ao Eneconha, quero dizer, Enecom, o encontro nacional de estudantes de comunicação. Eram dias tão frenéticos para jovens com os hormônios em ebulição que mal sobrava tempo para os debates acadêmicos. Logo no primeiro dia, já troquei uma palestra sobre Marshall McLuhan e o determinismo tecnológico por um rega-bofe com truco, mulher e cachaça. Aquilo foi, sem dúvida, essencial para a minha formação de jornalista.

Não tinha tempo ruim para a nossa turma. A gente viajava horas a fio em um ônibus de bancos desconfortáveis, sem nenhum tostão no bolso. Comia mal (só junk food), dormia mal (num alojamento nojento), cagava mal (num banheiro coletivo mais nojento ainda), mas vivia com um sorriso no rosto. Era legal conhecer gente nova, de todos os cantos do Brasil. Havia festas de manhã, de tarde, de noite, num vale-tudo danado. Só não gostava quando algum bêbado tentava passar a mão na minha bunda.

Mas não pense que éramos apenas um bando de hedonistas, sem nada na cabeça. A gente também discutia comunicação, cultura e política, só que da nossa maneira, à mesa de um bar. O nosso congresso paralelo. É claro que os papos sempre acabavam em sacanagem. McLuhan que me perdoe, mas era difícil ficar indiferente a tantas jovens e promissoras jornalistas desfilando de biquíni pela praia. Nessas horas é que o comunicador precisa ir a campo interagir com as massas e dar sua contribuição à ciência.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Nestor


Parece que foi ontem que o Nestor entrou em minha vida. Eu e minha mulher, hoje ex, queríamos cuidar de um ser vivo que não fosse tão complexo quanto um bebê humano. Descartamos também as plantas, porque sempre as achamos muito monótonas e chatas. O consenso era um cão, bicho brincalhão. E assim compramos o nosso boxer.

Minha mulher queria chamá-lo de Karenin, o cachorro de um livro que ela tinha amado ler. Eu queria Nestor, porque, para mim, nomes humanos davam a sensação de uma maior interação intelectual dono-cão. Achava que, algum dia, ele tomaria cerveja comigo e discutiria política, futebol e filosofia. Naquela época, como eu ainda mandava alguma coisa no relacionamento, o cão passou a se chamar Nestor.

Apesar de deixar o sofá todo babado e roer os móveis, Nestor foi uma coisa maravilhosa que me aconteceu. Muitas vezes, chegava em casa de madrugada, depois dos pescoções, e encontrava o bicho acordado, à minha espera. Pulava em cima, me lambia. Sua alegria era inspiração para eu escrever, correr atrás de grandes pautas. Para quem não leu, vale conferir o post Farejadores.

Mas o Nestor envelheceu, como eu. Está mais sóbrio, mais resignado com algumas coisas da vida. Dia desses, lendo o jornal, notei que ele estava sentado à minha frente, compenetrado em mim. Parecia querer conversar. Achei que a tal maior interação intelectual dono-cão finalmente havia chegado. Perguntei ao Nestor então o que ele achava da crise do Senado, da gestão do Obama até agora, do fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista. Ele deu um bocejo ruidoso, circulou algumas vezes sobre sua cama, deitou e dormiu. Deve ter pensado: “Que puta papo chato tem esse cara.”

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Vida de foca


Monique Evans é a prova de que o jornalista não precisa de um diploma para brilhar na televisão brasileira. A titia foi a grande vencedora da pesquisa – Quem é o melhor jornalista sem diploma da TV? –, com 50% dos votos, deixando para trás Zé do Caixão (33%) e o ex-BBB Diego Alemão (16%). Quem não assistiu aos vídeos dos candidatos pode conferir as preciosidades em post anterior. Monique, repórter do TV Fama, esbanja talento na cobertura do concurso Mister Gay.

A nova pesquisa quer saber qual o maior sofrimento enfrentado por um jornalista em início de carreira. A enquete aborda o jornalista que já superou o desemprego e conseguiu um trabalho. A pergunta pode ser respondida por jovens e velhos jornalistas. Como desgraça pouca é bobagem, sobram opções interessantes. É votar e chorar, não necessariamente nessa ordem.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

24 horas


Onde estou? Em minha cama? No quarto de um hotel? Estou sozinho? Cadê todo mundo? Que horas são? O galo está cantando? Ou é o telefone que toca? Ele vai me ligar? Preciso ouvir o outro lado? Devo publicar a denúncia? Ou não? Posso esperar? Por que estou tão confuso? Estou vivendo tudo isso? Ou é apenas um sonho? Ou um pesadelo?

Desperto, enfim. No meio da noite. Estou ansioso. Preocupado com a matéria do dia seguinte. Essas pautas malucas acabam com o meu sono.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Vamos respeitar, minha gente


Uma pesquisa recente da empresa GfK mostrou o nível de confiança das pessoas em relação a 20 profissionais, tanto no Brasil como no mundo. Nos dois rankings, os bombeiros são os que estão melhor na fita e os políticos são os que inspiram menos confiança. Ou seja, nada de novo. Está mais do que provado que essa coisa de salvar gatinhos em árvores e posar pelado para calendários pega super bem com a opinião pública, principalmente a feminina. E roubar dinheiro público (ou viver de atos secretos) não está com nada.

Mas o que mais chamou a atenção no ranking brasileiro – alerta feito por um velho amigo – é que os jornalistas aparecem na honrosa quinta colocação (com um nível de confiança de 79%), atrás apenas dos campeões bombeiros (98%), carteiros (90%), médicos (82%) e professores do ensino fundamental e médio (81%). Ainda não garantimos um lugar no pódio ou uma vaga para a Libertadores, mas estamos bem perto. O mais importante é que a pesquisa é um alento para a nossa tão combalida auto-estima.

Com o respeito reconquistado, podemos voltar a preencher o cadastro do crediário das Casas Bahia com o nome de nossa verdadeira profissão e negociar um empréstimo com juros menores com o gerente do banco. Eu, particularmente, já poderei falar para o juiz que trata do litígio com minha ex-mulher que sou, sim, jornalista, e que tenho todas as condições de dar uma vida digna ao Nestor, nosso cão. Agora, ele pode confiar!

Um fato curioso é que, no ranking mundial, os jornalistas aparecem na modesta 12ª colocação, com um nível de confiança de apenas 41%, a metade do índice dos jornalistas brasileiros. Por que será que nós temos um desempenho tão superior ao dos nossos colegas pelo resto do mundo? Será que foi a titia Monique Evans que ajudou a melhorar a nossa imagem?

PS: Os publicitários, nossos primos ricos da comunicação, só inspiram mais confiança do que os políticos no ranking mundial. Estão na zona do rebaixamento moral.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Conflito de gerações


A máquina de escrever está quieta, num canto da mesa, quando é provocada pelo notebook.

– Hoje, serei levado a um importante evento, com políticos, artistas, intelectuais. E você?
– Saco, não vê que estou descansando?
– Deve ser triste a solidão deste escritório.
– Quem disse que estou sozinha? Veja aquela estante repleta de livros.
– Seu tempo já passou. O que vale agora é a alta tecnologia.
– É verdade, mas não se gabe só por ter uns recursos diferentes.
– Carrego softwares de todos os tipos, aplicativos, drivers. Tô conectado com a internet. Sabe o que é isso?
– Mas você é passageiro. Eu sou para sempre.
– Uma aposentada que só serve de enfeite.
– Tenho história, meu filho, experiência de vida.
– Em mim, nascem grandes matérias.
– Que morrem no dia seguinte.
– E daí? Pelo menos me sinto vivo.
– Em mim, nasceram grandes obras literárias, que vão durar décadas e décadas.
– Mas é a mim que ele procura todos os dias.
– Por obrigação de um trabalho rotineiro.
– Invejosa!
– É a mim que ele sempre jurou amor verdadeiro.
– É um velho saudosista.

O jornalista entra no escritório, apressado. Pega a bolsa, o celular e o notebook, que, antes de ir embora, olha com desprezo para a máquina de escrever.

– Pobrezinha, que vidinha sem graça ela leva – pensa o notebook.
– Coitado, nem imagina que logo será trocado por um modelo mais compacto, com webcam e bluetooth – pensa a máquina.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Enquete: Zé, titia ou Alemão?


Na onda do fim da obrigatoriedade do canudo, a nova enquete deste blog quer saber quem é o melhor “jornalista sem diploma” da televisão brasileira. Para tornar a escolha mais fácil, não deixem de clicar nos links abaixo e assistir aos vídeos dos três candidatos. Imperdíveis!

Candidato 1: Zé do Caixão, entrevistador e repórter do programa O Estranho Mundo de Zé do Caixão, do Canal Brasil. Veja um trecho de sua entrevista com Inri Cristo, que, com certeza, entrará para os anais do jornalismo mundial. Notem também sua destreza como repórter (ele segura o microfone com uma mão e o cigarro com a outra) e o pleno domínio da língua portuguesa, com expressões como “sejam bem-vindo”.

http://www.youtube.com/watch?v=J4JXKzIBV6Q


Candidata 2: Titia Monique Evans, repórter do TV Fama, já fez parte de minhas fantasias erótico-juvenis nos idos de 80. Hoje atua como uma conceituada jornalista na conceituada RedeTV!. No vídeo, titia faz uma reportagem (digna de receber um Prêmio Esso) sobre o concurso Mister Gay. Ela faz perguntas instigantes, como “alguma mulher já pôs a mão no seu cofrinho?”.

http://www.youtube.com/watch?v=-65On3OWwxQ


Candidato 3: Diego Alemão, ex-BBB, o cara que se disse apaixonado por uma caipira semi-analfabeta, ganhou a simpatia de milhões de mulheres românticas e, por conta disso, faturou o prêmio máximo do programa. Hoje, para complementar a renda, faz frila de repórter, especializado em Big Brother, único assunto que domina. No vídeo, ele entrevista o casal Max e Fran, um papo tão cabeça que deve ter deixado com inveja o Antônio Abujamra.

http://www.youtube.com/watch?v=kvkcLhHEoSk


PS: Na última enquete – O que você poderia ter feito com a grana usada para comprar o diploma de jornalista? –, a inspiração gastronômica sugerida pelo dotô Gilmar levou os leitores a darem a vitória à alternativa “Teria aplicado num restaurante, onde também seria o chef de cozinha”, com folgados 37% dos votos, bem distante das demais opções.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A pequena imprensa


Quem é que nunca conheceu o jornal de uma pequena cidade do interior?

No jornal de uma pequena cidade do interior, o diploma de jornalista é, há muitos anos, algo dispensável, e isso bem antes mesmo de qualquer decisão do STF. A coluna social, por exemplo, que mostra as festas bregas do clube freqüentado por uma elite local ainda mais brega, é de responsabilidade da filha do dono do jornal, uma jovenzinha sem qualquer formação, caipira, mas extremamente hype para os padrões da cidade.

Outras colunas existem aos montes, como a do psicólogo amigo do dono do jornal. É ele quem escreve sobre a bipolaridade, esse mal da atualidade, ou sobre a importância de homens e mulheres não medirem esforços para manter um casamento feliz. A cunhada do dono do jornal, que sempre foi uma mulher excêntrica com aqueles seus cabelos loiros esverdeados (para não dizer “esquisita”), comanda a coluna esotérica.

A qualidade editorial é um conceito muito vago. O Português, pobrezinho, é desrespeitado página após página. É bastante comum encontrar uma vírgula se metendo, sem o menor escrúpulo, entre o sujeito e o predicado de um título ou no lead de uma matéria.

O jornal de uma pequena cidade do interior está comprometido com os anunciantes. Se o veterinário comprar um quarto de página da edição da semana ganhará uma matéria bastante elogiosa na edição seguinte, mesmo que ele seja o maior carniceiro da cidade. O dono do jornal é, ao mesmo tempo, o diretor comercial e o diretor de redação, um homem que jamais teve um diploma, mas um faro invejável para os negócios.

Um dia, a jovem que cuida da coluna social herdará o jornal de seu pai, que, por sua vez, já havia herdado do avô da moça. Com alguma sorte e o apoio do comércio local, e se as mídias digitais deixarem, esta história perdurará por mais algumas gerações.

PS: Rabo preso não é exclusividade da pequena imprensa. Que isso fique bem claro!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Minhas primeiras ilusões


No segundo ano de faculdade, cansado das aulinhas teóricas, decidi arranjar um estágio. Era a hora de começar a aprender alguma coisa de jornalismo, mesmo ganhando mal. Para minha frustração, as primeiras experiências passaram bem longe de uma redação. O que consegui, garimpando anúncios no mural da faculdade, foram roubadas em assessoria de imprensa.

– Como gestor de Media Analysis, você aprenderá a ter uma visão global do impacto da comunicação nos negócios de nossos clientes – prometeu meu primeiro empregador.

Descobri, na prática, que deveria clipar notícias em jornais e revistas e contar os centímetros das matérias. Começava a trabalhar às 3 da manhã, para que os relatórios estivessem prontos na mesa dos clientes quatro horas depois. Me sentia como Chaplin apertando parafusos em Tempos Modernos. No segundo estágio, conquistei o nobre cargo de consultor de Follow up, numa outra agência. Tinha a missão de importunar os jornalistas por telefone, como vendedor de releases. Por isso, pago meus pecados até hoje, agüentando operadores de telemarketing, principalmente os da Telefônica.

Meses depois, com a ajuda de um amigo, fui indicado para uma grande emissora de rádio. Enfim, meu primeiro estágio em redação. Qual seria a vaga? Fiquei sonhando com o dia-a-dia de trabalho. As reportagens, as locuções. Minha voz ficaria famosa. Aguardei, com ansiedade, o dia da minha entrevista com o empregador.

– Prazer, Duda, tenho certeza que você vai adorar sua rotina de rádio-escuta.

terça-feira, 7 de julho de 2009

A coxinha de frango


Estava no parque com o Nestor no último fim de semana quando uma mulher de meia-idade se aproximou. Carregava uma caixa grande de isopor. Vendia coxinhas de frango para sobreviver. Talvez fosse uma jornalista desempregada como eu, mas resolvi não investigar. Comprei uma coxinha, versão clássica, só de frango, nada de catupiry safado. A primeira mordida foi mágica. Sim, aquela coxinha me fez viajar, de forma involuntária, ao meu passado, tal como a madeleine de Proust. O sabor, o cheiro, tudo me fez sentir tão vivo.

Sempre que tinha um dia corrido, com pautas pela manhã e logo no começo da tarde, não almoçava no restaurante do jornal. Descia até o boteco ao lado e mandava ver umas coxinhas de frango, versão clássica, é claro. Era tudo muito rápido, não podia perder tempo. Ainda assim aquela coisa breve parecia interminável. Às vezes, conversava com os garçons do balcão, velhos amigos. Lá eu era a “chefia”. Às vezes, comia quieto, observando os outros clientes e imaginando as histórias daquela gente, anônima e estranha, como eu.

A lembrança da coxinha de frango no boteco ao lado é a lembrança de bons tempos: frenéticos, difíceis, mas também saborosos. Foi nesse boteco simples, de azulejos portugueses e uma flâmula da Ilha da Madeira nas paredes, que vivi também memoráveis noites de sexta-feira ao lado de outros jornalistas. Conversas apaixonadas, debates intensos, retrospectiva da semana. Bebíamos quase todas e voltávamos para a redação para fechar o jornal de domingo. Depois, lá pelas quatro horas da manhã, estávamos de novo à mesa, para beber as que tinham faltado para completar todas.

- Seu troco, senhor, seu troco, me disse a tiazinha que vendia coxinhas no parque, com uma moedinha de 50 centavos na mão.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Homem livre


Antes de perder o emprego, eu era tido como um jornalista talentoso, pelo menos era assim que minha mãe me descrevia para as amigas do bingo. Mas a vida gosta de brincar com a gente e, quando eu menos esperava, tornei-me um problema social. E o pior: fui condenado a conhecer aqueles programas vespertinos da TV aberta, de fofocas e baixa gastronomia.

Mas agora estou mais feliz. Ao folhear um jornal encontrado por acaso numa estação do metrô dias atrás, li a notícia de que os brasileiros trabalham em média 132 dias num ano somente para pagar impostos, mais de um terço do ano apenas para engordar os cofres públicos. Perceberam o que isso significa para mim? Sou um homem livre desses tributos. Tive vontade de correr pela plataforma de embarque da estação, beijar bochechas desconhecidas e gritar: “Com o meu desemprego, não dou um mísero centavo para o governo.”

Pelos cálculos do IPEA mostrados na reportagem, em todo o mês de junho, por exemplo, o meu ócio foi destinado a não pagar os benefícios da Previdência Social e as pensões e aposentadorias dos servidores públicos federais. Dediquei outros vinte dias do mês de maio a não amortizar os juros da dívida pública. O meu dolce far niente ainda prejudicou em um dia e meio a distribuição do Bolsa Família. Será que a Dilma vai ficar brava comigo?

A minha viagem de metrô nunca foi tão empolgante. Não conseguia tirar da cabeça a matéria do jornal, os números. Via pessoas apressadas, seguindo para o trabalho. Mal desconfiavam que o árduo esforço do dia seria apenas para custear gastos do governo, talvez as mamatas secretas do Senado. Desci do metrô e caminhei lentamente até uma agência da Caixa para receber a derradeira parcela do meu seguro-desemprego.

- Sabia que você passará a semana inteira, talvez o mês inteiro, trabalhando só para me pagar este benefício?, perguntei à mocinha que me atendeu no guichê.

- Não entendi; o que disse, senhor?

Respondi apenas com um sorriso cruel.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Do outro lado da mureta


Em meu primeiro emprego decente depois de formado, quando eu ainda era um reles repórter que cobria buracos na rua, almoçava diariamente no bandejão do jornal. Era o que o meu dinheiro podia bancar. De lá, via de longe o restaurante self service, freqüentado pelos jornalistas que eu julgava mais importantes na empresa. Apenas uma pequena mureta, com arranjos florais em cima, separava aqueles dois mundos.

Do meu lado, os pobres tinham de se contentar com a comida que depositavam sobre a bandeja. Não havia muita escolha. O pior era ter de dividir a mesa com os peões da gráfica, que viviam com as unhas sujas de tinta e adoravam falar alto enquanto comiam. Não gostava daquela gente sem classe. Eles também me olhavam com desdém. “Só porque tem um diplominha de bosta, se acha melhor do que nós”, deviam pensar de mim.

De minha mesa, ficava contemplando a vida dos abastados no self service. Às vezes, eu sentava bem perto da mureta para descobrir o que estavam comendo ou sentir algum aroma diferente. Muitos dos jornalistas mais importantes da empresa nem olhavam para nós do bandejão. Outros adoravam me sacanear. “Você já provou a bavaroise de papaia ao creme de iogurte e mel? Que delícia!”

Tempos mais tarde, após alguns dissídios e um salário um pouco melhor, decidi conhecer, enfim, o mundo dos ricos. Era uma questão de status perante os amigos, uma forma de provar a mim mesmo que estava tendo, de alguma forma, ascensão profissional. Triste dia em que descobri que a comida de lá era a mesma do bandejão, apenas com o direito de servir-se.

Para a sobremesa, tive de optar entre um potinho de plástico de gelatina, uma laranja já descascada ou uma fatia de melancia. Nunca havia existido porra nenhuma de bavaroise de papaia por lá. Olhei para o lado dos pobres e vi, ao longe, os peões da gráfica. “Come a mesma merda que nós e paga cinco vezes mais caro por isso. Trouxa”, pareciam estar pensando. Esqueci o passado e, com ar superior, voltei à minha mesa. Não via a hora de devorar aquele potinho de gelatina.