Um amigo, competente repórter policial, chegou ao boteco especialmente eufórico naquela noite. No dia seguinte, faria uma entrevista exclusiva e inédita com o chefão do crime organizado, Wellington Pereira, o Torresmão. O bandidão era um excelente homem de negócios e famoso pela violência, o tipo clássico que, quando criança, teria sido capaz de matar os próprios pais só para ir ao baile dos órfãos. Talvez até tenha feito isso. O Torresmão era metido com o tráfico de drogas, armas, prostituição. Ah, e torcia pelo Corinthians.
O papo seria no QG do Torresmão, que ficava em algum lugar que ninguém conhecia. Foram meses e meses de negociação com o Silvinho de Assis, o Azeitona, bandido que acumulava a função de assessor de comunicação da organização. Em tempo: o Azeitona não tinha diploma de jornalista.
- Duda, vai estar todo mundo lá, disse o meu amigo. O Valdenir de Souza, o Cabeção, é o cérebro do grupo, o cara do planejamento, da logística e tal; o Paulo Cordeiro, o Paulinho Motoserra, é o responsável pelo departamento de execuções; o Gilbertinho Assunção, o Beringelão...
Ensaiei perguntar por que “Beringelão”, mas desisti.
A entrevista estava cercada de mistério. Meu amigo encontraria com membros do bando em uma estação de metrô. De lá, seguiria com os olhos vendados em um carro até o QG do Torresmão. Parecia até uma entrevista com o chefão de um daqueles grupos terroristas árabes que bombam por aí.
Antes de o papo começar, o Azeitona, eficiente assessor de comunicação, avisou que já havia levantado todas as informações pessoais do meu amigo. Sabia até onde sua filhinha estudava. A recomendação era para não vacilar. Apesar do tom ameaçador do início, a entrevista foi tranqüila. O Torresmão falou da estrutura empresarial de sua organização, das propinas que pagava aos policiais, filosofou, comentou futebol. Disse até que gostava dos jornalistas porque muitos eram seus clientes mais fiéis de pó.
Ao fim da entrevista, o Azeitona fez um sinal com a cabeça para o Torresmão, que anunciou então sua última exigência. Queria ler toda a matéria antes de ser publicada. Meu amigo, que em toda sua carreira jamais deixara alguém cometer tamanha afronta, ficou indignado. Se nem ministro de Estado interferiu em seu trabalho, não seria um bandido, um vagabundo daqueles que faria isso. Olhou o Torresmão nos olhos e disparou:
- Quer que eu mande por e-mail ou por fax?
terça-feira, 21 de abril de 2009
Entrevista com o Torresmão
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3 comentários:
- Ewerton Martins disse...
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Afinal, mais vale uma matéria meia-boca publicada do que uma matéria boca inteira na gaveta, não é mesmo? Digo... mais vale uma matéria lida pela fonte e publicada do que uma não lida e... ah, no fim das contas, mais vale é continuar vivo mesmo.
- 22 de abril de 2009 às 00:21
- The Ideas of a Vintage Doll disse...
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Quem tem, tem medo!
- 22 de abril de 2009 às 16:31
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"Que que eu mande por e-mail ou por fax???" A história foi tão boa que até pude imaginar os olhos fuzilantes do repórter para o bandido fictício. kkkkkkkkkkkkk
- 30 de novembro de 2010 às 18:51
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