quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Bar de jornalista


Bar de jornalista não tem frescura.

É boteco, botequim. Simples. Não tem hostess na porta. É só chegar, entrar, sentar. Em cadeiras gastas, bambas, sem charme algum. Sem conforto algum. As mesinhas, unidas, viram mesonas e invadem as calçadas. Não tem regras de etiqueta.

Bar de jornalista é tosco. De tão feio, vira cult. A decoração não é assinada por designers. Nas paredes, de pintura descascada ou azulejos velhos, pôsteres de peças de teatro e filmes dividem espaço com a tubulação de água aparente e avisos de “Não aceitamos cheque”. Ar-condicionado aqui não entra. Só ventilador. LCD é luxo. TV tem que ser de tubo.

Bar de jornalista tem cardápio escrito com giz em lousas ou em folhas de sulfite plastificadas, remendadas com durex. Não tem garçom de mau humor. Não tem carta de vinho. Tem cerveja. Em garrafa. Tem moscas que sobrevoam as latinhas de Coca-Cola. Tem porção de calabresa, mandioca, provolone. Coisa boa, de entupir artéria.

Bar de jornalista é barulhento. São vozes que se cruzam, que discutem cultura, política, filosofia, sacanagem. Maledicências. Lamentações. Neuroses. Planos para mudar de vida que nunca saem do guardanapo.

Tem mulheres que pegam batata frita com a mão, homens que não têm vergonha de cruzar a perna como o Caetano Veloso. Tem gente feia, bonita, pobre, não tão pobre assim, branca, preta, multicolor. Tem artista. Tem gay. Tem artista gay. Tem intelectual. Tem gente metida a intelectual. Tem cheiro de mijo que vem do banheiro. Tem vida.

Bar de jornalista não tem frescura. Se tiver, desconfie.


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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Filmes sobre jornalismo


Uma pauta que cai

Os anos em que meus pais jornalistas não saíram de férias

Pauteiro neurótico, repórter nervosa

Corra, motorista, corra

Jornalista não veste Prada

Sexta-feira de pescoção 13

Quem nunca vai ser um milionário?

Focas desempregados à beira de um ataque de nervos

O dia em que a rotativa parou

O nada fabuloso dissídio de Amélie Poulain

A lenda do repórter anti-Serra sem cabeça

Que controle público de imprensa é esse, companheiro?

2001 (toques): uma matéria sem espaço

Matou o plantão e foi ao cinema

Duro de editar

E o Esso levou

As redações bárbaras


Releia também
Jornalismo e cinema
Jornalismo e cinema - parte 2
O crítico de cinema
A carteirada

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os dias bons


Dia bom é dia de homicídio, parricídio, vizinhocídio. É a maldade humana que vende jornal. De atropelamento ninguém quer saber. Ainda mais se for de velhinha.

Alexandre já estava na terceira delegacia de sua ronda matutina e os boletins de ocorrência da noite e da madrugada só falavam do bêbado que bateu na mulher aqui, do carro roubado ali, da confusão no pagode acolá.

Dia bom é dia de chacina, carnificina e outras tristes sinas. É a história do menino trabalhador que estava no lugar errado e na hora errada quando o fuzilamento no bar começou que vende jornal. Ele só queria comprar um maço de cigarros pra mãe.

Alexandre ainda tinha esperança de salvar a página policial do dia seguinte nas duas delegacias que restavam. Essa busca o excitava. Quando encontrava "a notícia" em algum BO, burocrática e fria, anotava telefones e endereços dos parentes da vítima e voava para o carro de reportagem. Começava a melhor parte: a descoberta da história oculta, ainda mais sórdida, mais humana.

Dia bom é dia de velório com revolta, de desgraça sem volta.

É o que vende jornal.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cinco dicas para uma entrevista de emprego


São tão raras as entrevistas de emprego que, quando o jornalista tem a oportunidade de ir a uma, deve se esforçar para não fazer feio. O blog preparou cinco dicas para você:

A questão da roupa e da aparência é sempre importante e depende muito de quem será o entrevistador. Se for um daqueles editores mauricinhos, de gravata amarela e gel nos cabelos, não se esqueça de fazer a barba e evite calças rasgadas e camisetas com a cara do Mussum. Se o entrevistador for do tipo galinha, apostar num decote até o umbigo é uma boa idéia para as mulheres. E nada de usar a camisa pólo que ganhou de jabá numa coletiva, com nome e logo de empresa de fios e cabos elétricos.

Atenção com o portfólio é fundamental. Se você é um jornalista jurássico que luta para voltar ao mercado, nem pense em levar a pasta mofada com recortes de suas matérias no Jornal de Carapicuíba de 1983. Se você é jovem e seu portfólio é tão pequeno que te mata de vergonha, destaque outras atividades, como trabalhos voluntários. Que tal dizer que você entrega sopão a repórteres desempregados que moram debaixo do viaduto ou participa do projeto de inclusão sexual do Retiro dos Jornalistas?

Não fale mal do ex-chefe e da empresa em que trabalhou. Evite desabafos do tipo “Deixei o meu último emprego, porque o meu editor sempre me dava as piores pautas” ou “Depois que coloquei o jornal no pau, aqueles exploradores vão ter que me pagar as horas extras”. Faça um esforço e tente mostrar o lado positivo da experiência anterior, como “Eu era um repórter tão dedicado que cheguei a trabalhar dois meses sem folga, em pautas desafiadoras. Um grande aprendizado!”.

O que é diferencial competitivo para um jornalista hoje? Dizer que você está com o aluguel atrasado, com o nome sujo no Serasa e dificuldade de comprar o leitinho dos meninos não comove mais o entrevistador. Seus concorrentes também farão voto de pobreza. O diferencial é a capacidade de lidar com a miséria. Diga, por exemplo, que, desde que cortaram a energia elétrica em sua casa, você trocou a TV alienante pela leitura dos clássicos à luz de velas. E tem ainda o lance de salvar o planeta, que pega superbem.

Sentir-se seguro é essencial. Aprenda a adequar seu perfil e defeitos às vagas para não perder tempo. Se você é fanho, nem vá à entrevista para a vaga de locutor de rádio; se você é feia, desista de ser apresentadora de telejornal; se você aprendeu Inglês dormindo, a vaga de repórter de Internacional não é para você; se você é comunista, esqueça a oportunidade na Veja; e se você tem um texto sem graça e todo clichê, desista do jornalismo. A menos que a vaga seja de redator da revista Caras.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Best seller


Esqueça Dostoiévski, Mann, Proust! Vamos nos limitar àqueles livros que lideram os rankings de vendas das revistas semanais. A idéia é proporcionar apenas uma leitura leve para os raros momentos de folga. Se você quisesse presentear um amigo jornalista com um best seller, qual seria a melhor opção? A nova enquete do blog está no ar! Vote na coluna à direita.

São cinco empolgantes alternativas: Casais de Jornalistas Não Enriquecem Juntos; Comer (apenas em evento), Rezar (por um aumento), Amar (se tiver tempo); Quem Mexeu no Meu Texto?; A Foca e o Editor-Executivo; e Por Que Os Assessores de Imprensa Amam as Pauteiras Poderosas? Notem que Paulo Coelho ficou fora da lista, porque aí também já seria demais! Bons votos!

A enquete que chegou ao fim – Você votaria em um jornalista para o cargo de deputado federal? – teve como vencedora a alternativa “Sim. É preciso aumentar a bancada jornalística no Congresso”, com 48% dos votos. Se até a representatividade dos palhaços será reforçada com a eleição de Tiririca, por que não podemos fortalecer a nossa classe também?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Lembranças


Cabelo raspado. Tinta escorrendo pela barba malfeita.

Ônibus quebrado. Atrasos. Sono.

Emissor, mensagem, receptor. E muitos ruídos.

McLuhan, Marcuse, Adorno.

Paqueras. As teorias da comunicação na prática.

Boteco, cerveja, dor-de-corno.

Truco, ladrão!

Por que os alunos de Administração se vestem melhor?

A primeira greve pelo direito de dormir nas aulas de Sociologia.

Os mestres que nunca pisaram numa redação.

Festinhas.

Impresso, rádio ou TV?

Pastel de gordura na barraquinha da esquina.

CX3747-208c. Capa dura.

Textos xerocados. Grampos enferrujados.

Trabalhos em grupo. Na casa de quem?

As provas. As colas.

TCC.

Comissão de formatura? Tô fora.

Beca quente pra cacete.

Suborno ao garçom no baile.

Alívio.

Canudo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Chico Buarque canta seus clássicos jornalísticos


História de uma jornalista
(versão de História de uma gata)

Nós, jornalistas, já nascemos pobres
Pior, não nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Aumento, jamais receberás.


Vai chegar (versão de Vai passar)

Ai que vida de merda, ô lerê
Ai que vida de bosta, ô lará
O anúncio do passaralho geral vai chegar.

Ai que vida de merda, ô lerê
Ai que vida de bosta, ô lará
O anúncio do passaralho geral... vai chegar.


Meu caro inimigo (versão de Meu caro amigo)

De madrugada rola muito besteirol
Tem piadinhas e papo de futebol
Compraram pizza e umas latas de Skol
Mas o que eu quero é lhe dizer...
Que a coisa aqui tá preta
Até as quatro vai ter muita ralação
Os olhos vão fechando, que cansaço, que maré
Trabalho e mais trabalho e também sem um café
Ninguém suporta o pescoção.


O emprego (versão de A banda)

O foca triste que vivia sem grana sorriu
O frila triste que vivia na lama curtiu
Jornalistada toda se assanhou
Pra ver o emprego chegar
Mesmo pra ser revisor.

Pra ver o emprego chegar
Mesmo pra ser revisor.


O que será (versão de O que será)
O que será, que será?
Que passa na cabeça
De um estudante
Que busca uma carreira
Gratificante
Mas faz uma besteira
E cai no abismo
Esquece Engenharia
Faz Jornalismo
E vive a ilusão
Dos infelizes
Está na profissão
Das maluquices
Na área dos fodidos
Incompreendidos
Em todos os sentidos
Que vida terá?
Que nunca deu dinheiro
Nem nunca vai dar
Que nunca deu futuro
Nem nunca vai dar
Mas tem o seu fascínio.


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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Me dá uma pauta aí


Ele até conseguia suportar a rejeição da menina que amava, do pai, que queria um filho médico, mas não a rejeição do pauteiro. Tem dor maior para a alma de um jovem repórter do que a dor de ficar sem pauta? Enquanto os outros repórteres estavam na rua, apurando, investigando, vivendo, o jovem repórter sem pauta estava condenado à melancolia da redação, lendo o horóscopo do dia, fazendo pesquisas no arquivo, fingindo viver.

Nas reuniões de pauta semanais, que definiam as matérias das edições seguintes, o jovem repórter ficava no seu canto, diminuído, invisível. Para passar o tempo e enganar o constrangimento, rabiscava, dezenas de vezes, o seu nome numa folha de papel. Quando estava muito irritado com a situação – quase sempre –, costumava rabiscar “pauteiro filho-da-puta”.

Todos já estavam deixando a sala de reunião e ele, tímido, esboçou uma reação.

- Oi, senhor... senhor pauteiro? Olha, eu fiquei sem pauta de novo esta semana. Não tem nada que eu possa fazer, ajudar em alguma matéria especial?

O pauteiro sugeriu a ele redigir mais um daqueles perfis de gaveta, que são publicados na ocasião da morte de pessoas famosas.

- Mas, senhor, a trajetória pessoal e profissional da Hebe Camargo eu já escrevi na semana passada. Passei dois dias no arquivo só fazendo pesquisa, o senhor não lembra? Não tem pelo menos alguém diferente pra gente matar esta semana?

Foi pra isso que eu estudei quatro anos?, refletia, no ônibus, na volta para casa. Quando a gente está na faculdade, não vê a hora de começar a trabalhar de verdade. Então eu chego à redação e é esse o meu destino, o ceifador de vidas de celebridades?

Já pensava em estudar Medicina – por que não ouvi o meu pai? – quando um repórter mais velho e gente boa lhe deu uma dica.

- Rapaz, não fique esperando pela pauta! Você é quem tem que sugerir a pauta. Pare de reclamar e coloque essa cabeça pra funcionar. Cadê a porra da pró-atividade?

Na reunião de pauta seguinte, chegou cheio de idéias. A excitação era tanta que nem se lembrou dos rabiscos. Mas a reunião foi mais breve e ele não conseguiu apresentar as sugestões ao pauteiro. Mesmo assim, estava empolgado. Sabia que a grande oportunidade chegaria. E só dependia dele. Naquela tarde, enquanto pesquisava a vida e a obra de Elza Soares no arquivo, até sorriu. Seus dias de jornalismo mórbido estavam perto do fim.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Porrada


Há quem diga que jornalistas adoram se passar por vítimas de agressões físicas, verbais, ameaças e não sei mais o quê. Que reclamam demais da violência contra a imprensa. E não temos razões para isso? Ano passado, no Brasil, foram registrados 58 casos de violência contra jornalistas. Fora os não denunciados. Pouca coisa, não é? Poderia ter sido pior, 200, 300, 500 casos. Mas não, foram só 58. Choramos à toa mesmo. Até desisti de lutar pela criação da Lei Tim Lopes, uma espécie de Lei Maria da Penha para a imprensa.

Dizem por aí que jornalistas têm mania de perseguição por denunciar o crime organizado. Esquisitice nossa. Na verdade, invejamos a bandidagem por sermos uma classe tão desorganizada. Acusamos até os políticos – coitados – de intimidação. Logo os políticos, gente tão honesta. Político trabalha bastante e não tem tempo de ligar pra jornal para pedir cabeça de repórter, não.

Tem gente que afirma que jornalistas adoram protestar contra a censura e as pegadinhas que pregam na imprensa livre. Balela. Em 2009, o Brasil ficou em 71º lugar no ranking da liberdade de expressão da Repórteres Sem Fronteiras, de 175 países. Tá ótimo. Chiar por quê? Só porque ficamos atrás do Haiti? Se fosse um país politicamente instável, com uma democracia de meia-tigela, tudo bem. Mas não, era o Haiti. Ficamos na frente da Coréia do Norte. Já não tá bom? Isso ninguém valoriza.

Atacam também os jornalistas que sofrem agressões das próprias empresas em que trabalham. Dizem que criamos até um nome bonito para isso: autocensura. Que mal existe em ter de engolir a linha editorial do jornal, em falar bem do político da casa, em não poder falar mal de um anunciante? Reclamamos pra cacete. Fomos os inventores daquela lenda do jornalista de TV pública demitido por desrespeitar a ordem lá de cima. Que nada. Se foi pra rua, é porque aprontou coisa feia. Sei lá, tava vendo sites de sacanagem na redação, fumando um baseadinho no banheiro.

Somos mesmo um bando de inconvenientes! Todos nós. De impresso, rádio, TV, internet. Fim da violência contra a imprensa? Que nada! A polícia não pode perder tempo com casos de pouca importância enquanto ladrões de galinha de alta periculosidade estiverem soltos por aí. Daqui a pouco vão nos acusar de fazer um puta dramalhão pelo aumento dos assassinatos de jornalistas, de lobby pelo título de mártires. Poxa, são casos isolados. Uma balinha perdida aqui, outra ali. A morte é uma fatalidade. Só isso.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A fantástica fábrica de notícias


Estava escrevendo a minha matéria. Compenetradíssimo. Queria loucamente comer alguma coisa, não tinha sequer almoçado, mas não podia parar para não perder a minha linha de raciocínio, que era uma merda, mas eu julgava sensacional. Uma mão pequena e delicada tocou o meu ombro. Quando me virei, vi uma menina de uns 10 anos, imóvel, olhar fixo. Que susto! Porra, ela parecia uma daquelas menininhas mortas de O Iluminado.

- Quer me matar do coração? É esse o seu plano macabro?, perguntei.

- O senhor é jornalista?

- Eu estou tentando escrever uma matéria importante, morto de fome, e você me surge do nada, me dá um susto enorme e agora quer saber se sou jornalista! Sim, eu sou. Tá feliz?

A menina ficou quieta.

Toda semana eram organizadas excursões escolares para a “fantástica fábrica de notícias”. Às vezes eram adolescentes, mas na maioria das ocasiões eram criancinhas como aquela menininha que queria me matar. Andavam sempre organizadamente, uma atrás da outra, como pediam as tias aos gritos. Mas sempre havia alguma criança que se perdia do grupo e começava a vagar sozinha entre jornalistas e suas sensacionais linhas de raciocínio.

O guia da garotada era um velho jornalista que, depois de se aposentar, decidiu apostar em uma nova carreira. Era um gozador. Sempre foi, desde os tempos de repórter. Ele levava as crianças à gráfica, ao setor comercial e à redação. Entre uma piada e outra, explicava como tudo funcionava, como nascia a notícia e como ela chegava à casa de todos. Na redação, gostava de falar, em voz bem alta, as principais regras a serem seguidas.

- Tomem muito cuidado com os jornalistas, crianças! A primeira regra é: jamais dêem comida aos jornalistas, mesmo que eles peçam. Regra dois: mantenham uma certa distância dos jornalistas. Alguns podem ser perigosos. E, por fim, regra 3: respeitem a tia de vocês e andem em grupos. Quem se perder corre o risco de ficar aqui para sempre.

E ria, sozinho.

- Você não tem medo de ficar perdida pra sempre na redação?, disse à menininha, que já não parecia mais querer me matar.

- Acho que eu gostaria de ficar aqui pra sempre. Eu quero ser jornalista.

- Ser jornalista? Você ficou maluca? Tanta coisa legal pra fazer nessa vida e você quer ser jornalista?

- Eu gosto, tio. Sabia que, na minha casa, eu fico lendo os jornais e as revistas do meu pai, imaginando um dia escrever as reportagens, ver meu nome lá nos textos?

Então surgiu a tia que, de longe e aos berros, chamava a menina de volta ao grupo.

- É, não vai ser desta vez que a senhorita ficará aqui pra sempre.

- É, mas um dia eu volto como jornalista formada. Se o senhor ainda estiver vivo, me verá.

- É bem provável que eu não esteja mais vivo.

A menina, sempre séria, agora sorriu e, antes de partir, abriu sua bolsinha, pegou um pacote com umas três bolachas recheadas que ainda restavam e me entregou.

- É pro senhor não morrer de fome, tio. Mas não conta pro guia que eu te dei comida, tá?


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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Microcontos jornalísticos


Labaredas
Ele não sabia se socorria os favelados ou se apertava o REC.

Solidariedade
- Se o editor for encontrado morto amanhã, vocês pagam a faculdade da minha filha?

Lado
Decidiu que só ligaria mais duas vezes para ouvir a versão daquele corno.

Estupidamente
Sempre se lembra de beber todas para esquecer o salário de merda.

1,99
É viciado naquelas revistinhas de fofoca que podem ser lidas numa cagada.

Felação
Contrata-se jornalistas. Dominio da lingua é ecencial.

Fases
- O mais novo tá agora com uma coisa de querer estudar jornalismo.
- Calma, logo, logo ele esquece. Lembra a tatuagem?

Libido
Aquela pauta não saía de sua cabeça. Precisou de um banho gelado.

Foda-se
Até o fechamento, o corno do microconto 3 não havia sido localizado.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tipos manjados da grande imprensa paulistana – parte 2


Kelly Cristina, 42 anos, editora de Geral, bipolar, insegura. Acha que todo mundo pensa que ela só chegou à chefia pela amizade de muitos anos com o diretor de redação. Para garantir respeito à hierarquia, adota linha dura com os repórteres. Em alguns momentos, abusa de seu poder; em outros, é dócil e maternal. Estressada, desce vários andares 15 vezes por dia para fumar. Às vezes, trabalha com sapatos de modelos diferentes em cada pé.

Augusto, 24 anos, foca viciado no jogo War, sonha ser correspondente internacional. Para começar vale qualquer parte do mundo, como Caracas, mas se for em Paris melhor. Adora viajar, estudar idiomas e geopolítica internacional. Quer cobrir guerra, entrevistar algum líder político. Hoje, faz matérias sobre agricultura. Está de saco cheio de safras e entressafras, mas sabe que é só uma fase. Adora invadir o Alaska por Vladivostok.

Seu Antoninho, 60 e muitos anos, repórter policial há quatro décadas. Estável, não pode ser demitido. Chega e vai embora sempre nos mesmos horários. Raramente escreve uma matéria. O único com cadeira cativa, onde pendura seu velho paletó de tergal da Ducal; no assento, uma almofada para aliviar as hemorróidas. Homem quieto, é tido pelos jovens como uma entidade espiritual. Costuma tirar um cochilo na redação.

Talita, 23 anos, repórter de Variedades, recém-chegada de Votuporanga. Não admite ter sotaque do interior. Detesta o apelido de Cabocla e a fama de boa moça. Faz planos para despirocar. Vai a todas as festas esfumaçadas em casa de jornalista. Está louca para tomar um porre de vodka Orloff. Se julga supermoderna. Sonha morar sozinha num apê no centrão. Hoje, ainda vive com uma tia viúva, dois cães e três gatos.

Gustavo, 39 anos, redator de Economia, bonitão e maior pegador da redação. Metrossexual, depila o peito e adora cremes faciais. É discreto e bom de papo. Marca encontros no café pelo MSN. Prefere as mulheres que dão na primeira noite. Não se envolve afetivamente com ninguém. Solteirão, mora com a mãe, que nunca foi vista pelos amigos. Para alguns, a velha está empalhada. Outros dizem que ela é a senhora Bates, do filme Psicose.

Luís Otávio, 46 anos, editor-assistente de Esportes, homem sério e educado. Usa óculos, se veste bem e faz a barba todos os dias. Cabelo aparadíssimo. Trabalha após o fechamento. Não fala palavrões. Nem mesmo um “merda” de vez em quando. Casamento estável. Ama a mulher, que também trabalha no jornal. Não suporta cigarro. Bebe socialmente. Não vai a happy hours. É muito certinho. Nem parece jornalista.


Leia também: “Tipos manjados da grande imprensa paulistana – parte 1