Quando eu ainda era um jornalista empregado, geralmente comia mal, gastronomicamente falando. Muita porcaria pelas ruas da cidade, entre uma entrevista e outra. Mas havia um momento de redenção. Sim, havia! Este momento respondia pelo nome de “filé mignon ao molho madeira com batatas (prussianas ou noisettes) e arroz”, prato clássico servido em eventos que reúnem jornalistas, conhecidos adoradores de uma boca-livre.
Estudiosos do comportamento humano jamais conseguiram explicar este fenômeno jornalístico. Seria uma forma de vingança contra a miséria opressiva cotidiana? Ou o simples desejo de levar vantagem? A única coisa que se sabe, após décadas de pesquisas, é que o gene responsável pela boca-livre é o mesmo ligado à vontade insana de ganhar presentinhos e jabás em geral.
Conheci jornalista que freqüentava aqueles congressos bacanas de empresários só para comer. O encontro com o filé mignon ao molho madeira era sagrado. Ninguém se preocupava se, em alguma mesa naquele salão, uma informação que fosse estremecer o mercado estivesse sendo revelada.
Os organizadores de tais eventos faziam questão de isolar os jornalistas em mesas pelos cantos, versão mais moderna do vale dos leprosos. Nelas se juntavam repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e alguns motoristas que, vez ou outra, também participavam da boca-livre.
Seu Nelson era um dos meus motoristas preferidos, um velho bigodudo e bonachão que também tinha uma queda pela comida boa a custo zero. “Ô, seu Duda, dá um jeitinho de eu almoçar lá com vocês.” Seu Nelson dividiu a mesa com os jornalistas inúmeras vezes. Não falava nada. De boca sempre cheia, apenas fazia um sinal positivo com o polegar para indicar que o filé mignon e as batatas estavam ótimos. E como sujava aquele bigodão com molho madeira.