sexta-feira, 17 de abril de 2009

A muvuca


O corredor estreito que ligava a sala do dotô delegado lá nos fundos à entrada do distrito policial estava abarrotado de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, gente sentada no chão, encostada na parede encardida. Alguém soltou o famoso “tá vindo, tá vindo” e todo mundo se alvoroçou. O empresário, acusado de uma fraude gigante contra o sistema financeiro, deixava a sala após seu depoimento. Estava acompanhado do dotô advogado, com seu indefectível gel nos cabelos e a certeza de que apareceria em todos os programas de TV.

A muvuca estava formada. Todo mundo querendo falar com o empresário. Atmosfera sufocante. O sujeito mal conseguia andar, espremido por aquele bolo de jornalistas.

A cena reunia personagens pitorescos. Tinha o repórter que, para aumentar a renda mensal, trabalhava para uma emissora de TV e duas emissoras de rádio. Tinha de dar conta, no meio do caos, de segurar dois microfones e um gravador. Se fosse um daqueles deuses hindus cheios de braços, tudo seria mais fácil. Mas não era. Havia também aquele repórter baixinho, que praguejava contra este tipo de cobertura. Era sempre engolido pela massa.

A bela e jovem repórter de TV era também fresca e reclamava de tudo. Fazia ares de quem freqüentava a Oscar Freire, mas aquele seu tailleur rosa denunciava sua pobre condição de jornalista. Decerto, fora comprado numa liquidação da Riachuelo. Foi ela quem soltou um grito histérico quando um cinegrafista descuidado bateu de leve com a câmera em sua cabeça. Gemeu, mas não tirou os olhos do empresário. Questão de sobrevivência.

O empresário, que se esquivava dos microfones para não perder um dente, não falava nada. Já tinha sido instruído pelo dotô advogado. Nem tinha como falar. Eram muitas perguntas, simultâneas, cruzadas, confusas. Um fotógrafo, que andava de costas abrindo o caminho, tropeçou e caiu na saída da delegacia. Se não fosse ágil, teria sido pisoteado. O empresário foi embora, mudo. Os jornalistas, ofegantes, amarrotados e frustrados, tratavam de se recompor.

- Quatro horas nessa delegacia e o filho-da-puta não fala porra nenhuma, protesta um colega.

O repórter dos dois microfones e um gravador buscava agora organizar aquele monte de equipamentos e cabos. O baixinho perguntava a alguém mais alto se tinha perdido algum detalhe importante. E a jornalista fresca da TV, ao mesmo tempo em que massageava a cabeça, dava-se conta de que, no meio daquela confusão, alguém passara a mão em sua bunda. Pela pegada, sabia que não havia sido sem querer. Mas desta vez ela não reclamou.

6 comentários:

Júlia Ourique disse...

Hahaha essas meninas de taileur rosa... são sempre tao safadinhas! por causa delas as jornalistas tem fama de mina safadona! mas bem, hahah se foderam, ficaram sem entrevista =P

Ricardo Muza disse...

Já passei por várias dessas, como certa vez, cercando um então ministro da fazenda que adorava dizer que a pergunta era burra prá não ter que responder. Foi na faculdade de adm da Usp, numa meia-lua formada pelos jornalistas prá cercar a fera, que foi empurrando todo mundo prá abrir caminho. Nessa, enrosquei meu pé no cabo que ligava a câmera ao vt (é...faz tempo sim, por quê?)e tive que acompanhar a muvuca feito Saci-Pererê.
Mas, pelo menos, não passaram a mçao na minha bunda...

J. Junior disse...

E teria por quê reclamar?

Desculpe a ausência, prezado. Revista em época de fechamento, aí já viu. Perdemos cabelos. Perdemos (ou ganhamos) o sono. Perdemos o digno acesso à internet... Já viu.

Um abraço! :]

Ewerton Martins disse...

- Você é bom em ficção, hein?
- Não é ficção.
- Ah!

The Ideas of a Vintage Doll disse...

Já passaram a mão na minha bunda e eu também não reclamei, mas pelo menos não bateram com a câmera na minha cabeça...

Mariana Serafini disse...

hahahahahaha
coitado do baixinho! eu sempre sou engolida pela massa!

mas o melhor mesmo é a guria que se paga de Oscar Freire e compra na liquidação da Riachuelo! hsushushsus

ótimo, ótimo Duda!

bjs