segunda-feira, 30 de março de 2009

Uma riquíssima fauna humana - parte 2



Quem acha que são os corintianos o verdadeiro bando de loucos não conhece, com certeza, os fotógrafos de hard news. Ou repórteres fotográficos, como preferem alguns. Fotógrafo que se preza tem cabelos desgrenhados, barba por fazer e cara de quem passou a noite toda sem dormir. Não podemos esquecer também os olhos vez ou outra vermelhos e marejados, pelas mais diversas razões. Se você conhecer um fotógrafo muito certinho, desconfie, meu amigo. Deve ser daqueles que cobrem casamentos ou batizados.

Quando saía pelas ruas de Sampa para alguma reportagem, sentava-me, naturalmente, no banco de trás do carro do jornal. O fotógrafo sempre estava na frente, ao lado do motorista. Fotógrafos e motoristas são seres semelhantes, meio donos da situação. Onipotentes. As duas espécies gabam-se de conhecer o melhor caminho, o atalho perfeito para chegar ao destino final. Cantam as menininhas na rua com a mesma desenvoltura e adoram comprar uma briga com algum segurança ou policial que abuse de seu poder.

Mas os fotógrafos, assim como os motoristas, também sabem ter uma simplicidade ímpar. Não têm frescura, topam almoçar em qualquer restaurante, mesmo naqueles de péssima reputação.

Viajar e dividir o quarto do hotel com um fotógrafo demandava estômago. Na época em que não existiam as máquinas digitais e os filmes tinham de ser revelados, o banheiro do quarto era transformado em um laboratório: toalhas nas janelas para garantir a escuridão, a banheira cheia de água e aqueles produtos químicos fedorentos. E, como o quarto só tinha um banheiro, privei-me muitas vezes de um banho. Ou de ter uma diarréia.

Mas eu sempre admirei esses loucos, principalmente os que tinham sacadas maravilhosas de fotos, os que conseguiam captar o instante de forma magistral. Admirava também o tesão de alguns em buscar sempre a excelência, o melhor ângulo, a melhor expressão das pessoas, mesmo que, para isso, fosse preciso repetir e repetir o trabalho. Sempre curti o trabalho dos fotógrafos, porque o resultado final era fiel à realidade. As palavras mentem, mas as imagens, não. Quer dizer, isso até o dia em que inventaram o Photoshop...

sexta-feira, 27 de março de 2009

O outro lado


Passo a manhã toda em uma favela. Ouço moradores e líderes comunitários que acusam a administração pública da cidade de omissão e negligência. Não são exatamente essas as palavras usadas, mas é exatamente isso que eles querem me dizer. Visito os pontos mais drásticos da favela, conheço de perto as promessas que não foram cumpridas. “Político é tudo safado”, diz, revoltada, uma moradora.

Almoço numa padoca qualquer (para variar um pouco) e volto à redação no início da tarde. Preciso ouvir o “outro lado”. O outro lado em questão é um secretário do governo municipal, sujeito com pouca disposição em falar com a imprensa, ainda mais nesta situação. A pedido do assessor de imprensa, ligo diretamente para ele, mas sua secretária me diz que “ele não vai poder estar me atendendo” neste momento por conta de uma reunião.

- Duda, já falou com o secretário? Podemos fechar a matéria?, pergunta meu editor, no meio da tarde.

Não, não falei. Já liguei algumas vezes. E nada. O sujeito nunca “vai poder estar me atendendo” simplesmente porque não quer me atender. É a reunião que não acaba, depois a audiência com alguém importante ou são os despachos do dia.

- Não podemos colocar que “procurado pela reportagem, o secretário não foi encontrado até o fechamento desta edição”?, sugiro a meu chefe. Mas a resposta é um duro “não”.

É sempre mais fácil dizer que “fulano não foi encontrado até o fechamento desta edição”, mas não podemos. Temos, sim, de ouvir o outro lado! Estou irritado com o passar das horas e nada de conseguir ouvir o outro lado. Quem foi o filho-da-puta que inventou essa coisa de ouvir o outro lado? Se o cara não quer falar, azar dele. O desgaste me faz questionar até os princípios éticos do bom jornalismo.

Ele fica de retornar minhas ligações e aguardo, sem qualquer paciência. “Ele vai estar ligando para o senhor”, promete a secretária do secretário. Tomo copos e mais copos de café. Não tiro os olhos do telefone, que não toca. Lembro aquela mulher apaixonada, que espera com uma ansiedade sem fim o telefonema de seu amado no dia seguinte ao primeiro encontro. Será que ele gostou de mim? Do meu papo inteligente? Da minha escova marroquina? Será que vai querer me comer de novo?

O secretário não me ligou.

- Duda, fecha esta matéria sem o outro lado mesmo, porque já acabou o seu tempo, grita meu editor. Coloca aí que “procurado pela reportagem, o secretário não foi encontrado até o fechamento desta edição”.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Uma riquíssima fauna humana


Lá no jornal, a salinha dos motoristas era o hábitat de ilustres personagens:

Juraci era um negão sacudido, do tipo segurança. Não abria mão de seus óculos escuros de pagodeiro na testa e da camisa aberta no peito. Era daqueles que dirigiam com um braço para fora da janela, sempre de olho em alguma “princesinha” na rua. Nem preciso falar qual era a trilha sonora de seu rádio.

Ricardinho era o fanático torcedor do Corinthians. Só falava em futebol. Que mala! O pior era quando seu time iria jogar contra o meu. “E aí, truta, ceis tão cagando de medo, hein? Só porque a gente temos a maior torcida, mano.” E ria, sozinho.

Ernesto, com seu ar debochado e sorriso malicioso, derrubava a tese de que a fofoca é uma arte exclusivamente feminina. “Sabe a Glorinha, de Economia? Tá dando pro Zé Carlos, o diagramador; pegaram os dois na escada de emergência do quarto andar.” Pela boca de Ernesto, descobri também que a ninfetinha do caderno de Cultura, que eu peguei logo que entrei no jornal, já havia “conhecido” metade da redação antes de mim.

Messias, um ex-policial truculento que passou alguns anos na prisão, virou o bom moço, um cara religioso e pai de família. Enquanto o repórter estava na pauta, ele ficava no carro, lendo a Bíblia. Messias me fazia acreditar na esperança de cura dos degenerados.

E Durval era o motorista que queria vender de tudo, de carro usado – como um “Voyaginho Oito Dois” com quilometragem adulterada – a rifa com nome de mulher. De tão inconveniente, era difícil dizer "não" para aquele sujeito. “Pô, seu Duda, compra só um número, vai, tá 5 real. Ainda tenho Dulcinéia e Marilene.”

Todos estes homens tinham, pelo menos, uma coisa em comum. Faziam de tudo para eu chegar ao meu destino no horário correto, nem que para isso precisassem transgredir algumas leis de trânsito. Chegar inteiro já ficava por conta da proteção divina. Em nossas aventuras nas ruas, não perdiam o rastro da notícia. Foram meus parceiros de muitas pautas. Cada figura!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Quando o Márcio Garcia não é uma roubada


Fim de um dia exaustivo, você trabalhou como um camelo, várias pautas. Você só pensa em ir para casa, ficar jogadão no sofá, desencanado do mundo. Quer evitar qualquer esforço intelectual. Acha ótima a idéia de assistir à novela da Globo. Mas, quando você está deixando a redação, naturalmente à francesa, surge uma cruel pauta de última hora.

Rebelião no cadeião central, vários reféns, incêndio, a polícia toda mobilizada. Você recebe a missão de checar por telefone o que está rolando e, logo depois, dar um pulo no local da confusão para sentir o clima. Você tem vontade de mandar o seu chefe e todos aqueles criminosos inoportunos para o inferno. O pouco da noite que restava, a ser curtido no aconchego do lar, acabou, assim como o prazer (sim, o prazer!) de ver o Márcio Garcia.

A pesquisa (já encerrada) Qual das pautas é a maior roubada? prometia uma briga acirrada, que foi confirmada na prática. A opção “Pautas que surgem no fim do expediente, quando você já está indo para casa” venceu com apenas 32% dos votos, seguida por “Coletiva de imprensa de lançamento do novo álbum da cantora Kelly Key” (28%) e “Plantão de 12 horas (ócio total) em frente ao prédio do Lula em São Bernardo do Campo num sabadão de sol” (26%).

A nossa próxima enquete quer saber que tipo de entrevistado te deixa mais puto da vida. Sabe aquele cara chato, que cabulou a aula de media training? É deste sujeito mesmo que estamos falando. Bons votos!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Um tesouro digitalizado


Muito se discute no mundinho da imprensa o destino do papel. Será substituído por sua versão on-line? Ainda é cedo para saber como será o jornal do futuro, mas as edições passadas, as de arquivo, já foram transformadas em documentos eletrônicos. Em diversas redações, essas edições estão digitalizadas e acessíveis por avançados mecanismos de busca, em poucos cliques.

Sou do tempo do velho arquivão de papel. Sentar a uma mesa com jornais inteiros ou uma pilha de pastas, repletas de recortes, era uma verdadeira viagem ao passado. Ao folhear aquelas páginas amareladas pelo tempo e com um cheirinho de coisa velha, em busca do tema de meu interesse, eu acabava sempre me entretendo por outro assunto qualquer. Uma foto antiga, uma reportagem esquecida. Resgatava o nome de ilustres coleguinhas e percebia a evolução do jornal impresso, em textos e imagens, ao longo dos anos. Uma aula de jornalismo.

Eram edições guardadas como tesouros preciosos, à espera de seus descobridores. Páginas que escaparam do cruel destino de forrar gaiolas ou enrolar bananas na feira. Tudo bem que o processo de pesquisa era lento, trabalhoso e ecologicamente bem irresponsável – voltava para minha mesa com um calhamaço de papel xerocado embaixo do braço. Mas como eu adorava as fugas para a sala do arquivo. Minhas mãos ficavam sujas com aqueles papéis imundos. E tão ricos em história.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Contrata-se jornalista, paga-se mal


Ser jornalista e ganhar bem são coisas que definitivamente não combinam. São mais ou menos como a praia e a chuva. O Lula e o Português correto. O Ronaldo Fenômeno e a vida casta. Eu e a minha ex. O Rubinho Barrichello e a vitória. A Kelly Key e a boa música. O político corrupto no Brasil e a cadeia. O meu carro velho e o meio ambiente. O Caetano Veloso e a explicação fácil. A gordura trans e a vida saudável. As finanças equilibradas e o cheque especial. O amor romântico e o sexo selvagem. O Nestor e o cachorro folgado do vizinho. O Corinthians e a Libertadores da América. O McDonald’s e a barriga tanquinho. O José Sarney e a alternância de pudê. A crise econômica mundial e o emprego. Os motoboys e o retrovisor do meu carro velho. A Igreja Católica e a camisinha. O Latino e a boa música. A reforma ortográfica e o trema. O Paulo Coelho e a boa literatura. A minha geladeira e a superlotação de comida. Os projetos políticos do Serra e os projetos políticos do Aécio. O paletó preto e a caspa. O carnaval em Salvadô e a meditação transcendental. A Vila Madalena e a lei do silêncio. O Vasco e a Primeira Divisão. O síndico do meu prédio e o bom senso. A vida depois dos 30 e as brincadeiras de criança. O PT de hoje e o tal de Marx. As modelos magérrimas e o rodízio de pizza. A Banda Calypso e a boa música. O Hugo Chávez e a democracia. O casamento e a vida sexual intensa. A feijoada e o controle da emissão de poluentes. O Márcio Garcia e a excelência dramática do ator. As torcidas de futebol e a civilidade. O beijo e o bafo. O trânsito de São Paulo e a meditação transcendental. O fim de semana e a segunda-feira. A vizinha gostosa e a cama pobre da minha casa. O trabalho árduo e o Congresso Nacional. O happy hour e o bafômetro. A vida e a falta de humor.

Deu mais ou menos para entender?

segunda-feira, 16 de março de 2009

A história do mudinho


Reza a lenda que um apresentador da extinta TV Manchete costumava soltar a língua quando seu telejornal acabava. Enquanto os créditos subiam e rolava aquela musiquinha chata, comum a muitos programas do gênero, o jornalista não economizava nos palavrões, mesmo sob a mira das câmeras. Reclamava de tudo e de todos.

O que era imperceptível para a maioria dos mortais tornou-se uma afronta a um velho espectador do programa, um surdo-mudo capaz de fazer leitura labial. Depois de noites e mais noites de xingatório na telinha, o homem decidiu pedir providências. Escreveu uma carta para a direção da emissora, relatando o fato e cobrando uma ação da casa para acabar com aquela baixaria. Era a sua maneira de botar a boca no trombone.

Na noite seguinte, ao final do telejornal, quando os créditos subiam e a musiquinha já rolava solta, o apresentador voltou-se para a câmera principal. Seus lábios foram cruéis:

– Mudinho filho-da-puta.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ah, os plantões intermináveis...


São 24 esfihas de carne, 15 de queijo, 10 quibes e umas garrafas grandes de Coca-Cola. Todos colaboram com notas amassadas e moedas. O dinheiro arrecadado vai para as mãos de um dos motoristas, que seguirá até o Habib’s mais próximo. Em pouco tempo (às vezes muito tempo) ele voltará com aquela caixa gigante e quente e, então, começará a divisão da comida. Se não fosse por um conflito que vez ou outra ocorre – “esse quibe que tá sobrando aí é meu, porra!” –, aquela bela cena até lembraria Jesus repartindo o pão e o vinho.

Este é o viés gastronômico (baixíssima gastronomia, digo, de passagem) de uma montagem de guarda de jornalistas. Quem é o jornalista com algum tempo de estrada que nunca ficou horas num hospital esperando pelo novo boletim médico daquele cantor famoso em estado terminal? Ou passou a tarde jogado numa calçada na frente do prédio em que mora o presidente? Há também os plantões nos fóruns da vida, nos grandes julgamentos.

Nesses plantões, tudo pode acontecer. Ou nada pode acontecer. O lance é esperar a notícia, sem saber ao certo se ela vai chegar e a que horas. Os jornalistas, mesmo os concorrentes, unem-se, dividem a angústia do tempo que não passa. Nessa hora, você agradece aos céus por existirem os fotógrafos, que são metidos a engraçadinhos, contam piadas, fazem brincadeiras com quem passa por lá, levam o baralho para o truco.

São nesses plantões intermináveis que se revelam as mais inusitadas histórias de jornalistas, gargalhadas verdadeiras são saboreadas, dramas pessoais compartilhados e até algumas paixões iniciadas.

No fim, feliz é o jornalista que recebe um telefonema da redação com a notícia de que está sendo “rendido” por algum colega. “Bem, amigos, infelizmente, vou ter de deixá-los”, diz, com um sorriso malicioso no canto da boca. Despede-se de todos e entra no carro do jornal, que está impregnado por aquele maldito cheiro de esfiha. Por que é sempre o seu motorista que tem de ir ao Habib’s mais próximo?

quarta-feira, 11 de março de 2009

A primeira vez a gente nunca esquece...


Depois de conquistarem o sonho do “diploma de jornalismo próprio”, os focas passam a conhecer a dura realidade do mercado. Quando entram na faculdade, são o futuro do país. Quando a deixam, muitos viram um problema social, mais um numerozinho na estatística do desemprego. Conseguir o primeiro trabalho é um sofrimento para vários profissionais, com ou sem crise econômica. No meu caso, a história não foi diferente.

Com muita vontade e pouca experiência, peguei meu currículo de meia página e saí em busca da almejada vaga na grande imprensa. Fui parar em um jornal de bairro, numa pequena redação de fundo de quintal. A função era nobre: seria o responsável pela edição do horóscopo da semana. Expliquei ao meu chefe que não entendia nada de astrologia. Ele foi enfático.

– No gavetão tem todos os horóscopos do ano passado. Dá uma maquiada e manda ver.

Foi um exercício de criatividade para mim. A rotina, porém, me desanimava.

– Sabe, chefe, não que eu tenha algo contra os astros, mas eu queria fazer alguma coisa diferente.

Em um ato de extrema benevolência, ele prometeu dar uma turbinada em minha carreira.

– Deve rolar um anúncio de uma clínica de acupuntura. Taí tua grande matéria, mostrar todo o trabalho que eles fazem por lá, algo bem positivo...

Onde foi parar a tal independência editorial que aprendi na faculdade? Quando já considerava razoável a idéia de trabalhar como corretor de imóveis, recebi uma indicação de um amigo.

– Duda, é um puta empregão. Editora de perfil arrojado, em constante expansão...

Parti para uma nova aventura, desta vez em uma empresa que publicava dezenas de revistas, dos mais variados assuntos. Tudo feito por um grupo reduzido de jornalistas, a maioria de recém-formados. Escrevi para a Amigo Proctologista, Construção e Decoração, Artesanato Moderno, Fofocando, Vegetais & Cia... Escala industrial, sem contrato de trabalho, por um cacho de bananas. Não suportei por muito tempo. Peguei meu currículo – agora com uma página inteira – e novamente saí por aí. Ainda queria descobrir se a grande imprensa realmente existia ou se eu estava fadado a ser uma mera estatística.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Nova enquete aí, gente!


Com mais da metade dos votos (53%) e uma longa distância para a segunda colocada, a opção "Só um jornalista para suportar o papo do outro (jornalistas só falam sobre a profissão)" venceu a última enquete deste blog - Por que é mais fácil e comum os jornalistas se apaixonarem um pelo outro?. Ou seja, faça uma profunda reflexão para saber se realmente vale a pena convidar seu novo(a) namorado(a) médico(a) ou arquiteto(a) para participar do próximo happy hour com seus amigos jornalistas! Vai rolar aquele papo chato de pautas, deadlines, liberdade de imprensa, além de alguma lamentação, é claro.

A nova pesquisa, já no ar, quer saber qual é a pauta mais roubada entre as opções sugeridas. A briga promete ser boa, uma vez que reúne micos clássicos da cobertura jornalística. Se você tem alguma pauta roubada para me contar, o espaço está aberto. Saudações a todos!

sexta-feira, 6 de março de 2009

A estagiária


Qual a notícia que corre pelos corredores de uma redação que mais deixa um jornalista ansioso? O índice do dissídio do ano? Outro passaralho a caminho? Não, meus caros. É a notícia de que tem estagiária nova no pedaço. Isso no caso dos homens, naturalmente. Se a menina for bonita, a tensão aumenta, chega a lembrar final de campeonato de futebol.

Basta a moça sentar na frente do computador, cruzar as pernas e dar aquela ajeitada básica na saia para um monte de marmanjos ficar de prontidão nas imediações. Parece que nunca viram uma mulher na vida. Em pouco tempo ela terá alguma dúvida de como operar aquele sistema de edição de textos extremamente simples e não faltarão boas almas para o suporte necessário.

Com as estagiárias, os jornalistas sabem ser pacientes e didáticos. Não conseguem ensinar o cachorro de casa a mijar no jornal (aliás, o mesmo jornal que tem suas matérias publicadas), mas perdem o tempo que for preciso com dicas à nova estagiária, de como conseguir o lead mais interessante a um gancho fantástico para o texto.

Os dias passam e a competição entre esses jornalistas sem noção do ridículo aumenta. Quer almoçar comigo hoje?, convida um. Passa lá em casa no sábado à noite para eu te mostrar a minha coleção dos grandes mestres do jornalismo, sugere outro. No fim, a garota, mais sabida do que qualquer um deles, vai acabar dando para o editor-executivo, o cara que sabe ser discreto (e é bem-sucedido). Aos fracassados sedutores, como eu, resta a esperança de que novas estagiárias virão. É ficar atento à rádio-peão.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Na solidão de meu trono


Todo mundo tem um lugar de refúgio na vida. Uma montanha mágica, uma casinha no campo, uma praia deserta. Em meus anos de labuta no jornal, meu recanto da paz estava no 2º andar, mais precisamente no banheiro do 2º andar. Sempre vazio, era ideal para eu buscar inspiração para as minhas matérias. Nunca gostei do barulho e da agitação dos banheiros da redação, alguns pisos acima. Para mim, cagar era um momento sublime, de reflexão.

Sentado em meu trono, organizava minhas idéias, escolhia as melhores palavras, rascunhava, em pensamentos, o título mais atraente, o lead mais completo. Não precisava atender o telefone, ouvir as cobranças do meu chefe, olhar para a tela em branco de meu PC implorando por um texto. Na redação, tinha problemas de concentração, principalmente quando alguma assessora de imprensa desfilava de calça justa e um jabazinho nas mãos.

No 2º andar, me divertia também com a literatura de porta de banheiro, comum até nos lugares de menos movimento. Tentava decifrar, entre tantos rabiscos, o significado de mensagens repletas de palavrões e erros de português. Em meio a insultos preconceituosos e anúncios de serviços sexuais, havia sempre espaço para a expressão de idéias. Certo dia, uma frase me chamou a atenção. Um anônimo taxava os jornalistas de “um bando de viadinhos que só sabe reclamar da vida”. No início, aquilo me irritou, mas me ajudou a refletir e a começar a escrever mais sobre a profissão. A inspiração não vem só das coisas boas.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Quase famosos


Por conta da vida modesta que tenho levado, a grana de minha indenização respira, ainda que por aparelhos. E, para garantir o biscrok quinzenal do Nestor, faço meus frilas, como todo bom jornalista desempregado. Semanas atrás, um amigo me ligou e ofereceu um job de assessoria de imprensa. A missão: divulgar o trabalho de seu cabeleireiro, “uma bicha vaidosa” como definiu, dono de um salão de bairro, o Pedrinhu’s Coiffeur. O nome bizarro, mistura do brega com o chique, me incomodou um pouco no início, mas superei o preconceito e aceitei a proposta.

Ao chegar, notei que o salão era bonito, organizado, com ares de alguma prosperidade.

- Meu sonho é dar uma entrevista para o Jô, disparou, logo de cara, o Pedrinho.

Conheci a história do salão, expliquei um pouco o trabalho de um assessor de imprensa e perguntei ao Pedrinho o que tornava seu salão especial, diferente dos demais.

- O nosso dia da noiva, naturalmente!

- Pedrinho, não sou especialista na área, mas acredito que dia da noiva tem em todo salão, não?

- Sim, querido, mas aqui a noiva fica muito mais bonita!

O salão não era freqüentado por celebridades, alguém de peso que ajudasse a “vender” a casa. O cabeleireiro falou apenas de uma moça de futuro promissor no mundo artístico, uma tal Gyslaynny Brasil. Mas hoje ela era apenas a sobrinha de uma dançarina gostosona de um grupo de pagode, além de rainha da bateria da Unidos de Piraporinha. Arrasaria no carnaval de Diadema este ano, segundo ele. A coisa tava difícil.

Expliquei ao Pedrinho que um bom trabalho de assessoria de imprensa tem como base o planejamento, com estratégias e um plano de ação bem definidos, tudo para fortalecer a imagem do salão e alavancar os negócios. Citei teóricos da comunicação empresarial e discorri sobre a importância de um relacionamento sustentável com a imprensa.

- Lindo, acho que você não entendeu. Me lixo para estratégias! Eu quero ficar famoso!

Mesmo desanimado com a situação, me comprometi a elaborar uma proposta de job para o Pedrinhu’s Coiffeur e, ao deixar o salão, tive uma nova surpresa.

- Duda, não sei se seu amigo lhe contou, mas não tenho dinheiro para pagar este trabalho. A crise tá pegando para todo mundo. Mas posso pagar em cortes de cabelo, por alguns meses. Aliás, você tá precisando dar uma modernizada nesse visual, né?

Pedrinho era uma bicha vaidosa. E extremamente mão-de-vaca!