segunda-feira, 31 de maio de 2010

Como estragar um caso amor


Logo depois de formado, ainda sem emprego, me vi diante de uma escolha: aceitar o convite de uma garota interessante que me chamara para sair ou aceitar um frila? Compromissos de um mesmo sábado à noite. Difícil decisão para um libriano indeciso, excitado com a proposta da moça e com míseros trocados no bolso. A menina não era jornalista. Será que entenderia a minha situação? Pensei em alternativas.

Se eu inventasse uma desculpa qualquer para não sair, tipo encontro familiar de última hora, ela não aceitaria. “Festa de família? Você vai encher a cara com os amigos e depois pegar alguma vagabunda por aí”, diria. Se eu falasse a verdade para não sair, ela também não aceitaria. “Trabalho no sábado à noite? Você vai encher a cara com os amigos e depois pegar alguma vagabunda por aí”, diria. Então, decidi conciliar as duas coisas e a convenci a ir para a pauta comigo. Um puta programa de índio.

Minha missão era conhecer um novo reduto de bares gays em São Paulo. Ela ficou ao meu lado o tempo todo, silenciosa. Não reclamou de nada. Admirei sua compreensão e seu respeito à diversidade. Naquela noite, como retribuição, a levei a um restaurante bacaninha que ela tanto queria conhecer e paguei a conta sozinho, com a última folha de cheque do talão. Uma facada. Metade do frila que eu acabara de apurar (e nem tinha recebido ainda) ficou naquele pedaço de papel.

Dois sábados depois, também à noite, a arrastei para outro trabalho: um bailão da terceira idade. Não podia recusar frilas. A vida de jornalista apaixonado me dava muita despesa. Nesta pauta, ela até me ajudou. Escolheu personagens, fez fotos e auxiliou um senhor com uma doença crônica a tomar seu remédio enquanto eu o entrevistava. Admirei seu companheirismo. Naquela noite, como retribuição, tomei coragem e disse a ela um “eu te amo”.

No dia seguinte, ela me acompanhou a uma reunião de trekkers, aqueles fãs da série Jornada nas Estrelas que se fantasiam com roupas ridículas. Admirei sua paciência e seu nível de tolerância a nerds. Na noite daquele domingo, como retribuição, deixei de ver os gols da rodada para levá-la a um filme da Meg Ryan no cinema. Era o que eu podia lhe oferecer.

No outro sábado, mais um frila. Desta vez, porém, fui sozinho. Já não tinha namorada. Antes de dar uma bicuda em minha bunda, um dia antes, ela me disse que não suportava mais sair com jornalista, raça complicada. Admirei sua sinceridade. Naquela noite, ao menos, não precisei me esforçar para ser romântico.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Casar ou comprar uma bicicleta?


Emprego fixo ou frilas? Carteira assinada ou pessoa jurídica? SUS ou plano de saúde do sindicato? Rádio ou TV? TV ou impresso? Impresso ou Internet? Redação ou assessoria de imprensa? Esportes ou Geral? Política ou Economia? Cultura ou Internacional? Jornal diário ou revista mensal? Hard news ou qualidade de vida? Salário ruim ou salário péssimo? Jogar o diploma no lixo ou forrar a gaiola do passarinho com ele? Ir para as ruas fazer reportagem ou ficar preso na redação editando o texto alheio? Entrevista por e-mail ou por telefone? Por telefone ou pessoalmente? Bloquinho ou gravador? César Tralli ou Zé Bob? Publicar ou não publicar? Respeitar o off ou não respeitar o off? Mandar o chefe de reportagem que cassou a folga do fim de semana para a puta que o pariu ou para a casa do caralho? Pedir aumento logo de cara ou falar antes que recebeu uma proposta da concorrência? Colocar o jornal no pau quando for demitido ou ficar quieto para não se queimar no mercado? Começar a estudar Inglês mesmo depois de velho ou ligar o botão do foda-se? Plantão no Natal ou no Ano-Novo? Ficar no pescoção ou salvar o casamento? Jornalismo para sempre ou montar aquela pousadinha charmosa em Itacaré?

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A mentira que a vaidade do jornalista quer


Era um Gol simples, sem qualquer charme e com alguns amassados na lataria, mas os adesivos nas portas e no vidro traseiro conferiam ao carro um outro status. Aliás, não eram exatamente os adesivos, mas aquela palavra de dez letras que estava nos adesivos: REPORTAGEM.

A primeira vez que entrei no carro do jornal e segui para uma pauta pelas ruas da cidade, me senti subitamente importante, nobre, cheio de deliciosas ilusões. Em nada eu lembrava o foca ainda sem contrato de trabalho que chegara à redação de trem.

O carro de reportagem desperta a vaidade do jornalista. O repórter senta-se no banco ao lado do motorista, coloca os óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, faz um esforço danado para driblar a cifose e conseguir deixar a coluna ereta, abaixa o vidro e fuma com desenvoltura. Quando o carro pára no farol, ele começa a investigar as pessoas comuns a seu redor e tem a certeza de que elas estão olhando para ele e pensando: “Nossa, o cara é jornalista, deve ser importante. Será que é da Globo? Queria levar a vida que ele leva”.

Sempre atrasado para a pauta, o jornalista sugere ao motorista que desrespeite algumas leis de trânsito, como avançar o sinal vermelho ou os limites de velocidade, afinal está num carro de reportagem, que tudo pode. As leis valem apenas para as pessoas comuns, as mesmas que olham para o jornalista com inveja e encantamento. O motorista, que também se sente importante com seus óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, concorda com o jornalista e pisa fundo no acelerador.

O carro de reportagem é amigo dos carros da polícia, que também são diferenciados. A rua está interditada por causa de um protesto de moradores um pouco mais à frente, mas o policial dá sinal verde para o carro de reportagem furar o bloqueio. Para chegar com mais facilidade à sua pauta, o carro do jornalista tem o privilégio de subir na calçada e ir além dos limites estabelecidos às pessoas comuns. O carro estaciona e o repórter desce com a empáfia escrota de um anônimo que se sente uma estrela pop.

Naquela minha primeira viagem no carro de reportagem do jornal, voltei à redação com a sensação de ser “o cara” e, mesmo após algum tempo em terra firme, continuei extasiado pelo poder mentiroso dos adesivos. Só me dei conta do quão ordinário eu era quando, voltando para casa naquele mesmo dia, olhei fixamente para um outro adesivo na porta de um outro carro: “Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Tempos de recall


Existe, hoje em dia, recall de tudo. De carro com problema na rebimboca da parafuseta, de brinquedo capaz de mutilar criancinhas indefesas e de telefone celular cuja bateria pode explodir a qualquer momento no bolso de seu dono. Ou melhor, existe, hoje em dia, recall de quase tudo. Eu ainda não vi, por exemplo, chamadas para reparar defeitos de fabricação de algum produto jornalístico, mas já fiquei imaginando como seriam.

“Empresa de comunicação convoca os leitores do caderno principal de seu jornal de maio e junho de 2009 para explicar por que tantas matérias tiveram erros crassos de Português. O editor do caderno já foi demitido. As vítimas serão indenizadas” ou “Editora anuncia que os artigos do repórter especial de sua revista semanal do primeiro trimestre de 2010 serão reescritos e reimpressos, uma vez que tal profissional teve um surto de estrelismo e ignorou os princípios básicos do jornalismo”.

A Globo poderia promover um recall de todas as transmissões com abobrinhas do Galvão Bueno, uma vez que promete uma cobertura esportiva de alto nível. A Bandeirantes deveria procurar os telespectadores que são obrigados a ouvir os comentários do Boris Casoy, afinal sempre vendeu um âncora com opiniões sensatas. Alguns produtos defeituosos, como os textos do Diogo Mainardi, não têm conserto e precisariam até ser retirados do mercado.

Não faltam no Brasil motivos para os consumidores de informação recorrerem aos órgãos que os defendem para reclamar das bizarrices do jornalismo. As empresas de comunicação deveriam ficar mais espertas e adotar a proatividade das montadoras de automóveis, dos fabricantes de brinquedos e de celulares. Errata ou “desculpem nossa falha” são coisas do passado. Vivemos os tempos do recall. E é bom não subestimar a ira de um consumidor lesado. Um dia esse povo se revolta contra a imprensa.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A insustentável pobreza do ser


Sintomas clássicos da degradação financeira de um jornalista, também conhecida como “pindaíba mórbida”:

1. Ir a um encontro romântico, ostentando o jabá recebido dias antes numa coletiva para a imprensa. Tudo bem que o restaurante não é nenhum francês bacanérrimo, mas é extremamente decepcionante para uma mulher jantar com um homem – ela chegou até a imaginar que ele poderia ser o futuro pai de seus filhos – que veste uma camisa pólo azul-cafona com os dizeres “Tubos e Conexões Tigre”. Mesmo com letras discretas.

2. Embolsar o dinheiro do táxi – que será gasto no Carrefour – e seguir para a pauta de ônibus, naturalmente lotado. Além de poder chegar atrasado ao local da reportagem, o jornalista ficará com a roupa toda amassada e também poderá perder o gravador e o bloquinho de anotações no trajeto. Se o motorista do ônibus for daqueles que dão uma freada brusca antes de parar em cada ponto, há ainda o risco de uma gravidez indesejada.

3. Ir a uma coletiva de imprensa que não despertou o menor interesse do jornal apenas para filar o almoço. O jornalista finge que prestou atenção na entrevista, finge para o assessor de imprensa que vai dar um espaço legal para o assunto na edição do dia seguinte e devora o filé mignon ao molho madeira sem qualquer outro fingimento.

4. Pedir para o garçom do almoço acima preparar uma quentinha que o jornalista finge que vai levar ao motorista que ficou do lado de fora do evento. É um dos sintomas mais tristes da pobreza. Na verdade, será o jantar do jornalista naquela mesma noite.

5. Participar de uma entrevista concorrida, cheia de empurra-empurra, com dois microfones e um gravador nas mãos. O repórter de rádio/TV/internet chega a lembrar um daqueles deuses hindus que têm um monte de braços. Ele faz malabarismos para conseguir captar o áudio. Se falhar, pode perder um de seus três empregos. Ah, ele tem também um quarto emprego, meio período como assessor de imprensa na prefeitura.

6. Levar o filho, que mora com sua ex-mulher, ao cinema para assistir ao filme “O Guerreiro Didi e a Ninja Lili”, com um par de ingressos que estava esquecido numa mesa da redação e não despertou a cobiça de nenhum outro jornalista. Ao fim do filme, o filho, que já tem uns 15 anos, vai, com certeza, dizer ao pai: “Da próxima vez, a gente poderia ver X-Men ou algum outro filme mais interessante?”.

7. Ficar do lado de fora de um evento chique, de artistas ou políticos, e, com aquela cara de cão faminto, tentar descolar comida e bebida com um segurança da casa. O grupo, geralmente, é liderado por um fotógrafo desinibido – aliás, fotógrafos são todos desinibidos –, que faz a negociação com o segurança. Quando enfim chegam os salgadinhos gelados e o prosecco sem gás, os jornalistas disputam os restos, numa cena comovente e chocante, digna de ser registrada pelas lentes de Sebastião Salgado.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Fechamento


Bar ao lado da redação, 19h15

Pedro, o editor-assistente, pede a primeira rodada de cerveja. Tem esquema com o garçom, velho conhecido. Abraça Carlos, o repórter, que ajeita as mesas para os demais colegas de trabalho. Silas, o editor-chefe, fala com a mulher, ao celular, entre baforadas de cigarro. Avisa que vai chegar mais tarde em casa. Não pode abandonar a equipe. Chefe também é filho de Deus. Todos sorriem, alegres. Falam besteiras, como grandes amigos.

Redação, 18h45 (15 minutos antes do fechamento)

O clima está pesado. Ainda faltam duas páginas. O tempo é curto. Cadê a imagem do abre do caderno? Silas, o editor-chefe, liga para o setor de fotografia, aos berros. Faz cara de decepção. E o texto do correspondente do interior? Sempre atrasado. Pedro, o editor-assistente, lê a matéria de Carlos, o repórter. Única pendência da página 2. Muitas palavras, pouco espaço. Lá vem o facão. Pedro, o editor-assistente, reclama com Carlos, o repórter. Não sabia do tamanho da matéria? Por que não é mais conciso? Carlos, o repórter, fecha a cara. Babaca. Cachaceiro do caralho, pensa. Não gosta da bronca em público. Só espera que Pedro, o editor-assistente, não corte o texto pelo pé. É sempre mais fácil.

Redação, 18h50

A imagem da capa não chega. Silas, o editor-chefe, fica mais impaciente. Está louco para fumar. Não pode. O tempo avança. Barulho na redação. Repórteres à toa enchem o saco. Esporro geral. O som alto da televisão, ligado num telejornal, tira a concentração de Pedro, o editor-assistente, que ainda lê o texto de Carlos, o repórter. Não entende uma frase específica. Chama o repórter. Explicações. Diálogo ríspido. O telefone toca. Será o correspondente? Silas, o editor-chefe, atende. É um assessor de imprensa. Sumariamente despachado. Isso é hora de vender pauta? Vá à merda. A imagem, enfim, chega.

Redação, 18h55

Pedro, o editor-assistente, finaliza a leitura do texto. Tudo certo? Não. Se esquece da legenda da foto da matéria de Carlos, o repórter. Por que esse cara não me ajuda?, pensa Pedro, o editor-assistente. Que correria! O pessoal da gráfica não tolera atrasos. A temperatura na redação aumenta. Chega a matéria do correspondente. Silas, o editor-chefe, começa a editá-la. Por sorte, o filho-da-puta tem um texto redondo. Legenda pronta. Página 2 está fechada. Pedro, o editor-assistente, dá o aval. Liberada. Só falta o abre. Todos parecem exaustos. Pela pressão do horário. Não podem falhar. Silas, o editor-chefe, então, se desdobra e arremata a página 1.

Redação, 19h00

Fim do sufoco. Respiram, aliviados. Fechamento é sempre assim. Chega o momento de relaxar. No bar ao lado.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Pais e filhos


O filho estava cinco minutos atrasado, mas pareciam cinco horas, tamanha era a ansiedade de seu pai. O que ele teria de tão importante para revelar?, pensava o velho.

O filho não deu pista alguma. Será que o Bruno, aquele seu amigo muito próximo, é muito mais do que um amigo? Será que ele engravidou a faxineira? Será que ele decidiu abandonar o nosso time de coração para torcer pelo rival? Será que ele montou um grupo de pagode? O pai pensou nas possibilidades mais terríveis, sofreu, chorou, assumiu seus erros, eximiu-se de seus erros. No fim, decidiu que apoiaria seu filho qualquer que fosse a revelação.

- O quê, filho? Eu não acredito! Melhor, eu não aceito!

- Pai, é o que eu quero. Só serei feliz assim.

- Mas, filho, por que estudar jornalismo? Já não basta a miséria de seu pai? Por que repetir o meu erro? Eu aceitaria tudo, tudo mesmo, até ser o sogro do Bruno, mas ter um filho jornalista não dá. Te criei com tanto carinho!


O que você, meu caro leitor ou leitora, faria caso seu filho (ou futuro filho) quisesse estudar jornalismo, como você? A nova enquete do blog está no ar! Não deixe de votar!

A pesquisa que acabou de ser encerrada – Qual a maior roubada para um jornalista na cobertura eleitoral? – teve uma disputa apertadíssima, com vitória da alternativa “Ter de falar bem do ‘candidato do jornal’ para manter o emprego”, com 43% dos votos. Em segundo lugar, com 37%, ficou a opção “Perder um domingo de folga para ir a um comício na PQP”.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Crônica sobre o nome composto


- Carlos Eduardo, chega aqui, por favor, chamou meu editor.

Eu, foca, segundo dia de trabalho na redação, fui imediatamente.

- Me diz uma coisa: como você vai assinar a matéria? Carlos Eduardo Rangel mesmo?

- Duda Rangel. Vou assinar Duda Rangel.

- Duda?

- É, Duda, qual o problema?

- Qual o problema? Duda, Cacá, Tetê funcionam muito bem no suplemento feminino, no colunismo social, no caderno de Cultura, mas não aqui. Percebe?

- Desculpa, mas eu sou muito mais Duda do que Carlos Eduardo.

Eu sempre odiei meu nome composto. Nome composto é a ofensa guardada na manga. A qualquer momento o agressor pode usá-la contra o dono do nome, para feri-lo profundamente. “Carlos Eduardo (leia-se “seu moleque estúpido”), vai já pro banheiro se lavar, porque você tá todo lambuzado de cocô do cachorro”, dizia minha mãe na infância. Ou “Eu já falei mil vezes que é você quem coloca o lixo pra fora de casa, Carlos Eduardo (leia-se “seu imprestável”)”, dizia minha ex-mulher. Duda é diferente. Duda é conciso, objetivo, está impregnado de amor materno, de tesão feminino. “Quem é o bebê mais lindo da mamãe? O Duda!” ou “Ai, Duda, assim que eu gosto, fundo, bem fundo.”

Além de ser ofensa, nome composto é feio. Lembra cantor romântico que vai ao programa do Raul Gil: “Vaaaamos aplaudir, Caaaarlos Eduardo”. Ou nome de atração brega de rádio AM: “Carlos Eduardo Show é su-su-sucesso”. Duda pode ser meio gay, eu sei, pode ser unissex, mas é o nome que eu gosto, que eu carrego com orgulho desde a minha infância.

- Então Duda vem desde a sua infância, repetiu o editor.

- Da primeira infância, da pré-primeira infância, do ventre, sei lá.

- Tá certo, esta será sua assinatura então.

Suspirei, aliviado. O jornalista Carlos Eduardo estava enterrado!

- Para ser sincero, prosseguiu o editor, eu imaginei que Duda tinha alguma coisa a ver com numerologia. Sabe essas viadagens?


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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Guia de sobrevivência para repórteres em situações de saia-justa


1) Quando você esquecer o nome de um entrevistado, chame-o pelo cargo, como deputado ou professor. Se o cara não tiver cargo algum, mande um “senhor” mesmo. É melhor do que chutar qualquer nome. Se arriscar e errar, peça perdão pela confusão. Se tentar de novo e errar de novo, acabe a pauta rapidinho para não fazer mais cagada.

2) Se você chegar todo suado a uma entrevista, com gigantescas pizzas no sovaco, após enfrentar um trânsito caótico no carro do jornal que mais parecia um forno de microondas, permaneça por alguns minutos em um ambiente com ar-condicionado para se secar. Reze para o seu desodorante Rexona não estar vencido.

3) Se na hora de apertar a tecla “REC”, você perceber que o gravador está sem pilha, guarde-o rapidamente e disfarce. Se o entrevistado perceber que a porra do gravador está sem a porra da pilha, ponha a culpa pelo descuido no rapaz que cuida dos recursos audiovisuais da redação.

4) Se uma fonte lhe acusar, em público, de alguma cafajestada jornalística, adote a tática da negação, muito utilizada por Paulo Maluf: “Você distorceu o que eu disse; Eu nego”, “Você é um caluniador; Eu nego”, "Você é um mentiroso; Eu nego”. Fale com firmeza. Gaguejar é um sinal de fraqueza e autocondenação.

5) Se você for um repórter de TV e, numa entrada ao vivo, um entrevistado começar a fazer gracinhas e falar palavrões no microfone, mantenha a sobriedade, corte a conversa e chame o apresentador no estúdio. Fora do ar, controle-se para não encher o desgraçado de porrada.

6) Se você fizer piadinhas em frente ao seu cinegrafista – sem perceber que ele está com a câmera ligada – e o cara colocar as imagens no YouTube só para te sacanear, aprenda que este é um dos grandes micos dos tempos modernos. Quando encontrá-lo desprevenido na redação, encha o desgraçado de porrada.

7) Quando você cair de pára-quedas numa pauta, de última hora, não entre em pânico. Tente fazer uma pesquisa rápida no Google ou se informar com alguém que entenda do assunto no local da entrevista. A pior coisa é ficar falando abobrinhas ou não abrir a boca enquanto a fonte faz o seu monólogo.

8) Se num jantar chique, tipo boca-livre-baba-ovo-de-bacana, você ficar indeciso sobre qual talher usar primeiro, olhe para a pessoa mais rica e sofisticada da mesa e copie suas ações. Nunca olhe para outro jornalista e, muito menos, para o motorista do jornal que entrou de bicão, que também estarão perdidaços.

9) Se no meio de uma coletiva importante, daquelas que você não pode perder nada, bater uma puta diarréia (o maldito filé mignon ao molho madeira não caiu bem), tente segurar o rojão o quanto puder. O suor frio é normal. A dor estomacal que sobe pelo peito também. Se sentir que irá perder o controle da situação, evacue do local imediatamente.

10) Se você estiver entrevistando um importante presidente de multinacional e o teu celular começar a tocar com a música Dança da Manivela, há duas saídas. A primeira é se desculpar e dizer que pegou por engano o telefone da faxineira; a segunda é fingir que o som não vem do teu celular e perguntar, surpreso: “Tá rolando alguma micareta por perto?”.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O crítico de cinema


Com o jornal do dia nas mãos, o jovem cineasta entra no café e senta-se a uma mesa ao fundo. Pega logo o caderno de Cultura. Quer ler a crítica de seu filme que acabou de estrear. O que aquele crítico escreve faz toda a diferença. Pode tanto arruinar uma carreira como levar um jovem cineasta como ele à condição de grande revelação do ano.


“É um filme de grandes pretensões, e merecedor de elogios por se tratar de um diretor e também roteirista que está apenas começando sua carreira. Sua ousadia deu muito certo. O resultado é um filme denso, instigante e que não foge de temas polêmicos. Engana-se quem acredita que as cenas de sexo têm apenas o objetivo de chocar. É o sexo metafórico, que busca discutir grandes questões filosóficas de forma crua, por vezes árida, mas também tocante (...) O apreciador do cinema vai logo perceber que a cena em que a protagonista faz sexo com três policiais ao mesmo tempo em uma praça pública não tem nada de machista e humilhante. Pelo contrário. É, na verdade, simbologia sem pudor da libertação feminina, uma forma que o diretor encontrou, com seu olhar subjetivo, de mostrar que a mulher de hoje faz o que lhe dá prazer, sem se preocupar em ser julgada pela sociedade conservadora. Outra cena emblemática é quando a velhinha que vende cachorro-quente na rua pergunta ao garoto de programa que trabalha ali perto se ele toparia ir à sua casa naquela noite, uma bem-sucedida arma do diretor de evidenciar que o ser humano é livre para amar em qualquer idade e sob qualquer circunstância. Corajoso e inquietante, o filme deve projetar o diretor à grande revelação do ano”.


O jovem cineasta termina a leitura e dobra o jornal. Sorri, balança a cabeça, sorri de novo. Está naturalmente feliz com a crítica positiva, mas, ao mesmo tempo, surpreso.

Sexo metafórico? Simbologia sem pudor da libertação feminina? Questões filosóficas? Nada a ver o que esse cara escreveu! Viajou total! Eu só fiz um filme de sacanagem, assim, simples, um filme de sacanagem. Não quis discutir porra nenhuma. Mas uma coisa eu não posso negar: esse jornalista escreve bonito pra caralho...

- Amigo, um café, por favor. Puro.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O teeeempo passa...


O moleque vivia na roça. O pai não tinha dinheiro para comprar sequer uma TV em preto-e-branco. Mas não foi essa relação íntima com a pobreza que o fez escolher, anos mais tarde, a profissão de jornalista. Foi o rádio velho e cheio de ruídos do pai. Ouviam juntos, nas tardes de domingo, o jogo do time de coração narrado pelo Fiori Giglioti. Toda vez que o locutor dizia “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”, a imaginação do menino viajava até o estádio.

Um amigo da escola disse a ele que jogo de futebol de verdade era uma pasmaceira só, que não tinha toda aquela emoção que se ouvia no rádio. A bola estava bem longe da grande área, mas a sensação, no rádio, é que o gol estava prestes a sair.

- E como ele sabe disso?, retrucou o pai. Seu amigo nunca foi a um estádio. Nem ele, nem o mentiroso do pai dele.

O menino seguiu encantado pelo futebol no rádio e narrava tudo a seu redor. “Crepúsculo da janta, torcida brasileira. Lá vem a mamãe pela direita com a sobremesa, passou por um, driblou o papai e chegou até a mesa”.

- Pai, manda esse moleque calar a boca que eu não agüento mais, dizia o irmão mais velho.

De tanto ouvir o Fiori no rádio, ele decidiu que também seria locutor esportivo. Aos 15 anos, começou a trabalhar na emissora da cidade, na nobre função de entregador de correspondências. Mas era perseverante. No ano seguinte, já servia o cafezinho. Aos 22, foi trabalhar na rádio da cidade vizinha, maior e mais importante, que cobria todos os jogos do time local. Já era jornalista formado.

Um dia, o locutor titular da rádio ficou sem voz. Passou a noite xingando o cachorro do vizinho que não parava de latir. E ele teve a grande chance de fazer sua estréia. Seguiu para o estádio agitado. No caminho, se lembrou do Fiori e das tardes de domingo de sua infância ao lado do pai. O velho, com certeza, estaria ouvindo sua voz, onde quer que ele estivesse naquele momento.

O juiz apitou e ele colocou toda a emoção do mundo na sua narração. O dia mais feliz de sua vida. Mas não foi nada fácil o trabalho. O jogo foi uma pasmaceira só.

Leia também: “Outdoor ambulante”

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O despertar de um jornalista


Fora as raras ocasiões em que ele me passava o aviso na véspera, meu pauteiro me ligava, todo dia e religiosamente, às 8 e meia da manhã. Era o momento de conhecer a minha matéria do dia. Podia ser coisa boa ou coisa ruim. Ou coisa nada a ver. Ou tudo ao mesmo tempo. Embora 8 e meia da manhã seja muito tarde para a maioria dos trabalhadores brasileiros, que às 5 já se espremem em algum trem ou ônibus, para mim era muito cedo. Nunca dormi antes das 2 da madrugada. Teve uma fase em que eu despertava às 7 para levar o cão para passear, mas foi só uma fase.

Meu celular/despertador tocava às 8. Era o tempo de receber uma lambida do Nestor, tomar banho, fazer a barba (ou não), engolir um café bem forte e esperar pelo pauteiro ligar. Mas, na prática, isso raramente acontecia. Nunca levantava às 8. O despertador tocava e eu seguia na cama, enrolando, dormindo e acordando, sonhando sonhos malucos, torcendo para que a pauta não exigisse fazer a barba. Sempre odiei fazer a barba todo dia. Porra, se existem vantagens de ser jornalista, esta é uma delas.

Quase sempre eu acordava mesmo às 8 e meia, com o meu celular tocando Living La Vida Loca para avisar que era o pauteiro. Eu tossia umas duas ou três vezes para tirar aquele maldito catarro da garganta e ter uma voz minimamente decente para falar com o cara que me daria uma boa ou uma má notícia. Ou tudo ao mesmo tempo. Odiava quando ele falava “puta voz de sono, Duda. Aposto que nem leu os jornais de hoje”. Mas a vida era assim.

O melhor dos mundos era quando a pauta era só à tarde e, claro, não exigia fazer a barba. Então eu relaxava. E enrolava ainda mais na cama, dormindo e acordando, sonhando mais sonhos malucos. Até que o Nestor pulava na cama com aquela cara de “preciso mijar urgentemente, seu vagabundo” e então meu dia começava. Mas esta fase também acabou.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Entrevistados


Não gosto dos entrevistados escorregadios. Dos que respondem a uma pergunta com outra pergunta. Dos que adoram mudar o rumo da prosa. Dos mal-humorados. Dos mal-educados. Dos enrolados. Dos que precisam urgentemente de um media training. Dos que ligam para o editor para pedir a cabeça de um repórter. Dos que desejam intimidar com ameaças baratas. Dos que tentam seduzir com presentes caros. Dos que pedem para aprovar um texto antes da publicação. Dos que ficam perguntando quando vai sair a matéria. Dos que pedem para colocar uma foto bem bonita deles na capa. Dos que insistem em guiar a entrevista. Dos que seguram o microfone na mão do repórter. Dos que me dão chá de cadeira. Dos que agendam um encontro e não aparecem. Dos que me atendem em movimento. Dos que vivem com a agenda lotada. Dos que vivem com o celular na caixa postal. Dos que estão sempre numa reunião importante quando os procuro por telefone. Dos que me brindam com uma informação bombástica e, depois, me pedem off. Dos que mentem. Dos que nunca me dizem o que eu realmente quero ouvir. Dos que falam menos que o seu assessor de imprensa. Dos que não falam. Dos que falam muito, mas não dizem nada.