segunda-feira, 29 de março de 2010
Respeitável jornalista
Apesar de tanto esforço, o movimento do público diminuía cada vez mais. Não era fácil manter vivo um grupo circense em tempos de forte concorrência, com reality shows e escândalos mil na política. Mas Elisberto não desistia. Um dia, após uma apresentação, foi abordado por um homem, que não se identificou. O homem pediu licença para dar um conselho que ajudaria a aumentar o público do circo: uma assessoria de imprensa para divulgar os espetáculos nos jornais e rádios das cidades que o circo visitasse.
- Mas eu não sei fazer isso, não posso fazer, respondeu Elisberto.
- É claro que você pode. Qualquer um pode. Isso não exige diploma! Você já faz tanto neste circo, seria apenas mais uma atividade. Apenas escreva textos e envie aos jornalistas. Seja você o seu próprio assessor de imprensa.
O homem deu instruções a Elisberto de como fazer a coisa. Sugeriu ainda que, em cada cidade que o circo estivesse, Elisberto convidasse os jornalistas locais, seus filhos e amiguinhos dos filhos para assistir aos espetáculos sem pagar, com direito a guloseimas. Isso convenceria os jornalistas a falar bem do circo.
- Jornalista se vende por um saquinho de pipoca, disse o homem.
- Será mesmo?
- Brincadeira. Mas por dois saquinhos de pipoca, sim, um de salgada e outro de doce, riu.
Elisberto aceitou o conselho e passou a produzir releases, sem saber que o nome daquele texto era release. Chamava de “importante comunicado à imprensa”. Falava das atrações, das datas e dos horários das apresentações. Cometia alguns erros graves de Português, mas estava perdoado, afinal os mesmos erros também são cometidos por tantos assessores profissionais. Elisberto tinha a mania de começar todos os seus comunicados com “respeitável jornalista” e jamais se esquecia de chamá-los para assistir a um espetáculo como convidados de honra, com “toda a mordomia”, o que incluía pipocas salgadas e doces.
A estratégia deu um excelente resultado, a divulgação ajudou a levar mais público ao circo. Elisberto tornou-se grato àquele homem que nunca mais viu e sequer soube o nome. Feliz, passou a se apresentar como empresário, homem das finanças, artista e assessor de imprensa.
5 comentários:
- Renato Souza disse...
-
É cara. É bem verdade que nos vendemos por pouco. Esse pouco já mais do que temos, rs.
É outra verdade que ultimamente qualquer pessoa faz o que só (?!) nós, diplomados (há!), deveriamos fazer.
Mas fazer o que. Já fomos comparados a cozinheiros, meros "preparadodes de notícias."
Obs: Adoro cozinhar. Absolutamente nada contra essa profissão maravilhosa e... deliciosa. - 29 de março de 2010 às 11:10
-
-
isso me lembra quando uma esteticista queria me dizer como escrever um texto pro informativo do sindicato da categoria. ela queria por que queria que eu pusesse senhor e senhora na frente dos nomes daquele povo......tsc tsc tsc....e minha saliva naquela discussao toda foi à toa...
se ela sabia tudo, o que eu estava fazendo ali? :/ - 29 de março de 2010 às 23:44
- Duda Rangel disse...
-
Renato e Laís,
Passamos por cada uma nessa profissão e uma delas é, sem dúvida, lidar com gente que se acha a jornalista! Paciência!
Abraços do Duda - 31 de março de 2010 às 18:14
- Mariana Serafini disse...
-
dois pacotinhos de pipoca está ótimo!
é o suficiente para publicar o texto "respeitável jornalista" no caderno de cultura!
hushsushsushusshu - 12 de agosto de 2010 às 11:16
- Amanda Carvalho disse...
-
Sou Assessora. E é isso mesmo! qualquer um pode escrever e mandar pra jornalista os releases ou convocar pra coletiva. O que vale nestas horas é o networking e saber vender o cliente. E este por muitas vezes não entende por que ele não foi/é capa da Folha ou pq o Bonner não o citou no Jornal Nacional... Todo dia tenho que explicar isso... todo santo dia! Mas vamos lá o que vale é gostar do que faz, fazer tudo da melhor forma possível e ter salário no fim do mês. Amanda Carvalho.
- 10 de dezembro de 2010 às 17:04