quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Festa de jornalista


Tem de todo tipo, mas festa de jornalista clássica é festa com ares de clandestinidade, que rola na casa de alguém.

O pessoal vai chegando aos picados, cada um à sua hora, ou melhor, cada um à hora do seu fechamento. O ingresso é uma bebida, ou mais bebidas, cerveja long neck, vodca, rum para os mojitos. Come-se pouco, mas se bebe demais, sô! É um abre geladeira, fecha geladeira, abre geladeira, fecha geladeira. A cozinha parece sacristia de igreja em dia de missa. Uma agitação só. Fuma-se também, principalmente aquela ervinha boa pra relaxar. Às vezes, fuma-se coletivamente, na sala, seda recheada que passa de mão em mão. Às vezes, busca-se clandestinidade ainda maior, no banheiro, no quartinho da empregada.

Tem gente que chega sozinha, tem gente que carrega um amigo não-jornalista a fim de se divertir com aquele povo excêntrico – eufemismo para esquisito. As pessoas vão se juntando pelos cantos, no sofá, no chão, entre as almofadas. A noite começa mais animada, com sons eletrônicos variados, e acaba com Chico ou Lou Reed. Os mais jovens insistem com Los Hermanos. A menina de saia florida e cabelinho loiro e crespo sempre leva o CD de seu grupo de maracatu – quase só de mulheres –, atração da Vila Madalena. Às vezes, leva o grupo, para uma canja no quintal.

Por causa da música, as conversas são múltiplas e ficam restritas, cada uma, aos pequenos grupos que se juntaram pelos cantos. Tem jornalistas de empresas concorrentes que só se encontram na loucura das pautas e na loucura das festas. Tem o sujeito que, empolgado com a vida, com a vodca e com a matéria de capa que conseguiu, pega um livro do Cortázar na estante e começa a ler algumas de suas histórias pela sala. Tem um amigo de jornalista não-jornalista louco pra comer a moça de óculos, vestido xadrez e meias verdes até os joelhos. É a grande oportunidade de uma foda intelectual para curtir a lembrança boa pelo resto da vida. Ou se arrepender na mesma noite. Mas a moça só tem ouvidos para o rapaz que fala de cronópios e famas.

As festas clandestinas de jornalista não têm dia certo para acontecer. Fim de semana, segunda, terça. Nem hora certa para chegar ao fim. Mesmo com trabalho no dia seguinte. Tem vizinho chato que liga pra polícia pra acabar com a putaria. Mas tem também vizinho gente boa que se junta à galera dos jornalistas. Para uma cervejinha, um cigarrinho e para ouvir as meninas de saia florida com seus agbês e ganzás no quintal.

17 comentários:

TetoSolo disse...

Precisamos marcar uma festa dessas Duda!

Anônimo disse...

hahahaha consigo ver todos os meus amigos nessa festa. E acho que sou a moça do maracatu, apesar d não ter cabelo loiro enrolado.

Simone Costa disse...

Olá Duda! Gostei tanto que publiquei (com os créditos) em meu Blog Impressões & Expressões.
A impressão que tive ao ler a crônica foi de ter aberto uma gaveta (com cheiro de naftalina) e de lá tirar aquela velha foto P&B...lembranças e mais lembranças.

Simone Costa
www.simonecosta.wordpress.com

Ronise Vilela disse...

Acho que isso não existe mais!

Anônimo disse...

Rsrrsrs a sua turma só pode ter ido nessa festa que promovi no castelinho rsrsrs. Esqueceu de dizer que a pedidos "Toca Raul", tivemos que colocar o repertório do maluco beleza na festa. Rsssrrsr.
Ótima crônica. Festa de jornalista é exatamente isso.

Jussara Gonzo disse...

Jornalistas AINDA fazem festas?!

Júlia Ourique disse...

Ahhh se tu morasse no Rj tá para rolar festa por aqui rapá... Comunicomio 2... bebida à vontade xD Eu vou é levar uma amiga publicitaria pra curtir com o pessoal [medo rsrs]

Marina Bártholo disse...

Existe sim! Volta e meia lá no meu cafofo...

Mariana Dias disse...

hahaha Rachei com "os jovens insistem em Los Hermanos" e a loira do Maracatu.

Unknown disse...

Ahahah me vi nessa festa... no ultimo encontro antes das eleições FOI QUASE DESSE JEITO... papinho na casa do amigo rolou ate o dia amanhecer =D

Duda Rangel disse...

É, Juliana, festa boa é aquela em que o papo com os amigos vai até o amanhecer e a gente nem percebe o tempo passar. Valeu pelos comentários de todos. Abraços.

Ben Oliveira disse...

Haha seus textos são ótimos.
Uma coletânea deles e você tem um ótimo livro para publicar :)

Duda Rangel disse...

Ben, meu caro, o livro sairá em breve. Aguarde! Abraços.

Gisa Carvalho disse...

Me lembro te ter participados de algumas festas parecidas... hahahahahaha

Lucas disse...

Legal ler que nessas festinhas tem aquela "ervinha boa pra relaxar". Relaxar enquanto o Estado se mobiliza para acabar com o tráfico que arranca nacos de civilidade da sociedade para que, posteriormente, os senhores, do alto de suas canetas, venham a criticar a "classe média cheiradora", a "parcial" revista Veja, a "manipuladora" Rede Globo.

Duda Rangel disse...

Lucas, meu caro, o mundo tá cheio de hipocrisia, sim, no meio jornalístico também, mas não exclusivamente nele. Abraço

Jess disse...

Ai, Lucas, deixa de ser broxante, velho! kkkk