quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As minhas retrospectivas


Estou entrando em férias. Nada como poder passar uns dias na praia, disputando um pedaço de areia com gente e bichos geográficos. Sim, blogueiros também têm direito a férias! Aviso os navegantes que este é o último post de 2010. Retorno ao blog em 11 de janeiro. Um detalhe: mesmo neste período de recesso do blog, seguirei no Twitter (@duda_rangel) com a retrospectiva dos melhores (ou piores) posts do ano.

2010 foi especial para o blog Desilusões perdidas. O número de leitores aumentou muito e o meu perfil no Twitter foi até escolhido como um dos melhores (ou piores) do ano pela Revista Bula. Deixo o meu singelo “obrigado pra caralho” a todos. Vocês são a minha motivação para continuar escrevendo. Obrigado aos que manifestaram sua opinião no blog e aos que não manifestaram também. Aos que sempre me apóiam, aos que ajudam a divulgar os meus escritos por aí.

Prometo que, em 2011, o blog será, enfim, adaptado em um livro. Se até a Vera Fischer lançou o seu livro, sinto que agora é uma questão de honra. Um maravilhoso novo ano a vocês, com todas as suas coisas boas e até os inevitáveis dissabores. Que a gente continue reclamando, amando o que faz (seja o que for) e, principalmente, sabendo rir sempre.

Como despedida, republico um post que tem tudo a ver com esta época do ano. Beijos e abraços do Duda.

Boa noite

Quando eu ainda era criança, sem pêlos no saco, descobri minha paixão pelo jornalismo. Eu achava o máximo acompanhar, entre o Natal e o réveillon, o noticiário da TV com o resumão dos acontecimentos do ano. Enquanto meus colegas sonhavam ser astronautas, pilotos de Fórmula 1 ou galãs de cinema, eu queria ser apresentador de retrospectiva. Meus pais não entendiam a minha escolha. "Pô, Duda, apresentador de retrospectiva?”

Era o despertar de um jornalista. Ao longo do ano, eu guardava jornais e revistas com informações sobre o Brasil e o mundo – nessa época, não havia descoberto ainda a Playboy, a Ele&Ela e as preciosidades suecas. Definia a pauta do programa, redigia as laudas para leitura. Tudo isso muitos anos antes de aprender (ou desaprender) jornalismo na faculdade. Me preparava para o grande dia: a apresentação da minha retrospectiva, que podia ser feita em qualquer parte da casa, desde que existisse uma mesa para servir de bancada.

Eu usava um paletó de meu pai, gigante para mim. Na parte de baixo, apenas bermuda e chinelos, afinal era assim que diziam trabalhar os apresentadores de TV. Adotei óculos, para dar mais seriedade. Não havia câmeras na minha frente; apenas uma platéia, ao vivo, composta por parentes e amigos da família. Gente que fazia o maior esforço para estar ali.

– Esse menino fala que seu sonho é ser jornalista. Isso é coisa de vagabundo! Ele não quer é estudar – murmurava uma tia.

Um dos meus maiores apoiadores era meu avô, que se dizia um visionário.

– Esse moleque ainda vai ser jornalista, trabalhar na Globo e comer toda a mulherada.

Como ele vibrava com o meu “boa noite” na abertura de cada edição do resumão de notícias, ano após ano. Para mim, aquele era também um momento mágico.

Aos poucos, a platéia e o meu desejo de apresentar retrospectivas foram diminuindo. Com o crescimento dos pêlos no saco, meus interesses de fim de ano mudaram. Ah, as preciosidades suecas! O programa morreu, mas a paixão pela profissão jamais. Tanto que virei jornalista, como previu vovô.

Só não cumpri o resto de sua profecia.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O que alguns jornalistas esperam para 2011


Fábio espera ser promovido de estagiário pessimamente remunerado sênior para repórter com salário de merda júnior.

Letícia espera fazer uma especialização em Jornalismo na Espanha. Ou um mestrado em Mídias Sociais na USP. Ou trabalho voluntário. Ou mudar o corte do cabelo.

Murilo espera cobrir uma guerra no Oriente Médio, mas, se não rolar, serve um morro no Rio de Janeiro.

Sérgio espera não esperar nada para depois não se frustrar.

Tatiana espera arrumar um emprego igualzinho ao da Ilze Scamparini.

Diogo espera deixar a revista Hidráulica Moderna, chata pra cacete, e escrever sobre cinema.

Joana espera roubar todos os clientes da agência de assessoria de imprensa de seu chefe canalha e abrir sua própria agência.

Pedro espera parar de fumar, beber e se entupir de comidas gordurosas. Mas só às segundas-feiras de lua cheia.

Patrícia espera que o jornal em que trabalha não vá à falência ou vire apenas uma edição eletrônica.

Fernanda espera arrumar um namorado novo. Mas, por favor, Deus, que não seja outro jornalista.

Roberto espera fazer menos plantão. E mais sexo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Evangelho segundo o assessor de imprensa


Começava a chover no calvário.

- Chefe, chefe, conversei com um ótimo advogado e conseguimos um habeas-corpus. Sua sentença está suspensa!

Era Pedro, assessor de imprensa de Jesus.

- A notícia já corre por todos os cantos.

Jesus arregalou os olhos. Não era esse o final que havia planejado. Mas como lei é lei, os soldados, também contrariados, tiveram que descer Jesus. O bandido mau sorriu com sarcasmo: “Neste país, só os pobres morrem na cruz.”

De volta à sua casa, Jesus teve os ferimentos tratados por sua mãe e por Maria Madalena, sua mulher, carinhosamente chamada por ele de Madá. Madá, que há pouquíssimo tempo já se considerava uma viúva, agora refazia os planos. Voltou a sonhar com uma casa no campo, cheia de crianças e ovelhas.

Jesus não entendia por que seu assessor de imprensa armou toda aquela estratégia para conseguir um habeas-corpus.

- Me responde, pelo amor do meu Pai: o que a gente combinou?

- Mas chefe...

- Não tem “mas chefe”. Era só escrever o release sobre a minha crucificação e a ressurreição no terceiro dia e disparar para a mídia. Só isso. É tão difícil para um assessor seguir o briefing?

O primeiro jantar de sua liberdade foi em família, coisa simples, nada da ostentação da santa ceia. Jesus era só desolação.

- Não comeu nada, filho. Assim você vai ficar fraco.

- Mãe, eu deveria morrer para salvar este povo. Agora, tudo será diferente. Como eu fico com a opinião pública?

Jesus caminhava pelas ruas sob olhares desconfiados. Os discípulos, sempre muito próximos, se afastaram. Não conseguia mais fazer milagres. Os leprosos continuavam leprosos. Os cegos jamais veriam o verde dos campos. Jesus começou a beber. Os cabelos e a barba foram crescendo cada vez mais.

- Meu filho, você está precisando arrumar um emprego.

Jesus tornou-se depressivo e passou a se entupir de Prozac.

Sem causar mais furor, Jesus foi esquecido. Seu assessor de imprensa, que ainda não havia sido perdoado, caiu fora por falta de pagamento. O processo de execução foi arquivado. Jesus estava condenado a jamais morrer na cruz. Ele pouco saía de casa e, numa destas raras vezes, foi comprar pão – já não conseguia multiplicá-los – e nunca mais voltou.

Madá chorou. Esqueceu a casa no campo, as crianças, as ovelhas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Afinal, o que é Jornalismo?


Jornalismo é vocação. É mais ou menos como ser padre. É sacerdócio. Missão. Entrega total. Tem que fazer voto de pobreza. Voto de castidade também rola e, hoje, rola até mais para o jornalista do que para o padre. Enquanto os padres estão bem soltinhos por aí, os jornalistas são os reclusos. A redação é seu mosteiro. Seu claustro.

Jornalismo é a fé em dias melhores. É acreditar em milagres.

Jornalismo não é para aventureiros. Se você ainda não sabe o que quer da vida, descubra primeiro. Nem pense em estudar Jornalismo antes disso. Tem gente que está em dúvida entre Veterinária e Administração e, do nada, decide cursar Jornalismo. Porque é chique, porque a gente fica famoso, porque a gente fica importante. Fica porra nenhuma.

Jornalismo não se escolhe por causa da dica que você viu na caixa do Toddynho.

Jornalismo é dedicação. É perseverança.

Jornalismo é abdicar de um monte de coisa e gente.

Jornalismo é o marido boêmio e safado que seduz as moças no bar, o marido que você já prometeu largar um milhão de vezes, mas não larga, porque ele sempre te convence que você não saberia viver sem ele. E sem ele você não saberia mesmo viver.

Jornalismo é a trepada bem-dada. É gozar ao ver a matéria que deu tanto trabalho publicada. Matéria publicada na capa, então, é algo pra lá de sublime. É sexo tântrico. Jornalismo é o tesão de ir pra rua, é o tesão de conhecer gente que você não imaginava existir, é o tesão de viver essa coisa viva chamada História.

Jornalismo é o pau duro. Sem Viagra.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sintomas de um jornalista em crise


Ele vende o carro popular e vai passar um tempo em Londres.

Ela se inscreve num curso de gastronomia.

Ele começa a fazer uma fé na Mega-Sena.

Ela começa a visitar cartomantes.

Ele sonda os amigos do mundo corporativo para saber se rola alguma oportunidade em Comunicação por lá.

Ela considera tornar seu hobby (artesanato com garrafas PET) uma profissão de verdade.

Ele decide trocar a mesa do bar por um retiro espiritual num templo budista.

Ela decide criar um blog.

Ele já não sente pela pauta o mesmo tesão que sentia no início.

Ela olha o Jornalismo nos olhos e diz: “será que o meu amor por você acabou?”. E o convence a fazer terapia de casal.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cantigas jornalísticas de Natal que a cantora Simone jamais ousaria gravar


Noite infeliz (versão de Noite feliz)

Noite infeliz, noite infeliz
Editor, por favor
Ou vou embora ou perco meu trem
Moro na Lapa e é longe, meu bem
Tem baldeação lá na Luz
Tem baldeação lá na Luz.


Soa o tiro (versão de Toca o sino, versão de Jingle bells)

Hoje a pauta é fera juntos eu e ela
Vamos à favela que o bicho vai pegar
Ao soar o tiro, tiro dos meninos
Sobe o Caveirão para apavorar.

Põe colete, minha filha, para o seu bem
Tem azul, amarelo e rosa também
Ligo a câmera, tudo pronto pra gente gravar
Só cuidado pruma bala não te encontrar.


Papel morreu? (versão de Anoiteceu)

Eu pensei que a internet fosse acabar com o papel
Os feirantes reclamaram, passarinhos protestaram
Brincadeira mais cruel.

Já faz tempo que o matam, mas o meu jornal-papel vai bem
Com certeza já morreu e morreu há muito tempo
Para aqueles que não lêem.


Até no Natal (versão de Bom Natal)

Quero ver você não chorar
Se um furo tomar
E um puta esporro levar.

Quero ver você não sofrer
Se o texto escrever
Mas no fim a pauta cair.

Se achar a grana ruim
Tão ruim assim vou dizer...

Glamour não existe
O dissídio é triste
Jornalismo é puro amor.

É Natal, até no Natal
Um plantão a mais pra você
Pra você.


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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imprensa Retrô 2010


Depois de longa agonia, desligaram os aparelhos do velho JB, tadinho. O titio William Bonner humanizou-se e virou sensação no Twitter. Teve repórter, que pautada pelo microblog, divulgou notícia falsa de uma corrida de cadeiras de rodas com Hebe Camargo no hospital. A Carolina Dieckmann nos ensinou o que é ser uma jornalista fake, mas muito fake. A campanha “Cala Boca, Galvão” ficou famosa na mídia internacional. Um monte de jornalista brasileiro foi assaltado na Copa da África do Sul. Dunga chamou o repórter da Globo Alex Escobar de cagão. O Felipão chamou repórteres esportivos de palhaços. O Tiago Leifert, acreditem, conseguiu ficar mais bonito que o Evaristo Costa. O jornalista Duda Rangel conseguiu atrasar o pagamento de apenas três meses de aluguel em todo o ano. A lésbica do BBB10 chocou papai e mamãe quando revelou para todo o Brasil que era jornalista. Pimenta Neves completou uma década de liberdade desde que matou a ex-namorada pelas costas. Armando Nogueira se foi. O Glauco também. Mas a jornalista Carolina Dieckmann, que tinha que morrer, não morreu. Até a ONG Repórteres Sem Fronteiras concordou com sua execução. O senador Romeu Tuma partiu desta para uma melhor (ou pior) um mês depois de a Folha.com ter antecipado sua partida. Chico Buarque cantou seus clássicos jornalísticos no blog Desilusões perdidas. O “rei” Roberto Carlos também. O Datena continuou chato. O Lula continuou atacando a imprensa. E sendo atacado. Vários veículos de comunicação viraram partidos políticos na eleição. O Estadão, ainda sob censura da família Sarney, demitiu colunista por “delito de opinião”. A Folha de S.Paulo tratou de acabar com a Falha de S.Paulo. Teve jornalista que se envolveu em quebra de sigilo fiscal e virou notícia na campanha eleitoral. Cid Moreira lançou sua biografia no mesmo ano em que Fiuk e Geisy Arruda lançaram as suas. Nunca se discutiu tanto liberdade de imprensa e controle de mídia sem se chegar a lugar algum. O jornalista Duda Rangel, pelo vigésimo ano consecutivo, não ganhou o Prêmio Esso.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Carta de um jovem jornalista ao Papai Noel


"Olá, Papai Noel. Eu me chamo João e sou um jornalista recém-formado. Ainda estou chateado com essa história do diploma não ser mais obrigatório, mas não vou desistir da profissão que eu amo! Com ou sem diploma, o problema maior é que está muito difícil arrumar um emprego. Estou escrevendo para pedir uma oportunidade de trabalho neste Natal. Deixei uma meia pendurada na janela com meu currículo atualizado.

Nem precisa ser um emprego muito bom. Para começar, faço até plantão no carnaval. Sei que vou ganhar um salário pequeno. Estou ansioso para aprender jornalismo na prática e confiante que o próximo ano será bem melhor. Meus amigos dizem que sou muito otimista, que acredito em tudo, até em Papai Noel. Mas a gente precisa ser assim.

Cometi alguns erros este ano, mas nada tão grave que não me faça merecer este emprego. O senhor vai compreender. Fiquei de bobeira na internet, escrevendo bobagem no Facebook e lendo o blog do Duda Rangel. O único vício que eu tenho é beber demais, embora falam que todo jornalista bebe. Também dou um tapa num baseado de vez em quando, mas só quando estou estressado e com dor de cabeça. E se é para uso medicinal não há problema, o senhor bem sabe.

Na faculdade, eu sempre fui um aluno dedicado. Fazia os trabalhos direitinho. Li até livro do Diogo Mainardi que eles me obrigaram. Eu também sou bem-informado. Não gosto de ler jornal, mas sigo todas as notícias na internet. O meu Português é bem correto também. O senhor pode notar que não tem vírgula separando o sujeito do verbo nesta carta.

Estou louco para ver se todas aquelas coisas que o Duda Rangel escreve no blog dele acontecem mesmo. Estou com um puta tesão (ops, desculpa!) de ir para a rua, fazer reportagens, buscar sempre a história mais bacana, comer coxinha de frango na padoca, ganhar um monte de jabá e almoçar de graça nos eventos. Também quero conhecer o tal pescoção. Só não quero ser corno como o Duda, mas este pedido fica para o outro Natal, está bom? Não vou abusar mais do senhor! Obrigado, Papai Noel. João."


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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quis porque quis fazer jornalismo


Depois de muitos anos, duas mães se reencontram num colégio, no dia de votação de uma eleição qualquer.

- Maria Helena? Você não é a mãe do Paulo Henrique, o amigo do Arturzinho, meu filho, nos tempos aqui do colégio?

- Claro! Sou a mãe do Paulo Henrique, sim. Quanto tempo, Célia! E como vai o Arturzinho?

- Arturzinho tá ótimo. Tá nos Estados Unidos. Acabou a faculdade de Economia na USP e está fazendo uma pós-graduação em Nova York. Tá todo empolgado! A família também. E o Paulo Henrique?

- Paulo é aquela coisa: nunca gostou de estudar. Quis porque quis fazer jornalismo. O pai não queria. Agora tá aí, desempregado. Diz que manda currículo todo dia, pra tudo que é lugar, mas a situação tá difícil.

- Mas isso é fase, Maria Helena.

- Deus te ouça, Célia. O Paulo Henrique passa o dia inteiro tocando guitarra no quarto. Diz que vai ser músico também. O pai não tá gostando nada. Eu queria tanto que ele fosse igual ao Arturzinho.

- Bem, Maria Helena, deixa eu ir. Sucesso pro Paulo Henrique.


Dois anos depois, numa outra eleição, novo reencontro.

- Oi, tudo bem? E o Paulo Henrique? Ainda sem emprego?

- Oi, Célia, tudo bem. O Paulo arrumou umas coisas, sim, mas tudo bico. Pelo menos tá pagando as contas dele.

- Que bom, já é alguma coisa, né?

- Ele diz que também está fazendo um blog. Acho que é esse o nome: blog. Não ganha nada. Diz que vai ganhar, mas até agora nada. Diz que é um blog sobre transparência política. Não entendo direito. Ah, esse moleque. E o Artur?

- Arturzinho tá ótimo. Já tá voltando pro Brasil. Mês que vem. Com a pós que ele fez lá nos Estados Unidos, já garantiu um superemprego aqui, num banco grande. Tão jovem e já vai ter um cargo importante, sabe? Salário excelente.

- Que bom. O Arturzinho sempre foi muito estudioso. Eu falava pro Paulo: segue o exemplo do seu amigo. Mas fazer o quê? Quis porque quis fazer essa bobagem de jornalismo...


Pelas mais diversas circunstâncias, o encontro seguinte só ocorreu depois de oito anos.

- Maria Helena, tudo bem? Lembrei de você esses dias!

- Sério?

- Me fala uma coisa: o Paulo Henrique Dias, o jornalista que denunciou o esquema de corrupção lá no Senado, é o seu filho?

- É o meu filho, sim.

- Jura?

- Paulinho tá trabalhando em Brasília há uns cinco anos ou mais. Gostou mesmo dessa coisa de política, investigação, transparência. Lembra que eu falei do blog? Arrumou até emprego por causa do blog.

- Lembro do blog, sim. Que coisa, né?

- Não ganha o salário do Arturzinho, mas tá muito feliz.

- Então, deixa eu te contar. O Artur não está mais no banco. Fez uma besteira lá num investimento alto, o banco perdeu muito dinheiro e mandou ele embora. O pai ficou uma fera. Vai estudar nos Estados Unidos pra fazer uma besteira dessas?

- Sério? Coitado...

- E quando é pra dar errado dá tudo junto. Ele tinha casado, mas depois da confusão com o banco até a mulher abandonou o Artur. Tá em depressão. Não vai nem mais às aulas de esgrima.

- O pai do Paulinho tá todo orgulhoso do filho. Eu também, sabe? Tenho uma pasta aqui com os recortes das matérias dele. Quer ver? Só matéria de capa.

- Nossa, que coisa, né?

- E não é que o Paulinho se encontrou mesmo no jornalismo?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A festa da firma


Como festa de fim de ano é sempre igual, um post para relembrar.

Na minha época de redação, dezembro chegava e o povo tinha que decidir a escala especial de folga – quem trabalha no Natal e quem trabalha no ano-novo. Ou quem trabalha nos dois, caso de alguns focas. Sobravam divergências e eventual ofensa à mãe alheia. Mas dezembro também era um tempo alegre, tempo de festa da firma.

Após passar o ano inteiro explorando os pobres funcionários, principalmente os jornalistas, o dono do jornal decide promover uma festança. Para alguns, um lampejo de humanidade do patrão, mas, para mim, pura estratégia. Ele sabe que o jornalista é facilmente seduzido por uma boca-livre. Alimente um jornalista e ele se tornará seu amigo, dizia um filósofo de botequim. Ele esquecerá até das horas extras não pagas.

A festa da firma é um clássico exemplo da política “pão e circo”. Mas quem se importa com isso? Adoramos comida e bebida fartas, show com banda ao vivo, sorteio de prêmios. No meu tempo, começavam com brindes institucionais e acabavam com o prêmio máximo da noite, uma semana com a família na colônia de férias em Mongaguá. Eu, que sempre preferi o pão ao circo, até criei um grupo de amigos batizado de “a nuvem dos gafanhotos”, que perambulava pelas mesas deixando só devastação.

O evento é uma grande chance para o jornalista conhecer pessoas de outros departamentos, a turma do administrativo, a turma do comercial - ou “os vendedores de anúncio”. Até os jornalistas que nunca conseguem um alvará da patroa para as bebedeiras habituais vão à festa. Só não aparece a ala dos intelectuais, jornalistas que acreditam que a festa da firma não passa de uma forma primitiva de entretenimento, regada a axé, cerveja e suor.

Na festa da firma, muita gente perde o pudor, paga mico, arruma confusão. As taxas de sangue no álcool ficam baixíssimas. A vantagem de ficar um pouco mais sóbrio é testemunhar as aberrações da noite e ter matéria-prima para fofocar nos dias seguintes. Jamais esquecerei a festa em que o foca do caderno de Variedades, moço tímido, foi arrebatado pela música do Abba, subiu na mesa, arrancou a camisa, rebolou como uma lagartixa e gritou: “I am the queen, I am the dancing queen!”.

Depois disso, nunca mais foi visto na redação.


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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

TCC


O TCC é uma aporrinhação para o estudante de Jornalismo. Um esforço danado pra quem passou quase quatro anos numa vida serena, entre aulinhas sem graça e a cervejinha no bar. Com o TCC, são meses de abstinência social. Pode ser monografia, livro-reportagem, documentário. Não importa. É um trabalho de conclusão de curso que teima em nunca acabar.

TCC requer criatividade pra escolher um tema original. Sorte pra descolar um orientador gente boa. Madrugadas de leitura. Debates em grupo de avivar gastrite nervosa. Pesquisas, entrevistas, páginas e páginas de citações teóricas. Revisa aqui, compila ali, encaixa acolá. Trabalhos que mais parecem um Frankenstein. Tem estudante que surta. Tem estudante que enfim descobre onde fica a biblioteca da faculdade.

TCC tem dedicatória brega do aluno à família que o apoiou. E penou para pagar o curso. À paciência do orientador, sempre com tempo curto e mil outros projetos para acompanhar. TCC tem a porra da formatação da ABNT. Papel branco A4, Times corpo 12, margem de 3 centímetros à esquerda, parágrafo com recuo de 2 centímetros, referência bibliográfica assim, sumário assado, não sei o quê em itálico, em caixa baixa, em caixa alta.

TCC exige sangue-frio do estudante para lidar com o furo de um dos membros da banca às vésperas da banca. Agilidade para conseguir um substituto pra ontem. É uma mistura de tensão e ansiedade até a apresentação final do trabalho, quando o professor-orientador, do alto de sua sabedoria acadêmica, atesta que seu pupilo está apto para ser JORNALISTA!!! Papai e mamãe ficam orgulhosos. Todos se abraçam, riem, choram.

Então, o jornalista cai no mercado de trabalho e descobre que fazer um TCC é algo até bem sossegado, sabe?


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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Adote um jornalista carente neste Natal


Escolha uma cartinha, dê o presente e faça um jornalista feliz.

“Estar desempregado não afeta apenas a auto-estima de um jornalista. Afeta também o seu estômago. Vocês não imaginam o que é comer todo dia o marmitex de três reais do bar do Sassá, lá na Vila Buarque. Como fica a dignidade do ser humano? Logo eu, um cara sempre acostumado ao bem-bom das coletivas de imprensa. São dois anos longe de um canapezinho de atum com damasco, de um carpaccio de salmão. Mas o que eu queria ganhar mesmo neste Natal é o meu prato favorito: filé mignon ao molho madeira com batatas prussianas. Estou até derrubando saliva no papel desta carta. Eu só peço a refeição, mas se rolar também um presentinho-surpresa eu ficaria ainda mais feliz.”
Ricardo Macedo

“Eu acabei de me formar e ainda não consegui um emprego. Eu podia estar jogando videogame, podia estar assistindo àqueles videozinhos de stand-up comedy no YouTube, mas eu prefiro pedir uma oportunidade de trabalho. Eu aceito qualquer coisa, por qualquer salário. Se for o caso, trabalho até de graça. Eu sei que é difícil apostar num jovem com um currículo de uma página só e ainda assim com Arial 16. Para não dizer que não tenho experiência alguma com técnicas de apuração jornalística, eu gosto muito de monitorar as frases de gente famosa no Twitter. Lá, vocês sabem, é sempre possível encontrar declarações bombásticas e grandes furos.”
Bruno Felipe de Oliveira

“A grande frustração da minha vida é nunca ter recebido um prêmio jornalístico. Aliás, tirando a medalha de menção honrosa no concurso de poesia na 5ª série, nunca ganhei nada. E um monte de amiga minha já ganhou prêmio. Prêmio faz bem para o jornalista, faz a gente se sentir mais importante. Eu perdi as contas de quantas vezes eu já reescrevi o meu discurso de agradecimento nesses últimos 15 anos. Eu gostaria muito neste Natal que alguma grande empresa, tipo uma multinacional, se sensibilizasse com a minha história e criasse um prêmio jornalístico exclusivo para mim. Tenho até um espaço reservado para o troféu na estante da minha sala, ao lado da medalha do concurso de poesia.”
Cássia Monteiro

“Fim de ano e o Retiro dos Jornalistas fica cheio. As pessoas só lembram da gente no Natal. No resto dos dias é um esquecimento só. Mas, tudo bem, vir no Natal já é alguma coisa. O que eu queria receber de presente é algo um pouco complicado, eu sei. Queria alguém para me ouvir. Hoje, é tão complicado encontrar alguém para nos ouvir. E eu tenho tanta história para contar. Era eu quem redigia as receitas de bolo para publicar no jornal quando o pessoal da censura baixava na redação. Um dia esqueci de colocar a farinha na lista dos ingredientes. Já viram bolo sem farinha? E as figuras que eu já entrevistei? Teve o cara que tentou se suicidar umas 10 vezes e fracassou em todas. E a mulher que jurava que era a reencarnação da Nossa Senhora? Dá para acreditar? Reencarnação da Nossa Senhora!”
Marcos Saldanha

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fotógrafo, o Terrível


Antes da foto, deixa só eu anotar o seu nome, por favor. Só um instante. Cadê a minha caneta? Cadê a mi-nha ca-ne-ta? Só um instante. Opa. Aceito, sim. Obrigado. Bonita, hein? Esta caneta deve custar uma fortuna, né? (risos) Também você é o presidente da empresa. Brincadeira. Ah, não é o presidente? Desculpa. Vice-presidente de Finanças? Sim, sim. Bom, é o cara da grana! (risos) Deixa eu anotar então tudo aqui. Nome? Jo-ão Fran-cis-co A-qui-no. Ok. Vice-presidente de Finanças. Certo. Vamos pra foto então? Olha, eu queria fazer com aquele fundo ali. Tudo bem? Pode ser? Assessor? Tá jóia? Vamos lá então. Beleza. Mais pra lá, por favor. Pra direita. Isso. Fecha o paletó, por gentileza. Isso. Obrigado. Assim fica mais bonito. Ok, ok. Maravilha. Vamos fazer aquela clássica foto soquinho no queixo. Pode ser? Ótima. Isso. Mais uma. Mais uma. Peraí. Opa. Ótimo. Agora, aquela com os braços cruzados. Isso. Cara de executivo do ano. Isso. Cara de futuro presidente da empresa. (risos) Mais uma. Ficou boa, ficou boa. Essa aqui é de capa de revista, hein? Boa, boa. Agora, com aquele outro fundo ali. Pode ser? Vamos lá. Assim. Mais de lado. Um pouco mais pra lá. Tá muito sério. Parece até que a empresa tá quebrando. (risos) Isso. Assim ficou melhor. Mais outra ali na mesa. Ok? É, a gente tem que fazer várias fotos pra escolher depois. No passado? A gente também fazia várias fotos, mesmo sem câmera digital. Fazia, sim. Mais pra lá. Isso. Só que a gente ficava escolhendo foto no negativo. Pois é. Agora tá mais fácil. A última. Maravilha. É isso aí. Zé Fini. Obrigadão. Ufa. Tudo certo então. Vou nessa que ainda tenho outra pauta agora. Oi? A caneta? Meu Deus, onde eu tô com a cabeça pra colocar a sua caneta no meu bolso? Meu Deus, me desculpa, me desculpa. Até mais. Obrigado. Desculpa, viu? Até logo. (...) Assessor, obrigado pela força. Pode deixar que a gente vai escolher uma bem bonita. Sim, sim. É, mas se vai ser capa ou não, só com o editor. Você sabe, né? Ah, me fala só mais uma coisinha: sabe aquele sanduba que você me ofereceu na chegada? Tem mais algum aí?

Leia também: Uma riquíssima fauna humana – parte 2

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Santos


São Euclides da Cunha – protetor dos plantonistas, dos que ralam no pescoção, dos enviados especiais, dos cornos em geral.

São Vicente de Pauta – é o conhecido santo das pautas impossíveis, como aquelas com pouco tempo para apuração ou com entrevistados que se recusam a falar.

Nossa Senhora do Bom Plantão – dizem os devotos mais fiéis que basta rezar duas ave-marias que nenhuma tragédia ocorrerá no seu domingo de trabalho na redação.

São Manoel da Padoca – acolhe os famintos ou privados de refeições. Em sua famosa imagem, segura um bolinho de carne na mão direita e uma coxinha de frango na esquerda.

São Tomás Naquilo – é tido como o santo mártir do jornalismo. Morreu muito jovem, depois de trabalhar durante seis meses sem folga e sem direito a receber horas extras.

São Bento di Ploma – santo italiano que abençoa os estudantes de jornalismo que ficam quatro anos pagando uma mensalidade caríssima para conseguir um certificado.

Santa Maria da Desgraça – é a santa das causas urgentes, como pagar o aluguel, pegar um frila, trocar de emprego, mudar de vida.

Ótimo (ex-Bom) Jesus dos Milagres – é o bambambã dos altares. Porreta. Seu milagre mais famoso foi transformar um jornalista todo metido num profissional sem vaidade.


Leia também: Ladainha

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mimos natalinos


O jornalista não se contenta apenas com o jabá natalino básico que chega todo ano às redações – panetone e espumante. Ele quer sempre mais. Dê uma refeição a um jornalista e ele se tornará seu amigo. Dê um presente e ele se tornará seu melhor amigo!

E como livro é sempre uma ótima pedida aos que amam ler, caso dos jornalistas (será mesmo?), a enquete que acaba de entrar no ar quer saber qual o melhor livro-presente para um jornalista neste Natal. Vote na coluna à direita do blog! Mas não se esqueça: o jornalista merece carinho e atenção durante todo o ano. Não adianta lembrar dele apenas no Natal.

A pesquisa que chegou ao fim – O que você achou da cobertura da imprensa nas eleições 2010? – teve como vencedora a alternativa “Os debates foram sacais. Só salvou o Plínio”, com 38% dos votos, seguida bem de perto pela opção “Odiei. As preferências partidárias de alguns veículos me enojaram”, com 34%. Os que "adoraram" ou "gostaram" somaram apenas 6%. A imprensa não engana os jornalistas.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A vida pobre de um estudante de jornalismo


A geladeira coletiva da república. O iogurte com nome do dono dentro da geladeira coletiva da república. Os porres de Balalaika de doer a cabeça por uma semana. A cerveja nunca acompanhada por petiscos no bar. Aqueles espetáculos teatrais chatíssimos, mas gratuitos. Filme brasileiro a dois reais na segunda-feira. O Catraca Livre na lista dos favoritos. A privação dos megashows internacionais. As longas horas de leitura nos pufes da livraria bacana. A saída estratégica da livraria bacana sem comprar um único livro. Motel que cobra por hora, que tem TV de tubo de 14 polegadas no teto. A venda de tudo que é bugiganga no Mercado Livre pra levantar uma grana. A venda do vale-transporte do estágio pra levantar uma grana. As aulinhas particulares de Português pra aluno do ensino médio. A venda de pão de mel, de rifa com nome de mulher, Iranilde, Zuleica, Veridiana, nos corredores da faculdade. As moedas catadas pelos bolsos para o hot-dog na barraca da esquina. A fila imensa do restaurante popular. O incentivo à pirataria. A calça jeans que resiste bravamente ao tempo. O trem lotado. O ônibus lotado. A carona filada no carro do amigo do amigo. O maço de cigarro socializado. A vontade de assassinar o desconhecido mala que ajuda a pagar o quarto da pensão. A saudade filho-da-puta da família que mora longe, mas, paciência, a passagem do busão tá sempre muito cara.

O estudante de jornalismo suporta todos estes perrengues, com a certeza de que a miséria tem dia certo pra acabar. É só uma questão de se formar e conseguir um bom emprego. Tolinho.


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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Todo mundo virou jornalista!


Com o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista, muita gente de outras áreas passou a exercer a profissão, sem qualquer qualificação. Clássicas técnicas de entrevista, por exemplo, têm sido substituídas por métodos nada ortodoxos de busca pela informação. O blog denuncia alguns casos mais assustadores.

A moça do telemarketing

- Eu gostaria muito de poder estar entrevistando o senhor. O senhor teria um minutinho para poder estar respondendo algumas perguntas?

- É rápida essa entrevista, querida? É que eu tô no trânsito.

- Super-rápida, senhor. Para a sua segurança e para a minha também, gostaria de estar informando que a entrevista estará sendo gravada. Tudo bem?

O médico

- Você vai me desculpar, mas o que as cirurgias que eu já fiz ou os casos de hipertensão arterial na minha família têm a ver com a minha trajetória artística, musical? Você pediu para fazer o meu perfil profissional ou uma anamnese?

- Fica calmo, são só perguntinhas de rotina. Fumante?

A prostituta

- Alô, Sharon? Tá a fim de um frila bom? Mas, escuta, desta vez é cobertura completa, ok? Apuração, redação, texto final, fotos e até legenda de fotos. Topa?

- (mascando chiclete). Claro que topo, editor. Só que a completa, você sabe, é mais cara.

O jogador de futebol

- Você foi convocado pra reforçar a editoria de política nas eleições. Bem-vindo!

- Obrigado, professor, quer dizer, editor. A gente tá vindo pra somar e a editoria tá unida e espera fazer uma grande cobertura.

- Ah, serão 64 dias de trabalho na redação. Sem folga.

- Sem folga? Sério que rola concentração aqui também?

O assaltante

- Vai passando a informação, vai passando a informação! Rápido, porra! Eu quero o lead inteiro, vai! O que, quem, quando, onde, como e por quê! Tá demorando!

- O “como” e o “por quê” eu não tenho.

- Como não tem?

- Não tenho. Eu juro!

- Qué morrê? Passa logo o lead inteiro, porra!


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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Best sellers jornalísticos


Aos jornalistas com algum tempo livre para os livros, coisa raríssima, uma lista de best sellers para relembrar:

Comer (apenas em evento), Rezar (por um aumento), Amar (se tiver tempo)

Quem Mexeu no Meu Texto?

A Foca e o Editor-Executivo

Por Que Os Assessores de Imprensa Amam as Pauteiras Poderosas?

Casais de Jornalistas Não Enriquecem Juntos

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Amar um jornalista é...



Não se importar em passar o Natal sem ele, o carnaval sem ele, o aniversário sem ele.

Ficar acordada até as cinco esperando ele chegar do pescoção.

Empurrar o carro velho dele que sempre quebra de madrugada.

Suportar os amigos dele que não param de falar de jornalismo na mesa do bar.

Tolerar as reclamações de salário ruim, pauta ruim, editor ruim.

Acompanhá-lo em trabalhos free lance no sábado à noite ou domingo bem cedo.

Ler as matérias horríveis dele e dizer que ficaram ótimas.

Achar graça quando ele interrompe a transa para atender o pauteiro no celular.

Ouvir as histórias fantásticas da carreira dele quando vocês dois ficarem velhinhos sem dizer “querido, você já contou isso um milhão de vezes”.

Leia também: O amor nos tempos do pescoção

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entrevista


A lembrança da briga com o namorado vem à cabeça, mas ela logo esquece. O assessor de imprensa ao lado parece não existir. É atenção total no entrevistado. Que fala e fala e fala. Quase sem pontos, quase sem vírgulas. A repórter faz anotações no velho bloquinho, com espiral que insiste em fugir pelos cantos. Mão agitada. Letra miúda que cresce. Rasteja. Da esquerda pra direita, de cima pra baixo, em linhas imaginárias. Riscos, rabiscos. Registros cifrados. Palavras que morrem pela metade. Ai, meu Deus, que garrancho! Enche uma página. Vira pra outra. E mais outra. Com dedos ágeis. Olha pro entrevistado. Pro bloquinho. Pro entrevistado. Pro bloquinho. Ã-hã! Hmmm hum... A caneta falha. Droga! Vai me deixar na mão bem agora? Bic azul, quase seca, de tampa amolecida a dentadas. Mais perguntas. Copo de água gelada. O senhor tem uma caneta pra me emprestar? Mico. Jeito sério, pra impor respeito. Sei, compreendo, perfeito, claro, lógico. Não é “pra mim fazer”. É “pra eu fazer”. Agora o entrevistado fala de um assunto desconexo. Ela tem um olhar fixo e perdido pros lábios dele. O assessor continua lá, invisível, empalhado. A repórter dá uma viajada. Lembra vagamente do namorado safado. Acorda. Vasculha o roteiro de perguntas. Essa já foi. Essa também. Morde a unha. Será que vai dar tempo de fazer mais uma? Tem que dar tempo! Ainda falta a melhor, aquela certeira, de tocar na ferida, de quebrar a perna de entrevistado.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Futurologia


Começará o curso de jornalismo aos 17 anos numa universidade pública. Será um dos líderes do centro acadêmico. Se tornará marxista sem saber que isso será uma coisa bem fora de moda. Organizará uma greve de fome fajuta contra a baixa qualidade do ensino. Romperá com Deus. Esquecerá as missas em família da infância, dos sermões do padre Geraldo dizendo que até o pior dos pecadores terá, no dia do juízo final, a chance de se arrepender e alcançar o paraíso. Pecará a torto e a direito, com menininhas devassas no banheiro do centro acadêmico, com os porres na república, com os quadrinhos marginais que devorará. Conseguirá se formar. Dançará com a gravata na testa na noite do baile. Arrumará um emprego de clipador na madrugada. Será repórter de rádio. Editor de imagem numa emissora de televisão. Ganhará uma merreca de salário, mas não trocará a profissão por nada. Conhecerá uma moça bonita com quem dividirá a ilha de edição. Raspará a barba. Romperá com o marxismo. Casará. Terá dois filhos lindos e um cachorro. Passará a ter um apetite danado pelo consumo. Viverá atrás de frilas e mais frilas para dar conta de tantos gastos. Se tornará repórter de TV. Viajará o mundo. A vida será maravilhosa por muito tempo. Sucumbirá a um passaralho. Ficará dois anos desempregado. Quase pirará. Voltará a beber. Voltará a beber muito. Se divorciará. Arrumará um novo trabalho, bem meia-boca. Sobreviverá. Se apaixonará por uma menina de 15 anos que é puta na Augusta. Prometerá tirar a moça daquela vida e lhe dar dois filhos lindos e um cachorro. Será rejeitado pela puta. Ficará puto com a puta. Rasgará o peito da puta com uma faca que roubará de um restaurante decadente. Irá para a cadeia. Brigará por uma cela especial. Dirá que o diploma de jornalista vale alguma coisa, sim! Será esquecido. Ficará fraco. Pegará uma pneumonia. Chegará à beira da morte numa terça-feira, num hospital público, antes mesmo de seu julgamento. Lembrará de Deus. Lembrará das missas em família da infância, do padre Geraldo dizer que até o pior dos pecadores terá, no dia do juízo final, a chance de se arrepender e alcançar o paraíso.

Mas não se arrependerá de porra nenhuma.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Efêmera


Repórter de jornal diário passa horas apurando uma matéria, entrevista Deus e o capeta, toma esporro do chefe, escreve, revisa, corrige aqui e acolá. E a matéria acaba rapidinho na vala comum. Resiste apenas 24 horas. Envelhecimento precoce. Morte súbita. Dá até pena. Só quem escreveu a mantém viva. Saboreia a cria até enjoar. Sonha mostrar pros netos. Do resto do mundo só ganha desprezo. Repugnância. A matéria de ontem está condenada a enrolar peixe e banana na feira. A ser fuzilada pela merda dos passarinhos. Pelo mijo dos cães.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As eleições e a mídia


As eleições terminaram e muitos jornalistas, depois de um longo período de trabalho árduo, vão poder, enfim, folgar. Será pouco descanso, claro – não se pode deixar este povo pegar gosto pelo fazer-nada –, mas o pouco já será bem-vindo. Neste clima de ressaca eleitoral, a nova enquete do blog quer saber o que você, como leitor (ou como jornalista que fez parte do trabalho), achou da cobertura jornalística do pleito deste ano. Vote na coluna do lado direito da página! Deixe também a sua opinião!

A última enquete – Qual a mancada mais imperdoável de um assessor de imprensa? – chegou ao fim com a vitória acachapante da alternativa “Pedir para aprovar matéria antes da publicação”, com 53% dos votos. Jornalista até tolera receber release esdrúxulo por e-mail – nada que a tecla “delete” não resolva –, mas não admite que alguém se intrometa em seu trabalho. Cada um no seu quadrado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Epitáfios de jornalista


Enfim vou poder apurar se existe vida após a morte.

Uma vida dedicada à verdade, à justiça social, à cachaça e a putarias em geral.

Fui dar uma carteirada na porta do Céu.

Este repórter viajou ao Inferno a convite da Capeta Airlines.

Morri na merda, mas feliz.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Verdades absolutas mais relativas da imprensa


Jornalista escreve corretamente.

Toda jornalista de TV precisa ser bonita. (vejam a Miriam Leitão)

A grande imprensa é livre e independente.

O sindicato está empenhado em defender a categoria.

Jamais trabalharei como assessor de imprensa!

Jornalista cultural é tudo viado.

Jornalista esportivo não pode torcer pra time de futebol.

O jornalismo é um mundo encantado, cheio de glamour.

A área comercial não interfere na área editorial.

Só notícia ruim vende jornal. (a péssima também)

A faculdade de jornalismo forma jornalistas.


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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fobias jornalísticas


Juliana morre de medo de não conseguir apurar a matéria até o deadline, de escrever um texto sem graça, de tomar furo.

Mirela fica toda nervosa só de pensar que a pressão do jornalismo diário pode atacar sua gastrite nervosa.

Eugênio tem um receio danado de abrir a boca na coletiva e soltar uma pergunta idiota.

Helena tem paúra crônica de um apagão de memória toda vez que vai fazer uma entrada ao vivo na TV.

Carlão sua frio quando imagina envelhecer na redação fazendo sempre a mesma coisa.

Bia tem pavor de sair de licença-maternidade e ser trocada por uma repórter mais jovem.

Henrique tem taquicardia ao olhar o saldo de sua conta bancária bem antes do fim do mês.

A foca entra em pânico por não arrumar emprego e ser apenas uma estatística negativa.

Marcos fica preocupado de, no empurra-empurra de repórteres atrás do entrevistado, alguém passar a mão na sua bunda.

Celinha fica preocupada de, no empurra-empurra de repórteres atrás do entrevistado, alguém não passar a mão na sua bunda.

Sérgio tem um cagaço de chegar em casa na madrugada e encontrar sapatos dois números maiores ao lado de sua cama.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um anúncio de emprego supersincero


Cargo: Jornalista faz-tudo.

Exigências:

Agilidade para trabalhar por três jornalistas com o salário de um.
Importante não ter vida social.
Experiência em apuração jornalística pelo Google.
Facilidade de relacionamento com assessor de imprensa chato.
Suportar a dureza diária sem reclamar o tempo todo é diferencial.
Imprescindível ter estômago resistente às porcarias da padoca.
Equilíbrio para lidar com frustrações.
Bons conhecimentos de sobrevivência em redação.
Diploma de jornalista é interessante. Se não tiver, foda-se.

Benefícios:

Crachá para dar carteirada em eventos esportivos e culturais.
Oportunidade de ir a pautas com boca-livre e jabás.
Tapinha nas costas (se exceder as metas).

Salário: Incompatível com o mercado e seus gastos pessoais.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Saudade (poema do jornalista desempregado)


Saudade dos tempos de redação
Do café salvador das madrugadas
Das vozes ao telefone misturadas
Das tantas matérias apuradas.

Saudade dos tempos de redação
Do sofrer, tensão, xingamento
Do suspiro após fechamento
Do pedido em vão de aumento.

Saudade dos tempos de redação
Da chegada apressada da rua
Da piada mais tosca e chula
Do sonho com a foca nua.

Saudade dos tempos de redação
Da falta total de rotina
Dos planos pro boteco da esquina
Do rir da própria sina.

Da sina.


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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Festa de jornalista


Tem de todo tipo, mas festa de jornalista clássica é festa com ares de clandestinidade, que rola na casa de alguém.

O pessoal vai chegando aos picados, cada um à sua hora, ou melhor, cada um à hora do seu fechamento. O ingresso é uma bebida, ou mais bebidas, cerveja long neck, vodca, rum para os mojitos. Come-se pouco, mas se bebe demais, sô! É um abre geladeira, fecha geladeira, abre geladeira, fecha geladeira. A cozinha parece sacristia de igreja em dia de missa. Uma agitação só. Fuma-se também, principalmente aquela ervinha boa pra relaxar. Às vezes, fuma-se coletivamente, na sala, seda recheada que passa de mão em mão. Às vezes, busca-se clandestinidade ainda maior, no banheiro, no quartinho da empregada.

Tem gente que chega sozinha, tem gente que carrega um amigo não-jornalista a fim de se divertir com aquele povo excêntrico – eufemismo para esquisito. As pessoas vão se juntando pelos cantos, no sofá, no chão, entre as almofadas. A noite começa mais animada, com sons eletrônicos variados, e acaba com Chico ou Lou Reed. Os mais jovens insistem com Los Hermanos. A menina de saia florida e cabelinho loiro e crespo sempre leva o CD de seu grupo de maracatu – quase só de mulheres –, atração da Vila Madalena. Às vezes, leva o grupo, para uma canja no quintal.

Por causa da música, as conversas são múltiplas e ficam restritas, cada uma, aos pequenos grupos que se juntaram pelos cantos. Tem jornalistas de empresas concorrentes que só se encontram na loucura das pautas e na loucura das festas. Tem o sujeito que, empolgado com a vida, com a vodca e com a matéria de capa que conseguiu, pega um livro do Cortázar na estante e começa a ler algumas de suas histórias pela sala. Tem um amigo de jornalista não-jornalista louco pra comer a moça de óculos, vestido xadrez e meias verdes até os joelhos. É a grande oportunidade de uma foda intelectual para curtir a lembrança boa pelo resto da vida. Ou se arrepender na mesma noite. Mas a moça só tem ouvidos para o rapaz que fala de cronópios e famas.

As festas clandestinas de jornalista não têm dia certo para acontecer. Fim de semana, segunda, terça. Nem hora certa para chegar ao fim. Mesmo com trabalho no dia seguinte. Tem vizinho chato que liga pra polícia pra acabar com a putaria. Mas tem também vizinho gente boa que se junta à galera dos jornalistas. Para uma cervejinha, um cigarrinho e para ouvir as meninas de saia florida com seus agbês e ganzás no quintal.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Crônica sobre o frila fixo


Ela não é a mulher oficial, não está presente no almoço da Páscoa, nem na ceia de Natal. Mas também não é uma avulsa qualquer. Mora no flat modesto do centro que ele paga, local em que se consome o sexo clandestino. E frenético. Ser a amante fixa não é o que ela esperava para sua vida, mas é melhor do que ser uma solteirona amarga, como as amigas.

No jornalismo, o frila fixo tem o papel da amante fixa. Ele não tem vínculo empregatício com a empresa de comunicação. Mas também não é um avulso qualquer. Está diariamente na redação, explorado como qualquer outro, apenas sem direitos trabalhistas. Não é o que ele esperava para sua vida, mas é melhor do que estar desempregado, como os amigos.

Assim como a amante fixa sonha um dia ser a patroa, com direito aos eventos familiares e a uma vida estável, o frila fixo também deseja o vínculo oficial, com direito aos benefícios da carteira assinada. E a uma vida estável.

Comecei no jornalismo como frila fixo. Cobertura de férias da Cidinha, repórter de Turismo, que naquele ano foi com o marido descansar em Ubatuba. Ou foi Peruíbe? Faltava pouco tempo para a Cidinha voltar, naturalmente toda picada por borrachudos, e eu já me imaginava de novo na sarjeta. Foi quando descobri que a Norma, repórter de Economia, sairia de licença-maternidade. Graças ao milagre da vida, no caso da vida do filho da Norma, eu alcancei o milagre de ficar mais quatro meses como frila fixo.

Tão logo o jornalista se torna um frila fixo, conhece algumas artimanhas, como o esquema da nota fiscal. O frila fixo só recebe a miséria de seu “salário” se apresentar uma nota. O Reinaldo era o rei da nota fiscal na redação. “Duda, o esquema é muito bom, firma em Carapicuíba. Conhece Carapicuíba? Lá se paga uma merreca de imposto”, explicava. Por muito tempo, o Reinaldo foi o meu fornecedor de notas fiscais de Carapicuíba.

Como ocorre com muita gente, fui pulando de cobertura de férias em cobertura de férias, de licença-maternidade em licença-maternidade, até um dia ser oficialmente contratado. A amante virou esposa. FGTS, 13º salário e a esperança de uma vida melhor.

No início, você até se empolga, mas logo se dá conta de que a tal estabilidade não é grande coisa. No caso das amantes, muitas percebem que ser a oficial é até pior. E ficam cheias de saudade do sexo clandestino e frenético no flat modesto do centro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia do professor (de jornalismo)


Em homenagem ao dia do professor, em especial ao de jornalismo, republico trechos de um antigo post sobre a arte (ou não, como diria Caetano) de ensinar a profissão.

Desempregado, já pensei em fazer cada coisa pra sobreviver que fico até constrangido em revelar aqui, neste blog quase decente, quase de família. Entre as idéias publicáveis, dar aulas de jornalismo foi uma delas. Seria um bom professor? Ou prestaria um grande desserviço ao ensino superior brasileiro? Em minhas divagações, rolou até um embate entre um Duda que quer muito ser professor e um Duda que deseja passar longe das salas de aula.

Duda que quer ser professor: O lance é dar aula, cara! Imagine a grande oportunidade que a gente teria de transmitir conhecimento aos jovens. Isso é o que vale a pena na vida!

Duda que não quer: Mas como? Numa sala de 80 alunos? Não vão nem ouvir a gente!

Duda que quer: Se metade ouvir já está ótimo. Você não percebe a nobreza da missão?

Duda que não quer: Metade vai ficar ouvindo música num iPod durante a nossa aula! E a outra metade, sei lá...

Duda que quer: Tá bom. Então esquece o lance nobre da coisa e sejamos práticos. Há quanto tempo as contas da luz e da água estão atrasadas? E o aluguel?

Duda que não quer: Você acha que a gente vai ganhar muito dinheiro como professor? Pagam uma miséria! Pior que redação. E a gente também nem tem mestrado.

Duda que quer: Tem um monte de faculdade que não exige mestrado. Até preferem, sabia?

Duda que não quer: A gente não vai dar aula e ponto final. A verdade é que a gente não gosta disso.

Duda que quer: Você não gosta. Fale por você!

Duda que não quer: Tá bom, tá bom. EU NÃO GOSTO.

Instantes de silêncio...

Duda que quer: E as menininhas? Nem por elas? Já imaginou quantas, daquelas bem gostosas, assistiriam às nossas aulas, loucas por aprender jornalismo, loucas por sei lá mais o quê?

Duda que não quer: (riso) Meu Deus, estamos velhos!

Duda que quer: Velho é você! Velho e viado!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mancadas de um assessor de imprensa


Muitos assessores de imprensa são ótimos parceiros dos jornalistas de redação, colaborando na produção de matérias e, principalmente, dando um presentinho bacana vez ou outra. Mas, de uma forma geral, a relação entre as partes ainda é difícil e com muito desgaste. Alguns assessores mantêm a alcunha de chatos e, em casos mais graves, são demonizados, acusados, por exemplo, de serem favoráveis ao aborto ou de não acreditarem em Deus.

A nova enquete quer entender melhor esta relação cheia de amor e ódio, e ajudar o assessor a evitar atitudes que mancham a imagem do profissional, na maioria dos casos, também jornalista. Qual a mancada mais imperdoável de um assessor de imprensa? Enviar releases esdrúxulos? Criar um falso clima de intimidade, chamando o repórter de “tchutchuquinho”? Pedir para aprovar matéria antes da publicação? Estas e outras opções estão na coluna à direita da página para serem votadas. Participe!

A pesquisa encerrada – Qual best seller você daria de presente ao seu amigo jornalista? – teve um empate técnico, como diriam os institutos de pesquisa. A alternativa “Comer (apenas em evento), Rezar (por um aumento), Amar (se tiver tempo)” ficou em primeiro lugar, com 35% dos votos, e “Quem Mexeu no Meu Texto?” teve 33% da preferência dos eleitores. O amigo-secreto da redação está chegando. Ficam as dicas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Redação em chamas


Paixão, intriga, mistério, plantões intermináveis, medo de perder o emprego e muito mais. “Redação em chamas” é o primeiro dramalhão mexicano produzido na Colômbia e exibido na televisão brasileira que trata exclusivamente do universo jornalístico. É também a primeira telenovela da história que não tem núcleo rico. Conheça a seguir os atores e os papéis mais importantes do folhetim que vai mexer com as suas emoções:

María José Villegas, a Francisca do caderno de Política, é a mocinha da trama, uma jovem pura que acredita no amor verdadeiro e na independência da imprensa. Ela deixa o interior para trabalhar, como foca, no principal jornal da capital. Em pouco tempo na redação, começa a conhecer os perigos da profissão, como falar mal do político apoiado pela casa. A vida de Francisca muda quando ela troca olhares furtivos com Ramón, o editor-executivo, ao lado da máquina de café. Tem início uma tórrida paixão, ameaçada pelo ciúme e pela ira de María Clara, repórter especial e namorada de Ramón.

Christian Caballos, o Ramón da edição-executiva, é um homem ambicioso que luta, há anos, para chegar ao cargo de diretor de redação, ocupado por seu pai, o senhor Alfredo. Octogenário excêntrico, o pai passa o dia caminhando pela redação com suas pernas mecânicas, fumando um cachimbo fedorento e bulinando estagiárias. O senhor Alfredo não confia na competência do filho e pensa em deixar o cargo a outro sucessor. Ramón, obcecado em conseguir a promoção e a confiança do pai, sofre uma grande transformação quando conhece a ingênua Francisca. Tem início uma tórrida paixão, ameaçada pelo ciúme e pela ira de María Clara, repórter especial e sua namorada.

Erika Mendoza, a María Clara da reportagem especial, é a vilã da trama. Sem talento e ética, conseguiu um cargo importante no jornal apenas por ser a namorada de Ramón. Quase não trabalha e passa o tempo todo na máquina de café, arquitetando planos diabólicos contra o pessoal do núcleo bonzinho, principalmente a doce Francisca. Tem também um relacionamento difícil com o senhor Alfredo por não suportar o fedor de seu cachimbo e a rejeição do velho a seu amado Ramón.

Pepe Morales, o Juan da diagramação, é o filho bastardo do senhor Alfredo com uma prostituta, concebido há mais de 20 anos, quando Alfredo ainda não havia perdido as duas pernas num trágico acidente automobilístico. Juan arruma um emprego no jornal para aproximar-se do pai, mas não tem coragem de fazer tão grande revelação ao velho, que desconhece a paternidade. O senhor Alfredo nutre grande carinho por Juan, a quem sonha um dia transformar em seu sucessor, aumentando o ódio de Ramón.

Pablo Montalba, o Ricardo do caderno de Esportes, integra o núcleo gay da novela. Repórter de futebol, vive em um ambiente machista e atormenta-se pelo fato de não assumir sua homossexualidade. Ao conhecer Carlos, o jovem delicado que passa a ser responsável pelo roteiro cultural do jornal, toma coragem para sair do armário. Ricardo sofrerá grande preconceito, mas seu amor por Carlos triunfará. No fim do folhetim, ele deve protagonizar o primeiro beijo gay jornalístico da televisão brasileira. E colombiana.

Luis Miguel Cárdenas, o Panchito da Fotografia, promete trazer para as redações o debate sobre o mal da dependência química. Mesmo na era da fotografia digital, Panchito, um homem de meia-idade, não consegue largar o vício por agentes químicos usados na revelação dos antigos filmes. Com os olhos vermelhos, o fotógrafo sempre chega atrasado à redação. Vive preso às suas viagens em um quarto de sua casa, onde segue revelando filmes em uma banheirinha de bebê.

Isabel Moreno, a Esmeralda do caderno de Geral, em um dos papéis mais difíceis e emocionantes de sua carreira, descobre, logo nos primeiros capítulos, que tem uma doença incurável e apenas dois meses de vida. Passa a aproveitar cada segundo com muita intensidade. Além de lutar pelo amor de Ricardo – sem saber que o repórter de Esportes é gay – Esmeralda assume o desafio de, enfim, escrever a grande matéria de sua vida. O que não conseguiu em 18 anos de carreira, terá de cumprir agora em 60 dias. Conseguirá?

Justiniano Escobar, o Rodolfo do caderno de Economia, é o destaque do núcleo engraçadinho. Além de contar velhas histórias de jornalistas com humor e sarcasmo, como a do repórter com surdez no ouvido direito que escutava as respostas dos entrevistados sempre pela metade, Rodolfo tem como ponto forte de seu repertório a imitação clandestina que faz do senhor Alfredo, caminhando, todo torto e desajeitado, pela redação.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O "rei" Roberto Carlos canta seus clássicos jornalísticos



Espaços (versão de Detalhes)

Espaços tão pequenos
Pra depois
Ter textos muito grandes
Pra escrever
E a toda hora eu fico
Aqui cortando
Para caber.


Jornalista à moda antiga
(versão de Amante à moda antiga)

Eu sou um jornalista à moda antiga
Do tipo que ainda fuma horrores
Apesar de umas safenas e a barriga avantajada
Ainda como uma picanha acebolada.


Tem dissídio (versão de Jesus Cristo)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.

(Agora todo mundo batendo palma)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.

(Agora só quem não recebe aumento há muito tempo)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.


Nossa senhora (versão de Nossa Senhora)

Nossa senhora do bom plantão
Cuida do meu domingão
Que ninguém morra-a
Neste período
Eu tô sozinho
Cuida de mim.


O descanso (versão de O portão – “Eu voltei”)

Eu folguei!
Nem deu pra acreditar
Consegui
Dormir e vegetar
Eu folguei!
Um dia lembrarei
Eu folguei...


Depressões (versão de Emoções)

Sei que a profissão
Eu quis abandonar
Até cafetão
Já pensei em virar
Só ralei e me fodi
Mas o importante
É que não desisti...

Só ralei e me fodi
Mas o importante
É que não desisti.

Leia também: Chico Buarque canta seus clássicos jornalísticos

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Unha encravada


Toda redação tem jornalista chato. É só olhar pro lado.

Tem o que chega atrasado à reunião de pauta e tenta saber tudo o que já rolou. O que lamenta que a pauta dos outros é sempre melhor. O que tem síndrome de perseguição. O desocupado que fica perguntando aos colegas, bem na hora do fechamento, se a Carolina Dieckmann vai ou não vai morrer na novela. O que faz a mesma piadinha sem graça em todo pescoção. O que vive pedindo a agenda de telefones dos outros emprestada. O que acha que sabe tudo. O que não pára de contar vantagem só porque deu um furinho de merda dia desses. O que adora dar palpite no texto alheio. O que tem piti quando dão palpite no seu texto. O que exige silêncio geral quando precisa fazer uma entrevista importante por telefone. O que corrige os erros de Português dos colegas até no café. O que trabalha em Esportes e só sabe falar de futebol. O que vende rifa com nome de mulher para aumentar a renda mensal. O que fica implorando voto para si próprio no concurso dos melhores jornalistas do ano. O que sacaneia quem vai ficar de plantão. O que inventa um novo passaralho a cada semana só para perturbar as almas mais aflitas. O que nunca vai ao bar porque a patroa não deixa. O que não pára de reclamar do trabalho, do salário, do chefe, do casamento, da unha encravada.

Toda redação tem jornalista chato. É impressão minha ou tem um monte de gente olhando pra você?

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Outros planos


- Onde eu fui parar? Me mandaram cobrir a guerra no Afeganistão?

(Um homem, com o rosto cheio de feridas, se aproxima)

- Tá falando comigo?

- Pode ser com você. Dá pra me dizer onde estou?

- Aqui é o umbral.

- Umbral?

Você tá morto, meu amigo! Não se ligou ainda?

- Morto?

- Morto e todo lascado. Aqui no umbral o bicho pega. Não viu o filme, não?

- Que filme?

- Nosso Lar.

- Ah, o dos espíritos? Putz, eu até queria assistir, mas fiquei esperando a cortesia da assessoria de imprensa. Mais fácil morrer do que conseguir um ingresso.

- O umbral só tem gente ferrada, barra-pesada. Suicida, político, advogado. Você é o quê?

- Sou jornalista. Repórter e crítico de TV. Ou melhor, eu era. Sei lá.

- Vixe, jornalista tá cheio aqui.

(Silêncio. Os dois sentam-se lado a lado)

- Mas por que o bicho pega?

- Maior dificuldade pra tudo: pra comer, pra dormir. Você nunca consegue ver sua família. Leva porrada da chefia o dia inteiro.

- Porra, com isso eu já tô acostumado. Vai trabalhar numa redação de hard news pra ver o que é bom! Lascado eu tava quando era vivo.

- Cê tá falando sério?

- Claro que eu tô. Esse umbral tá parecendo até bem tranqüilo.

(Silêncio longo)

- E você, o que fazia quando era vivo?

- Eu era ex-participante de reality show. Do Big Brother.

(O jornalista gargalha)

- Caraca, e você tava falando mal de jornalista.

- Peraí, eu não falei mal de jornalista. Só falei que tava cheio de jornalista aqui.

- Sei.

- E você, crítico de TV, nem me reconheceu, hein?

- Já viu quanta ferida tem aí na sua cara? Sem ferida, já seria difícil reconhecer.

- Sei.

(Mais um longo silêncio)

- Ô, ex-BBB, já que você manja tudo de umbral, me diz uma coisa: onde fica o boteco aqui? Tô começando a ficar com fome e sede.

- Boteco? Aqui não tem isso, não!

- Não brinca! Nem um vernissage, uma boquinha-livre?

- Que nada.

- Porra, aí complica.

(O jornalista abaixa a cabeça. Depois, a balança negativamente)

- Tô começando a achar que Afeganistão não seria tão ruim, viu?

- Oi?

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Bar de jornalista


Bar de jornalista não tem frescura.

É boteco, botequim. Simples. Não tem hostess na porta. É só chegar, entrar, sentar. Em cadeiras gastas, bambas, sem charme algum. Sem conforto algum. As mesinhas, unidas, viram mesonas e invadem as calçadas. Não tem regras de etiqueta.

Bar de jornalista é tosco. De tão feio, vira cult. A decoração não é assinada por designers. Nas paredes, de pintura descascada ou azulejos velhos, pôsteres de peças de teatro e filmes dividem espaço com a tubulação de água aparente e avisos de “Não aceitamos cheque”. Ar-condicionado aqui não entra. Só ventilador. LCD é luxo. TV tem que ser de tubo.

Bar de jornalista tem cardápio escrito com giz em lousas ou em folhas de sulfite plastificadas, remendadas com durex. Não tem garçom de mau humor. Não tem carta de vinho. Tem cerveja. Em garrafa. Tem moscas que sobrevoam as latinhas de Coca-Cola. Tem porção de calabresa, mandioca, provolone. Coisa boa, de entupir artéria.

Bar de jornalista é barulhento. São vozes que se cruzam, que discutem cultura, política, filosofia, sacanagem. Maledicências. Lamentações. Neuroses. Planos para mudar de vida que nunca saem do guardanapo.

Tem mulheres que pegam batata frita com a mão, homens que não têm vergonha de cruzar a perna como o Caetano Veloso. Tem gente feia, bonita, pobre, não tão pobre assim, branca, preta, multicolor. Tem artista. Tem gay. Tem artista gay. Tem intelectual. Tem gente metida a intelectual. Tem cheiro de mijo que vem do banheiro. Tem vida.

Bar de jornalista não tem frescura. Se tiver, desconfie.


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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Filmes sobre jornalismo


Uma pauta que cai

Os anos em que meus pais jornalistas não saíram de férias

Pauteiro neurótico, repórter nervosa

Corra, motorista, corra

Jornalista não veste Prada

Sexta-feira de pescoção 13

Quem nunca vai ser um milionário?

Focas desempregados à beira de um ataque de nervos

O dia em que a rotativa parou

O nada fabuloso dissídio de Amélie Poulain

A lenda do repórter anti-Serra sem cabeça

Que controle público de imprensa é esse, companheiro?

2001 (toques): uma matéria sem espaço

Matou o plantão e foi ao cinema

Duro de editar

E o Esso levou

As redações bárbaras


Releia também
Jornalismo e cinema
Jornalismo e cinema - parte 2
O crítico de cinema
A carteirada

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os dias bons


Dia bom é dia de homicídio, parricídio, vizinhocídio. É a maldade humana que vende jornal. De atropelamento ninguém quer saber. Ainda mais se for de velhinha.

Alexandre já estava na terceira delegacia de sua ronda matutina e os boletins de ocorrência da noite e da madrugada só falavam do bêbado que bateu na mulher aqui, do carro roubado ali, da confusão no pagode acolá.

Dia bom é dia de chacina, carnificina e outras tristes sinas. É a história do menino trabalhador que estava no lugar errado e na hora errada quando o fuzilamento no bar começou que vende jornal. Ele só queria comprar um maço de cigarros pra mãe.

Alexandre ainda tinha esperança de salvar a página policial do dia seguinte nas duas delegacias que restavam. Essa busca o excitava. Quando encontrava "a notícia" em algum BO, burocrática e fria, anotava telefones e endereços dos parentes da vítima e voava para o carro de reportagem. Começava a melhor parte: a descoberta da história oculta, ainda mais sórdida, mais humana.

Dia bom é dia de velório com revolta, de desgraça sem volta.

É o que vende jornal.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cinco dicas para uma entrevista de emprego


São tão raras as entrevistas de emprego que, quando o jornalista tem a oportunidade de ir a uma, deve se esforçar para não fazer feio. O blog preparou cinco dicas para você:

A questão da roupa e da aparência é sempre importante e depende muito de quem será o entrevistador. Se for um daqueles editores mauricinhos, de gravata amarela e gel nos cabelos, não se esqueça de fazer a barba e evite calças rasgadas e camisetas com a cara do Mussum. Se o entrevistador for do tipo galinha, apostar num decote até o umbigo é uma boa idéia para as mulheres. E nada de usar a camisa pólo que ganhou de jabá numa coletiva, com nome e logo de empresa de fios e cabos elétricos.

Atenção com o portfólio é fundamental. Se você é um jornalista jurássico que luta para voltar ao mercado, nem pense em levar a pasta mofada com recortes de suas matérias no Jornal de Carapicuíba de 1983. Se você é jovem e seu portfólio é tão pequeno que te mata de vergonha, destaque outras atividades, como trabalhos voluntários. Que tal dizer que você entrega sopão a repórteres desempregados que moram debaixo do viaduto ou participa do projeto de inclusão sexual do Retiro dos Jornalistas?

Não fale mal do ex-chefe e da empresa em que trabalhou. Evite desabafos do tipo “Deixei o meu último emprego, porque o meu editor sempre me dava as piores pautas” ou “Depois que coloquei o jornal no pau, aqueles exploradores vão ter que me pagar as horas extras”. Faça um esforço e tente mostrar o lado positivo da experiência anterior, como “Eu era um repórter tão dedicado que cheguei a trabalhar dois meses sem folga, em pautas desafiadoras. Um grande aprendizado!”.

O que é diferencial competitivo para um jornalista hoje? Dizer que você está com o aluguel atrasado, com o nome sujo no Serasa e dificuldade de comprar o leitinho dos meninos não comove mais o entrevistador. Seus concorrentes também farão voto de pobreza. O diferencial é a capacidade de lidar com a miséria. Diga, por exemplo, que, desde que cortaram a energia elétrica em sua casa, você trocou a TV alienante pela leitura dos clássicos à luz de velas. E tem ainda o lance de salvar o planeta, que pega superbem.

Sentir-se seguro é essencial. Aprenda a adequar seu perfil e defeitos às vagas para não perder tempo. Se você é fanho, nem vá à entrevista para a vaga de locutor de rádio; se você é feia, desista de ser apresentadora de telejornal; se você aprendeu Inglês dormindo, a vaga de repórter de Internacional não é para você; se você é comunista, esqueça a oportunidade na Veja; e se você tem um texto sem graça e todo clichê, desista do jornalismo. A menos que a vaga seja de redator da revista Caras.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Best seller


Esqueça Dostoiévski, Mann, Proust! Vamos nos limitar àqueles livros que lideram os rankings de vendas das revistas semanais. A idéia é proporcionar apenas uma leitura leve para os raros momentos de folga. Se você quisesse presentear um amigo jornalista com um best seller, qual seria a melhor opção? A nova enquete do blog está no ar! Vote na coluna à direita.

São cinco empolgantes alternativas: Casais de Jornalistas Não Enriquecem Juntos; Comer (apenas em evento), Rezar (por um aumento), Amar (se tiver tempo); Quem Mexeu no Meu Texto?; A Foca e o Editor-Executivo; e Por Que Os Assessores de Imprensa Amam as Pauteiras Poderosas? Notem que Paulo Coelho ficou fora da lista, porque aí também já seria demais! Bons votos!

A enquete que chegou ao fim – Você votaria em um jornalista para o cargo de deputado federal? – teve como vencedora a alternativa “Sim. É preciso aumentar a bancada jornalística no Congresso”, com 48% dos votos. Se até a representatividade dos palhaços será reforçada com a eleição de Tiririca, por que não podemos fortalecer a nossa classe também?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Lembranças


Cabelo raspado. Tinta escorrendo pela barba malfeita.

Ônibus quebrado. Atrasos. Sono.

Emissor, mensagem, receptor. E muitos ruídos.

McLuhan, Marcuse, Adorno.

Paqueras. As teorias da comunicação na prática.

Boteco, cerveja, dor-de-corno.

Truco, ladrão!

Por que os alunos de Administração se vestem melhor?

A primeira greve pelo direito de dormir nas aulas de Sociologia.

Os mestres que nunca pisaram numa redação.

Festinhas.

Impresso, rádio ou TV?

Pastel de gordura na barraquinha da esquina.

CX3747-208c. Capa dura.

Textos xerocados. Grampos enferrujados.

Trabalhos em grupo. Na casa de quem?

As provas. As colas.

TCC.

Comissão de formatura? Tô fora.

Beca quente pra cacete.

Suborno ao garçom no baile.

Alívio.

Canudo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Chico Buarque canta seus clássicos jornalísticos


História de uma jornalista
(versão de História de uma gata)

Nós, jornalistas, já nascemos pobres
Pior, não nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Aumento, jamais receberás.


Vai chegar (versão de Vai passar)

Ai que vida de merda, ô lerê
Ai que vida de bosta, ô lará
O anúncio do passaralho geral vai chegar.

Ai que vida de merda, ô lerê
Ai que vida de bosta, ô lará
O anúncio do passaralho geral... vai chegar.


Meu caro inimigo (versão de Meu caro amigo)

De madrugada rola muito besteirol
Tem piadinhas e papo de futebol
Compraram pizza e umas latas de Skol
Mas o que eu quero é lhe dizer...
Que a coisa aqui tá preta
Até as quatro vai ter muita ralação
Os olhos vão fechando, que cansaço, que maré
Trabalho e mais trabalho e também sem um café
Ninguém suporta o pescoção.


O emprego (versão de A banda)

O foca triste que vivia sem grana sorriu
O frila triste que vivia na lama curtiu
Jornalistada toda se assanhou
Pra ver o emprego chegar
Mesmo pra ser revisor.

Pra ver o emprego chegar
Mesmo pra ser revisor.


O que será (versão de O que será)
O que será, que será?
Que passa na cabeça
De um estudante
Que busca uma carreira
Gratificante
Mas faz uma besteira
E cai no abismo
Esquece Engenharia
Faz Jornalismo
E vive a ilusão
Dos infelizes
Está na profissão
Das maluquices
Na área dos fodidos
Incompreendidos
Em todos os sentidos
Que vida terá?
Que nunca deu dinheiro
Nem nunca vai dar
Que nunca deu futuro
Nem nunca vai dar
Mas tem o seu fascínio.


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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Me dá uma pauta aí


Ele até conseguia suportar a rejeição da menina que amava, do pai, que queria um filho médico, mas não a rejeição do pauteiro. Tem dor maior para a alma de um jovem repórter do que a dor de ficar sem pauta? Enquanto os outros repórteres estavam na rua, apurando, investigando, vivendo, o jovem repórter sem pauta estava condenado à melancolia da redação, lendo o horóscopo do dia, fazendo pesquisas no arquivo, fingindo viver.

Nas reuniões de pauta semanais, que definiam as matérias das edições seguintes, o jovem repórter ficava no seu canto, diminuído, invisível. Para passar o tempo e enganar o constrangimento, rabiscava, dezenas de vezes, o seu nome numa folha de papel. Quando estava muito irritado com a situação – quase sempre –, costumava rabiscar “pauteiro filho-da-puta”.

Todos já estavam deixando a sala de reunião e ele, tímido, esboçou uma reação.

- Oi, senhor... senhor pauteiro? Olha, eu fiquei sem pauta de novo esta semana. Não tem nada que eu possa fazer, ajudar em alguma matéria especial?

O pauteiro sugeriu a ele redigir mais um daqueles perfis de gaveta, que são publicados na ocasião da morte de pessoas famosas.

- Mas, senhor, a trajetória pessoal e profissional da Hebe Camargo eu já escrevi na semana passada. Passei dois dias no arquivo só fazendo pesquisa, o senhor não lembra? Não tem pelo menos alguém diferente pra gente matar esta semana?

Foi pra isso que eu estudei quatro anos?, refletia, no ônibus, na volta para casa. Quando a gente está na faculdade, não vê a hora de começar a trabalhar de verdade. Então eu chego à redação e é esse o meu destino, o ceifador de vidas de celebridades?

Já pensava em estudar Medicina – por que não ouvi o meu pai? – quando um repórter mais velho e gente boa lhe deu uma dica.

- Rapaz, não fique esperando pela pauta! Você é quem tem que sugerir a pauta. Pare de reclamar e coloque essa cabeça pra funcionar. Cadê a porra da pró-atividade?

Na reunião de pauta seguinte, chegou cheio de idéias. A excitação era tanta que nem se lembrou dos rabiscos. Mas a reunião foi mais breve e ele não conseguiu apresentar as sugestões ao pauteiro. Mesmo assim, estava empolgado. Sabia que a grande oportunidade chegaria. E só dependia dele. Naquela tarde, enquanto pesquisava a vida e a obra de Elza Soares no arquivo, até sorriu. Seus dias de jornalismo mórbido estavam perto do fim.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Porrada


Há quem diga que jornalistas adoram se passar por vítimas de agressões físicas, verbais, ameaças e não sei mais o quê. Que reclamam demais da violência contra a imprensa. E não temos razões para isso? Ano passado, no Brasil, foram registrados 58 casos de violência contra jornalistas. Fora os não denunciados. Pouca coisa, não é? Poderia ter sido pior, 200, 300, 500 casos. Mas não, foram só 58. Choramos à toa mesmo. Até desisti de lutar pela criação da Lei Tim Lopes, uma espécie de Lei Maria da Penha para a imprensa.

Dizem por aí que jornalistas têm mania de perseguição por denunciar o crime organizado. Esquisitice nossa. Na verdade, invejamos a bandidagem por sermos uma classe tão desorganizada. Acusamos até os políticos – coitados – de intimidação. Logo os políticos, gente tão honesta. Político trabalha bastante e não tem tempo de ligar pra jornal para pedir cabeça de repórter, não.

Tem gente que afirma que jornalistas adoram protestar contra a censura e as pegadinhas que pregam na imprensa livre. Balela. Em 2009, o Brasil ficou em 71º lugar no ranking da liberdade de expressão da Repórteres Sem Fronteiras, de 175 países. Tá ótimo. Chiar por quê? Só porque ficamos atrás do Haiti? Se fosse um país politicamente instável, com uma democracia de meia-tigela, tudo bem. Mas não, era o Haiti. Ficamos na frente da Coréia do Norte. Já não tá bom? Isso ninguém valoriza.

Atacam também os jornalistas que sofrem agressões das próprias empresas em que trabalham. Dizem que criamos até um nome bonito para isso: autocensura. Que mal existe em ter de engolir a linha editorial do jornal, em falar bem do político da casa, em não poder falar mal de um anunciante? Reclamamos pra cacete. Fomos os inventores daquela lenda do jornalista de TV pública demitido por desrespeitar a ordem lá de cima. Que nada. Se foi pra rua, é porque aprontou coisa feia. Sei lá, tava vendo sites de sacanagem na redação, fumando um baseadinho no banheiro.

Somos mesmo um bando de inconvenientes! Todos nós. De impresso, rádio, TV, internet. Fim da violência contra a imprensa? Que nada! A polícia não pode perder tempo com casos de pouca importância enquanto ladrões de galinha de alta periculosidade estiverem soltos por aí. Daqui a pouco vão nos acusar de fazer um puta dramalhão pelo aumento dos assassinatos de jornalistas, de lobby pelo título de mártires. Poxa, são casos isolados. Uma balinha perdida aqui, outra ali. A morte é uma fatalidade. Só isso.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A fantástica fábrica de notícias


Estava escrevendo a minha matéria. Compenetradíssimo. Queria loucamente comer alguma coisa, não tinha sequer almoçado, mas não podia parar para não perder a minha linha de raciocínio, que era uma merda, mas eu julgava sensacional. Uma mão pequena e delicada tocou o meu ombro. Quando me virei, vi uma menina de uns 10 anos, imóvel, olhar fixo. Que susto! Porra, ela parecia uma daquelas menininhas mortas de O Iluminado.

- Quer me matar do coração? É esse o seu plano macabro?, perguntei.

- O senhor é jornalista?

- Eu estou tentando escrever uma matéria importante, morto de fome, e você me surge do nada, me dá um susto enorme e agora quer saber se sou jornalista! Sim, eu sou. Tá feliz?

A menina ficou quieta.

Toda semana eram organizadas excursões escolares para a “fantástica fábrica de notícias”. Às vezes eram adolescentes, mas na maioria das ocasiões eram criancinhas como aquela menininha que queria me matar. Andavam sempre organizadamente, uma atrás da outra, como pediam as tias aos gritos. Mas sempre havia alguma criança que se perdia do grupo e começava a vagar sozinha entre jornalistas e suas sensacionais linhas de raciocínio.

O guia da garotada era um velho jornalista que, depois de se aposentar, decidiu apostar em uma nova carreira. Era um gozador. Sempre foi, desde os tempos de repórter. Ele levava as crianças à gráfica, ao setor comercial e à redação. Entre uma piada e outra, explicava como tudo funcionava, como nascia a notícia e como ela chegava à casa de todos. Na redação, gostava de falar, em voz bem alta, as principais regras a serem seguidas.

- Tomem muito cuidado com os jornalistas, crianças! A primeira regra é: jamais dêem comida aos jornalistas, mesmo que eles peçam. Regra dois: mantenham uma certa distância dos jornalistas. Alguns podem ser perigosos. E, por fim, regra 3: respeitem a tia de vocês e andem em grupos. Quem se perder corre o risco de ficar aqui para sempre.

E ria, sozinho.

- Você não tem medo de ficar perdida pra sempre na redação?, disse à menininha, que já não parecia mais querer me matar.

- Acho que eu gostaria de ficar aqui pra sempre. Eu quero ser jornalista.

- Ser jornalista? Você ficou maluca? Tanta coisa legal pra fazer nessa vida e você quer ser jornalista?

- Eu gosto, tio. Sabia que, na minha casa, eu fico lendo os jornais e as revistas do meu pai, imaginando um dia escrever as reportagens, ver meu nome lá nos textos?

Então surgiu a tia que, de longe e aos berros, chamava a menina de volta ao grupo.

- É, não vai ser desta vez que a senhorita ficará aqui pra sempre.

- É, mas um dia eu volto como jornalista formada. Se o senhor ainda estiver vivo, me verá.

- É bem provável que eu não esteja mais vivo.

A menina, sempre séria, agora sorriu e, antes de partir, abriu sua bolsinha, pegou um pacote com umas três bolachas recheadas que ainda restavam e me entregou.

- É pro senhor não morrer de fome, tio. Mas não conta pro guia que eu te dei comida, tá?


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