sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Verdades absolutas mais relativas da imprensa


Jornalista escreve corretamente.

Toda jornalista de TV precisa ser bonita. (vejam a Miriam Leitão)

A grande imprensa é livre e independente.

O sindicato está empenhado em defender a categoria.

Jamais trabalharei como assessor de imprensa!

Jornalista cultural é tudo viado.

Jornalista esportivo não pode torcer pra time de futebol.

O jornalismo é um mundo encantado, cheio de glamour.

A área comercial não interfere na área editorial.

Só notícia ruim vende jornal. (a péssima também)

A faculdade de jornalismo forma jornalistas.


Já comprou o livro do Duda Rangel? Conheça a loja aqui, curta, compartilhe. Frete grátis para todo o Brasil.


Curta a página do blog no Facebook aqui.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fobias jornalísticas


Juliana morre de medo de não conseguir apurar a matéria até o deadline, de escrever um texto sem graça, de tomar furo.

Mirela fica toda nervosa só de pensar que a pressão do jornalismo diário pode atacar sua gastrite nervosa.

Eugênio tem um receio danado de abrir a boca na coletiva e soltar uma pergunta idiota.

Helena tem paúra crônica de um apagão de memória toda vez que vai fazer uma entrada ao vivo na TV.

Carlão sua frio quando imagina envelhecer na redação fazendo sempre a mesma coisa.

Bia tem pavor de sair de licença-maternidade e ser trocada por uma repórter mais jovem.

Henrique tem taquicardia ao olhar o saldo de sua conta bancária bem antes do fim do mês.

A foca entra em pânico por não arrumar emprego e ser apenas uma estatística negativa.

Marcos fica preocupado de, no empurra-empurra de repórteres atrás do entrevistado, alguém passar a mão na sua bunda.

Celinha fica preocupada de, no empurra-empurra de repórteres atrás do entrevistado, alguém não passar a mão na sua bunda.

Sérgio tem um cagaço de chegar em casa na madrugada e encontrar sapatos dois números maiores ao lado de sua cama.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um anúncio de emprego supersincero


Cargo: Jornalista faz-tudo.

Exigências:

Agilidade para trabalhar por três jornalistas com o salário de um.
Importante não ter vida social.
Experiência em apuração jornalística pelo Google.
Facilidade de relacionamento com assessor de imprensa chato.
Suportar a dureza diária sem reclamar o tempo todo é diferencial.
Imprescindível ter estômago resistente às porcarias da padoca.
Equilíbrio para lidar com frustrações.
Bons conhecimentos de sobrevivência em redação.
Diploma de jornalista é interessante. Se não tiver, foda-se.

Benefícios:

Crachá para dar carteirada em eventos esportivos e culturais.
Oportunidade de ir a pautas com boca-livre e jabás.
Tapinha nas costas (se exceder as metas).

Salário: Incompatível com o mercado e seus gastos pessoais.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Saudade (poema do jornalista desempregado)


Saudade dos tempos de redação
Do café salvador das madrugadas
Das vozes ao telefone misturadas
Das tantas matérias apuradas.

Saudade dos tempos de redação
Do sofrer, tensão, xingamento
Do suspiro após fechamento
Do pedido em vão de aumento.

Saudade dos tempos de redação
Da chegada apressada da rua
Da piada mais tosca e chula
Do sonho com a foca nua.

Saudade dos tempos de redação
Da falta total de rotina
Dos planos pro boteco da esquina
Do rir da própria sina.

Da sina.


Já comprou o livro do Duda Rangel? Conheça a loja aqui, curta, compartilhe. Frete grátis para todo o Brasil.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Festa de jornalista


Tem de todo tipo, mas festa de jornalista clássica é festa com ares de clandestinidade, que rola na casa de alguém.

O pessoal vai chegando aos picados, cada um à sua hora, ou melhor, cada um à hora do seu fechamento. O ingresso é uma bebida, ou mais bebidas, cerveja long neck, vodca, rum para os mojitos. Come-se pouco, mas se bebe demais, sô! É um abre geladeira, fecha geladeira, abre geladeira, fecha geladeira. A cozinha parece sacristia de igreja em dia de missa. Uma agitação só. Fuma-se também, principalmente aquela ervinha boa pra relaxar. Às vezes, fuma-se coletivamente, na sala, seda recheada que passa de mão em mão. Às vezes, busca-se clandestinidade ainda maior, no banheiro, no quartinho da empregada.

Tem gente que chega sozinha, tem gente que carrega um amigo não-jornalista a fim de se divertir com aquele povo excêntrico – eufemismo para esquisito. As pessoas vão se juntando pelos cantos, no sofá, no chão, entre as almofadas. A noite começa mais animada, com sons eletrônicos variados, e acaba com Chico ou Lou Reed. Os mais jovens insistem com Los Hermanos. A menina de saia florida e cabelinho loiro e crespo sempre leva o CD de seu grupo de maracatu – quase só de mulheres –, atração da Vila Madalena. Às vezes, leva o grupo, para uma canja no quintal.

Por causa da música, as conversas são múltiplas e ficam restritas, cada uma, aos pequenos grupos que se juntaram pelos cantos. Tem jornalistas de empresas concorrentes que só se encontram na loucura das pautas e na loucura das festas. Tem o sujeito que, empolgado com a vida, com a vodca e com a matéria de capa que conseguiu, pega um livro do Cortázar na estante e começa a ler algumas de suas histórias pela sala. Tem um amigo de jornalista não-jornalista louco pra comer a moça de óculos, vestido xadrez e meias verdes até os joelhos. É a grande oportunidade de uma foda intelectual para curtir a lembrança boa pelo resto da vida. Ou se arrepender na mesma noite. Mas a moça só tem ouvidos para o rapaz que fala de cronópios e famas.

As festas clandestinas de jornalista não têm dia certo para acontecer. Fim de semana, segunda, terça. Nem hora certa para chegar ao fim. Mesmo com trabalho no dia seguinte. Tem vizinho chato que liga pra polícia pra acabar com a putaria. Mas tem também vizinho gente boa que se junta à galera dos jornalistas. Para uma cervejinha, um cigarrinho e para ouvir as meninas de saia florida com seus agbês e ganzás no quintal.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Crônica sobre o frila fixo


Ela não é a mulher oficial, não está presente no almoço da Páscoa, nem na ceia de Natal. Mas também não é uma avulsa qualquer. Mora no flat modesto do centro que ele paga, local em que se consome o sexo clandestino. E frenético. Ser a amante fixa não é o que ela esperava para sua vida, mas é melhor do que ser uma solteirona amarga, como as amigas.

No jornalismo, o frila fixo tem o papel da amante fixa. Ele não tem vínculo empregatício com a empresa de comunicação. Mas também não é um avulso qualquer. Está diariamente na redação, explorado como qualquer outro, apenas sem direitos trabalhistas. Não é o que ele esperava para sua vida, mas é melhor do que estar desempregado, como os amigos.

Assim como a amante fixa sonha um dia ser a patroa, com direito aos eventos familiares e a uma vida estável, o frila fixo também deseja o vínculo oficial, com direito aos benefícios da carteira assinada. E a uma vida estável.

Comecei no jornalismo como frila fixo. Cobertura de férias da Cidinha, repórter de Turismo, que naquele ano foi com o marido descansar em Ubatuba. Ou foi Peruíbe? Faltava pouco tempo para a Cidinha voltar, naturalmente toda picada por borrachudos, e eu já me imaginava de novo na sarjeta. Foi quando descobri que a Norma, repórter de Economia, sairia de licença-maternidade. Graças ao milagre da vida, no caso da vida do filho da Norma, eu alcancei o milagre de ficar mais quatro meses como frila fixo.

Tão logo o jornalista se torna um frila fixo, conhece algumas artimanhas, como o esquema da nota fiscal. O frila fixo só recebe a miséria de seu “salário” se apresentar uma nota. O Reinaldo era o rei da nota fiscal na redação. “Duda, o esquema é muito bom, firma em Carapicuíba. Conhece Carapicuíba? Lá se paga uma merreca de imposto”, explicava. Por muito tempo, o Reinaldo foi o meu fornecedor de notas fiscais de Carapicuíba.

Como ocorre com muita gente, fui pulando de cobertura de férias em cobertura de férias, de licença-maternidade em licença-maternidade, até um dia ser oficialmente contratado. A amante virou esposa. FGTS, 13º salário e a esperança de uma vida melhor.

No início, você até se empolga, mas logo se dá conta de que a tal estabilidade não é grande coisa. No caso das amantes, muitas percebem que ser a oficial é até pior. E ficam cheias de saudade do sexo clandestino e frenético no flat modesto do centro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia do professor (de jornalismo)


Em homenagem ao dia do professor, em especial ao de jornalismo, republico trechos de um antigo post sobre a arte (ou não, como diria Caetano) de ensinar a profissão.

Desempregado, já pensei em fazer cada coisa pra sobreviver que fico até constrangido em revelar aqui, neste blog quase decente, quase de família. Entre as idéias publicáveis, dar aulas de jornalismo foi uma delas. Seria um bom professor? Ou prestaria um grande desserviço ao ensino superior brasileiro? Em minhas divagações, rolou até um embate entre um Duda que quer muito ser professor e um Duda que deseja passar longe das salas de aula.

Duda que quer ser professor: O lance é dar aula, cara! Imagine a grande oportunidade que a gente teria de transmitir conhecimento aos jovens. Isso é o que vale a pena na vida!

Duda que não quer: Mas como? Numa sala de 80 alunos? Não vão nem ouvir a gente!

Duda que quer: Se metade ouvir já está ótimo. Você não percebe a nobreza da missão?

Duda que não quer: Metade vai ficar ouvindo música num iPod durante a nossa aula! E a outra metade, sei lá...

Duda que quer: Tá bom. Então esquece o lance nobre da coisa e sejamos práticos. Há quanto tempo as contas da luz e da água estão atrasadas? E o aluguel?

Duda que não quer: Você acha que a gente vai ganhar muito dinheiro como professor? Pagam uma miséria! Pior que redação. E a gente também nem tem mestrado.

Duda que quer: Tem um monte de faculdade que não exige mestrado. Até preferem, sabia?

Duda que não quer: A gente não vai dar aula e ponto final. A verdade é que a gente não gosta disso.

Duda que quer: Você não gosta. Fale por você!

Duda que não quer: Tá bom, tá bom. EU NÃO GOSTO.

Instantes de silêncio...

Duda que quer: E as menininhas? Nem por elas? Já imaginou quantas, daquelas bem gostosas, assistiriam às nossas aulas, loucas por aprender jornalismo, loucas por sei lá mais o quê?

Duda que não quer: (riso) Meu Deus, estamos velhos!

Duda que quer: Velho é você! Velho e viado!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mancadas de um assessor de imprensa


Muitos assessores de imprensa são ótimos parceiros dos jornalistas de redação, colaborando na produção de matérias e, principalmente, dando um presentinho bacana vez ou outra. Mas, de uma forma geral, a relação entre as partes ainda é difícil e com muito desgaste. Alguns assessores mantêm a alcunha de chatos e, em casos mais graves, são demonizados, acusados, por exemplo, de serem favoráveis ao aborto ou de não acreditarem em Deus.

A nova enquete quer entender melhor esta relação cheia de amor e ódio, e ajudar o assessor a evitar atitudes que mancham a imagem do profissional, na maioria dos casos, também jornalista. Qual a mancada mais imperdoável de um assessor de imprensa? Enviar releases esdrúxulos? Criar um falso clima de intimidade, chamando o repórter de “tchutchuquinho”? Pedir para aprovar matéria antes da publicação? Estas e outras opções estão na coluna à direita da página para serem votadas. Participe!

A pesquisa encerrada – Qual best seller você daria de presente ao seu amigo jornalista? – teve um empate técnico, como diriam os institutos de pesquisa. A alternativa “Comer (apenas em evento), Rezar (por um aumento), Amar (se tiver tempo)” ficou em primeiro lugar, com 35% dos votos, e “Quem Mexeu no Meu Texto?” teve 33% da preferência dos eleitores. O amigo-secreto da redação está chegando. Ficam as dicas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Redação em chamas


Paixão, intriga, mistério, plantões intermináveis, medo de perder o emprego e muito mais. “Redação em chamas” é o primeiro dramalhão mexicano produzido na Colômbia e exibido na televisão brasileira que trata exclusivamente do universo jornalístico. É também a primeira telenovela da história que não tem núcleo rico. Conheça a seguir os atores e os papéis mais importantes do folhetim que vai mexer com as suas emoções:

María José Villegas, a Francisca do caderno de Política, é a mocinha da trama, uma jovem pura que acredita no amor verdadeiro e na independência da imprensa. Ela deixa o interior para trabalhar, como foca, no principal jornal da capital. Em pouco tempo na redação, começa a conhecer os perigos da profissão, como falar mal do político apoiado pela casa. A vida de Francisca muda quando ela troca olhares furtivos com Ramón, o editor-executivo, ao lado da máquina de café. Tem início uma tórrida paixão, ameaçada pelo ciúme e pela ira de María Clara, repórter especial e namorada de Ramón.

Christian Caballos, o Ramón da edição-executiva, é um homem ambicioso que luta, há anos, para chegar ao cargo de diretor de redação, ocupado por seu pai, o senhor Alfredo. Octogenário excêntrico, o pai passa o dia caminhando pela redação com suas pernas mecânicas, fumando um cachimbo fedorento e bulinando estagiárias. O senhor Alfredo não confia na competência do filho e pensa em deixar o cargo a outro sucessor. Ramón, obcecado em conseguir a promoção e a confiança do pai, sofre uma grande transformação quando conhece a ingênua Francisca. Tem início uma tórrida paixão, ameaçada pelo ciúme e pela ira de María Clara, repórter especial e sua namorada.

Erika Mendoza, a María Clara da reportagem especial, é a vilã da trama. Sem talento e ética, conseguiu um cargo importante no jornal apenas por ser a namorada de Ramón. Quase não trabalha e passa o tempo todo na máquina de café, arquitetando planos diabólicos contra o pessoal do núcleo bonzinho, principalmente a doce Francisca. Tem também um relacionamento difícil com o senhor Alfredo por não suportar o fedor de seu cachimbo e a rejeição do velho a seu amado Ramón.

Pepe Morales, o Juan da diagramação, é o filho bastardo do senhor Alfredo com uma prostituta, concebido há mais de 20 anos, quando Alfredo ainda não havia perdido as duas pernas num trágico acidente automobilístico. Juan arruma um emprego no jornal para aproximar-se do pai, mas não tem coragem de fazer tão grande revelação ao velho, que desconhece a paternidade. O senhor Alfredo nutre grande carinho por Juan, a quem sonha um dia transformar em seu sucessor, aumentando o ódio de Ramón.

Pablo Montalba, o Ricardo do caderno de Esportes, integra o núcleo gay da novela. Repórter de futebol, vive em um ambiente machista e atormenta-se pelo fato de não assumir sua homossexualidade. Ao conhecer Carlos, o jovem delicado que passa a ser responsável pelo roteiro cultural do jornal, toma coragem para sair do armário. Ricardo sofrerá grande preconceito, mas seu amor por Carlos triunfará. No fim do folhetim, ele deve protagonizar o primeiro beijo gay jornalístico da televisão brasileira. E colombiana.

Luis Miguel Cárdenas, o Panchito da Fotografia, promete trazer para as redações o debate sobre o mal da dependência química. Mesmo na era da fotografia digital, Panchito, um homem de meia-idade, não consegue largar o vício por agentes químicos usados na revelação dos antigos filmes. Com os olhos vermelhos, o fotógrafo sempre chega atrasado à redação. Vive preso às suas viagens em um quarto de sua casa, onde segue revelando filmes em uma banheirinha de bebê.

Isabel Moreno, a Esmeralda do caderno de Geral, em um dos papéis mais difíceis e emocionantes de sua carreira, descobre, logo nos primeiros capítulos, que tem uma doença incurável e apenas dois meses de vida. Passa a aproveitar cada segundo com muita intensidade. Além de lutar pelo amor de Ricardo – sem saber que o repórter de Esportes é gay – Esmeralda assume o desafio de, enfim, escrever a grande matéria de sua vida. O que não conseguiu em 18 anos de carreira, terá de cumprir agora em 60 dias. Conseguirá?

Justiniano Escobar, o Rodolfo do caderno de Economia, é o destaque do núcleo engraçadinho. Além de contar velhas histórias de jornalistas com humor e sarcasmo, como a do repórter com surdez no ouvido direito que escutava as respostas dos entrevistados sempre pela metade, Rodolfo tem como ponto forte de seu repertório a imitação clandestina que faz do senhor Alfredo, caminhando, todo torto e desajeitado, pela redação.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O "rei" Roberto Carlos canta seus clássicos jornalísticos



Espaços (versão de Detalhes)

Espaços tão pequenos
Pra depois
Ter textos muito grandes
Pra escrever
E a toda hora eu fico
Aqui cortando
Para caber.


Jornalista à moda antiga
(versão de Amante à moda antiga)

Eu sou um jornalista à moda antiga
Do tipo que ainda fuma horrores
Apesar de umas safenas e a barriga avantajada
Ainda como uma picanha acebolada.


Tem dissídio (versão de Jesus Cristo)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.

(Agora todo mundo batendo palma)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.

(Agora só quem não recebe aumento há muito tempo)

Tem dissídio, tem dissídio
Tem dissídio me alegrando aqui.


Nossa senhora (versão de Nossa Senhora)

Nossa senhora do bom plantão
Cuida do meu domingão
Que ninguém morra-a
Neste período
Eu tô sozinho
Cuida de mim.


O descanso (versão de O portão – “Eu voltei”)

Eu folguei!
Nem deu pra acreditar
Consegui
Dormir e vegetar
Eu folguei!
Um dia lembrarei
Eu folguei...


Depressões (versão de Emoções)

Sei que a profissão
Eu quis abandonar
Até cafetão
Já pensei em virar
Só ralei e me fodi
Mas o importante
É que não desisti...

Só ralei e me fodi
Mas o importante
É que não desisti.

Leia também: Chico Buarque canta seus clássicos jornalísticos

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Unha encravada


Toda redação tem jornalista chato. É só olhar pro lado.

Tem o que chega atrasado à reunião de pauta e tenta saber tudo o que já rolou. O que lamenta que a pauta dos outros é sempre melhor. O que tem síndrome de perseguição. O desocupado que fica perguntando aos colegas, bem na hora do fechamento, se a Carolina Dieckmann vai ou não vai morrer na novela. O que faz a mesma piadinha sem graça em todo pescoção. O que vive pedindo a agenda de telefones dos outros emprestada. O que acha que sabe tudo. O que não pára de contar vantagem só porque deu um furinho de merda dia desses. O que adora dar palpite no texto alheio. O que tem piti quando dão palpite no seu texto. O que exige silêncio geral quando precisa fazer uma entrevista importante por telefone. O que corrige os erros de Português dos colegas até no café. O que trabalha em Esportes e só sabe falar de futebol. O que vende rifa com nome de mulher para aumentar a renda mensal. O que fica implorando voto para si próprio no concurso dos melhores jornalistas do ano. O que sacaneia quem vai ficar de plantão. O que inventa um novo passaralho a cada semana só para perturbar as almas mais aflitas. O que nunca vai ao bar porque a patroa não deixa. O que não pára de reclamar do trabalho, do salário, do chefe, do casamento, da unha encravada.

Toda redação tem jornalista chato. É impressão minha ou tem um monte de gente olhando pra você?

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Outros planos


- Onde eu fui parar? Me mandaram cobrir a guerra no Afeganistão?

(Um homem, com o rosto cheio de feridas, se aproxima)

- Tá falando comigo?

- Pode ser com você. Dá pra me dizer onde estou?

- Aqui é o umbral.

- Umbral?

Você tá morto, meu amigo! Não se ligou ainda?

- Morto?

- Morto e todo lascado. Aqui no umbral o bicho pega. Não viu o filme, não?

- Que filme?

- Nosso Lar.

- Ah, o dos espíritos? Putz, eu até queria assistir, mas fiquei esperando a cortesia da assessoria de imprensa. Mais fácil morrer do que conseguir um ingresso.

- O umbral só tem gente ferrada, barra-pesada. Suicida, político, advogado. Você é o quê?

- Sou jornalista. Repórter e crítico de TV. Ou melhor, eu era. Sei lá.

- Vixe, jornalista tá cheio aqui.

(Silêncio. Os dois sentam-se lado a lado)

- Mas por que o bicho pega?

- Maior dificuldade pra tudo: pra comer, pra dormir. Você nunca consegue ver sua família. Leva porrada da chefia o dia inteiro.

- Porra, com isso eu já tô acostumado. Vai trabalhar numa redação de hard news pra ver o que é bom! Lascado eu tava quando era vivo.

- Cê tá falando sério?

- Claro que eu tô. Esse umbral tá parecendo até bem tranqüilo.

(Silêncio longo)

- E você, o que fazia quando era vivo?

- Eu era ex-participante de reality show. Do Big Brother.

(O jornalista gargalha)

- Caraca, e você tava falando mal de jornalista.

- Peraí, eu não falei mal de jornalista. Só falei que tava cheio de jornalista aqui.

- Sei.

- E você, crítico de TV, nem me reconheceu, hein?

- Já viu quanta ferida tem aí na sua cara? Sem ferida, já seria difícil reconhecer.

- Sei.

(Mais um longo silêncio)

- Ô, ex-BBB, já que você manja tudo de umbral, me diz uma coisa: onde fica o boteco aqui? Tô começando a ficar com fome e sede.

- Boteco? Aqui não tem isso, não!

- Não brinca! Nem um vernissage, uma boquinha-livre?

- Que nada.

- Porra, aí complica.

(O jornalista abaixa a cabeça. Depois, a balança negativamente)

- Tô começando a achar que Afeganistão não seria tão ruim, viu?

- Oi?