sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quem?


O jornalista desinformado chega ao bolo de repórteres em volta do entrevistado. Atrasado. Não fala nada. Apenas estica a mão com o gravador. Finge escutar as respostas. Franze a testa. Faz cara de conteúdo. Cochicha no ouvido do colega ao lado: “qual o nome dele mesmo?”. Volta a ouvir as palavras do entrevistado, que apenas passeiam por sua mente, flutuam. Ameaça fazer uma pergunta: “mas, senador, senador...” quando é interrompido por um repórter mais rápido, que faz a pergunta, para a alegria do jornalista desinformado. Troca o gravador de mão. Mantém a cara de conteúdo. Cochicha no ouvido de outro colega: “de que partido ele é mesmo?”. Pensa na festa de logo mais, pensa que vai encontrar a Mariana, do suplemento cultural. Um fotógrafo pisa no seu pé. Ele nem percebe. Esboça nova intenção de fazer uma pergunta, pergunta importante, claro, de impressionar a todos, mas outro repórter o interrompe. Simula ficar nervoso, como se a ele não fosse concedido o democrático direito de expressão. Troca o gravador de mão novamente. Olha para o relógio. Pensa que a Mariana está solteira. Sorri. Sorri ainda mais com o fim da entrevista. Recolhe o gravador. Suspira. Aproxima-se de outro repórter: “o senador falou de reforma política ou tributária?”. Fica assustado com a resposta grosseira, aperta as sobrancelhas, mas insiste na busca da informação: “reforma agrária?”.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Pleonasmos do mundo dos jornalistas


Jornalista pobre.

Trabalho árduo.

Salário de merda.

Dissídio ridículo.

Fato real.

Fotógrafo doidão.

Equipe enxuta.

Fechamento alucinante.

Nota curta.

Pauta de gaveta guardada.

Repórter de TV vaidoso.

Encarar o entrevistado de frente.

Novidade inédita.

Jornal de notícias.

Foca sonhador.

Lead de abertura.

Lançar um novo caderno.

Profissão maluca.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Manual do guerrilheiro da redação


A liberdade de imprensa avançou muito com a democracia, mas a liberdade do jornalista numa empresa de comunicação ainda é desrespeitada. Abaixo, companheiros, um guia de sobrevivência e de como enfrentar o inimigo, também chamado de patrão.

Se publicar algum comentário crítico ao seu próprio jornal no Twitter ou em outras redes, jamais revele sua identidade. Utilize disfarces. Mostrar a cara significa ser demitido.

Se for agitar uma greve por mais liberdade ou melhores salários, evite reuniões pelos corredores da redação ou na máquina de café. Opte pela clandestinidade dos bares.

Para ninguém desconfiar de seu envolvimento com o movimento, diga “sim” aos mimos do patrão, como festinhas de fim de ano. Recusar jabás do sistema é cair na armadilha.

Para ninguém desconfiar que você está verdadeiramente lutando pelos jornalistas, torne-se líder do sindicato da categoria. No sindicato, o patrão não irá vê-lo como uma ameaça.

Nos plantões intermináveis em hospitais e delegacias, dissemine as idéias subversivas a outros jornalistas, mas com cautela. Cuidado com os motoristas fofoqueiros e traíras.

Suporte com dignidade a tortura, como ser obrigado a fazer matérias institucionais só falando bem do jornal, e jamais seja um delator dos demais companheiros do movimento.

Num interrogatório, se o patrão disser que está pegando sua mulher, releve. É terrorismo psicológico. Pense que, mesmo se for verdade, ele é apenas mais um pegando a sua mulher.

Não descarte a ação violenta. Seqüestrar o patrão pode ser uma boa estratégia. Só liberte o desgraçado se ele se comprometer a não mais publicar matéria chapa-branca em favor deste ou daquele governo, a pagar as horas extras, e a trocar a máquina de café da redação por uma mais moderna, com pelo menos dois tipos de capuccino mais chocolate quente.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Perguntas


Ronald sempre folga na Páscoa. Na redação, metade da gente folga no carnaval e metade folga na Páscoa e todo ano é aquela zoeira pra decidir a escala. Ronald odeia o carnaval. Ronald odeia a obrigação de se divertir no carnaval. Pior: Ronald odeia ficar respondendo por que odeia se divertir no carnaval. Prefere a desculpa de ter que trabalhar. Ronald também não morre de amores pela Páscoa, mas acha que a Páscoa tem uma melancolia que combina com a sua melancolia. Ronald é um cabra sozinho em São Paulo. Não dá nem recebe ovos de chocolate. Só uma vez passou o almoço de Páscoa no apartamento de seu Juvêncio, o zelador do prédio, cearense como ele, também sozinho em São Paulo. Teve buchada e cachaça e pouca conversa. Ficaram seu Juvêncio mais Ronald na sala, fumando e vendo um filme sobre o Senhor Jesus Cristo na TV.

Ronald sempre folga no Natal. E a redação toda quer folgar no ano-novo. Essa gente parece que gosta de ficar horas num congestionamento só pra pular ondinhas no mar. O Natal também é melancólico como Ronald e é tempo de viajar pra São João do Jaguaribe, tempo de visitar a mãe mais os irmãos mais as tias mais não sei mais quem. Entre os seus, Ronald também é um cabra calado e estranho, mas um cabra calado e estranho cheio de importância, porque estudou, porque se fez jornalista e porque foi o único que teve peito de trocar a vidinha sem graça de São João do Jaguaribe pela vidinha sem graça de São Paulo. A única coisa que deixa Ronald apurrinhado no Natal são as perguntas de sempre da mãe – por que ainda tá fumando, por que ainda não arrumou moça pra casar, por que tanta magreza?

Ronald odeia responder perguntas.

Ronald é jornalista, porra! É ele quem faz as perguntas.


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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Grandes obras da literatura sobre o jornalismo


Em busca do feriado perdido – Marcel Proust

Memória de minhas pautas tristes – Gabriel García Márquez

O processo (por calúnia, injúria e difamação) – Franz Kafka

A insustentável pobreza do ser – Milan Kundera

A vida de jornalista como ela é – Nelson Rodrigues

Textos de gaveta mofados – Caio Fernando Abreu

Editorial sujo – Ferreira Gullar

O encontro desmarcado – Fernando Sabino

Admirável emprego novo – Aldous Huxley

Crime e sensacionalismo – Fiódor Dostoiévski

O tempo e o fechamento – Erico Veríssimo

Histórias de anonimatos e de famas – Julio Cortázar

A profissão do desassossego – Fernando Pessoa

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Quem mexeu no meu texto?


Jornalista tem uma certeza: seu texto é imexível.

O orgulho do jornalista não admite que o texto tem vícios, erros. É seu filho perfeito. O lead está sempre no lugar certo. Clichê é o máximo. Nariz-de-cera, então, é a coisa mais bonita do papai.

A vaidade do jornalista não aceita críticas ao texto. É sua obra-prima. Não tolera pitacos, desconstrução de idéias, novos enfoques. É provocação. Que danação! Seu texto é sagrado, pra ser venerado. Jamais profanado.

O ciúme do jornalista o torna possessivo. O texto é sua nêga. E tem sempre gente querendo botar a mão. O editor é o mais vil dos cobiçadores de texto alheio, de amor alheio. Ricardão maldito. Deflorador. Deleta aqui, corrige ali, reescreve acolá. Corta pelo pé.

Você pode até mexer com a mãe de um jornalista. Mas experimenta só mexer no texto dele. Experimenta.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

20 formas de um jornalista sentir um orgasmo


1. Publicar aquela “puta história” antes de qualquer outro jornalista.

2. Pegar o jornal do dia e ver o seu nome estampado na capa.

3. Mostrar o seu nome estampado na capa para o vizinho invejoso.

4. Entrevistar aquele cara que odeia falar com a imprensa depois de três meses de insistência.

5. Acabar a matéria a 1 minuto e 37 segundos do fechamento.

6. Saber que a(o) nova(o) estagiária(o) gostosa(o) vai trabalhar ao seu lado.

7. Desligar o computador após um longo dia de ralação.

8. Pagar todas as contas do mês sem atraso.

9. Ter qualquer credencial pendurada no pescoço.

10. Ter a pergunta elogiada pelo entrevistado numa coletiva de imprensa.

11. Receber o pagamento de um frila no dia combinado.

12. Comer pra caramba numa boca-livre chique.

13. Descobrir que vai folgar justamente no fim de semana da tão esperada viagem com os amigos.

14. Ser rendido por um colega após 12 horas de plantão na porta de um hospital.

15. Ter a confirmação de que seu nome não está na lista do passaralho da vez.

16. Escutar de um leigo: “Deve ser o máximo ser jornalista, hein?”.

17. Saber que o doutor Gilmar Mendes foi assaltado.

18. Chegar em casa às 5 da manhã depois de um pescoção e encontrar sua mulher sozinha na cama.

19. Chegar em casa às 5 da manhã depois de um pescoção e conseguir fazer sexo.

20. Ouvir do editor: “Parabéns, você está contratado. Pode começar agora?”.


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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Assessores de imprensa X galera da redação


- Alô, Caderno de Cultura.
- Boa tarde, com quem eu falo?
- Pedro.
- Pedro, aqui é o Edson, da Pauta Criativa Comunicação, tudo bom?
- Edson, estamos no fechamento. Liga depois, por favor.
- Vocês receberam o release do show do Bee Gees Cover?
- Não sei, mas agora não vai dar pra ver isso.
- Pedro, é só uma checadinha.
- Cara, não deu pra entender que estamos no fechamento?
- Mas é rapidi...
(tu-tu-tu)


- Vou mandar as perguntas por e-mail, ok?
- Fátima, nosso diretor comercial é muito ocupado e prefere atender a imprensa por telefone. É mais ágil.
- Querido, eu também sou muitíssimo ocupada aqui na redação. Vou mandar por e-mail mesmo.
- Quantas perguntas são, Fátima?
- Umas 20?
- Vinte?
- Vinte. Algum problema?
- Bom, vou ver se ele consegue responder tudo até sexta.
- Querido, tá louco? Aqui é jornal diário. Preciso das respostas em, no máximo, no máximo, uma hora. E presta atenção: quero também foto em alta resolução. E boa, hein?


- Bom dia, eu queria falar com o chefe de Reportagem. É o Marcos Araújo, né?
- Olha, o Marcos não trabalha aqui no jornal há mais de um ano.
- Mas tenho certeza que ele abraçou um novo desafio profissional.
- O Marcos morreu.
- Putz, morreu? Eu sinto muito mesmo. Não sabia.
- Tudo bem.
- Me desculpe. Estes mailings de imprensa vivem desatualizados.
- Tudo bem.
- Deixa então eu aproveitar pra falar da minha pauta com você mesma.
- Manda pro meu e-mail, por favor, que depois eu leio com calma. Pode ser?
- Vou mandar, sim, mas antes quero falar do novo tratamento para remoção de manchas na pele que é bár-ba-ro. Sabe bárbaro?
- Olha, você ligou no Caderno de Política. Ciência & Saúde é no ramal 3526.
- Tuuuudo bem. Vou ligar pra lá agora.
- Só um detalhe: o pessoal lá só chega à tarde.


- Alô.
- Alô. Edson? É Pedro, do Caderno de Cultura, tudo jóia?
- Sim, Pedro, do Caderno de Cultura, tudo jóia.
- Deixa eu te perguntar uma coisa, amigão: você tem ingresso sobrando pro show do Bee Gees Cover? Minha namorada adora Bee Gees, tá louca pra ir.
- Vocês não deram nem uma notinha, né? Viu pelo menos o release?
- Pois é, não teve espaço. Fica pra próxima. O show promete, hein?
- O show promete.
- E o ingresso rola?
- Pode ser, pode ser. Aguarda só um minutinho na linha que eu vou falar com a minha gerente.
- Tudo bem.
(tu-tu-tu)


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quinta-feira, 7 de abril de 2011

O jornalismo é cosa nostra


Evoco Jorge, para cantar mais um Dia do Jornalista.


A vaidade é cosa nostra.

Ganhar merreca é cosa nostra.

Folgar na terça é cosa nostra.

A boca-livre é cosa nostra.

Mas o que vai vai, o que vem vem.


A ilusão é cosa nostra.

Dar carteirada é cosa nostra.

Dizer verdades é cosa nostra.

Contar mentiras é cosa nostra.

Mas o que vai vai, o que vem vem.


O cafezinho é cosa nostra.

Achar que é independente é cosa nostra.

Queimar um beck é cosa nostra.

E a desgracença é cosa nostra.

Mas o que vai vai, o que vem vem.


Ser assessor é cosa nostra.

Desunião é cosa nostra.

Adrenalina é cosa nostra.

Levar na bunda é cosa nostra.

Mas o que vai vai, o que vem vem.


A República Livre do Copo-Sujo é cosa nostra.

Ser curioso é cosa nostra.

Rotina louca é cosa nostra.

Viver em crise é cosa nostra.

Mas o que vai vai, o que vai vem.

Mas o que vai vai, o que vai vem.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Pequeno dicionário de expressões jornalísticas mortas


Algumas expressões que há muito tempo caíram em desuso:

Copydesk – uma espécie de revisor, este profissional corrigia as cagadas nos textos dos jornalistas. Vivia em briga com os repórteres, que o acusavam de mexer demais onde não devia e de cortar as matérias pelo pé. O copydesk perdeu o emprego para o corretor ortográfico do Word, que trabalha de graça e não exige férias nem plano de carreira.

Viúva – não confundir com a mulher do jornalista que, de tanto comer calabresa acebolada e tomar todas no boteco, foi vítima de um ataque do coração aos 43 anos. Viúva era só aquela palavrinha solta, abandonada numa linha de texto incompleta.

Jornalista investigativo – repórter que ia para as ruas farejar grandes matérias. Com a criação do Google e com os dossiês políticos customizados, o jornalista investigativo passou a ser chamado de jornalista-da-bunda-quadrada. Fica só na redação, sentado na frente do computador, com o celular ligado, esperando cair em seu colo uma bomba. Parece mais atendente do Disque-Denúncia.

Gillette Press – era a arte de pegar uma notícia já publicada, cortar aqui, aparar ali e, na maior cara-de-pau, apresentar um texto completamente “novo”. Hoje, a expressão foi esquecida, mas a prática está cada vez mais forte. Na era digital, os jornalistas, sem tempo para a apuração ou sem vergonha na cara, preferem chamá-la de “Copy and Paste” (ou Ctrl C / Ctrl V).

Paste-up – parece, mas não tem nada a ver com marca de pasta de dente. Era uma colagem de tiras de textos, impressos em papel fotográfico, no processo de composição de uma página de jornal. Um trabalho lúdico, feito pela turma da Arte, que, na infância, sempre tirava as melhores notas nas aulas de Educação Artística.

Apuração cuidadosa – era uma prática comum nas redações do período Neolítico, quando ainda havia preocupação com a qualidade da informação. Com a transformação das redações em linhas de produção de notícias e a pressa de furar a concorrência, foi criada a matéria-miojo, de apuração instantânea, que fica pronta em três minutinhos.


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sexta-feira, 1 de abril de 2011

As mentiras que os jornalistas contam


Para celebrar este 1º de abril, resolvi relembrar frases clássicas de jornalistas nem um pouco comprometidas com a verdade.

Fique tranquilo que, se você está me dizendo que é off, a gente não vai publicar.

Sabe a foca gostosa, a namoradinha do editor-executivo? Então, comi ontem.

Já decidi: vou parar de beber, de comer porcaria e começar a cuidar mais da minha saúde.

Faz o seguinte: manda o release pro meu e-mail que depois eu leio com calma, ok?

Meu amigo, tô trabalhando. Você acha que eu sou o tipo que fica dando carteirada por aí?

Eu não trabalho num jornaleco que se vende por qualquer anúncio. Eu sou da grande imprensa. Temos independência.

Não vejo a hora de abandonar essa profissão ingrata. Como eu odeio o jornalismo!

E as mentiras que os jornalistas ouvem

Finalmente o jornal decidiu que vai ter um plano de carreira para vocês.

Meu bem, é claro que eu não me importo de você trabalhar até as quatro da manhã.

Querido, olha, a pauta é ótima, superinédita. Eu tô mandando o release só para vocês, viu?

Futuros jornalistas, percebam como é nobre a nossa profissão. Vocês têm a chance de mudar o mundo!

Aqui, na nossa agência de assessoria, você só vai atender um ou, no máximo, dois clientes. O trabalho é bem fácil.

O doutor acabou de entrar em outra reunião, ainda mais urgente, e não vai poder te dar a entrevista agora.

Paulo Maluf não tem nem nunca teve conta no exterior.


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