sexta-feira, 30 de abril de 2010

Confissões de uma repórter


No rosto assimétrico, uma barba recortada por falhas. Nos cabelos sem brilho, um enrosco de fios rebeldes. Ele nem é tão bonito. Usa pochete na cintura. Mas ao seu lado sinto um negócio diferente. O conheci há quatro meses, três semanas, dois dias e 11 horas, numa passeata de professores em greve. Encontros casuais, sempre nas pautas. Descobri o seu nome por colegas. O nome e a redação onde trabalha. Um portal de internet. Assim como eu. Um sinal? Na prisão de um traficante, perguntei a ele as horas. No incêndio de uma favela, lhe pedi uma caneta emprestada. Na inauguração de um viaduto, tropecei em cabos de microfone e esbarrei em seu braço. Nosso contato mais íntimo e selvagem em todo esse tempo! Às vezes, acho que ele não nota a minha presença. Nem dá atenção para mim. Mas ao seu lado sinto um negócio diferente. Quando o vejo, meu dia fica musical. Esqueço as neuras da redação. Meu editor parece menos ranzinza. Sonho acordada nas coletivas de imprensa. Quando não o encontro, me contento com a leitura de suas matérias. Nada brilhante. Tem sérias dificuldades com regência verbal. Apanha feio das regras de crase. Nem é um grande repórter. Mas ao seu lado... Bem, vocês já sabem. O problema é que, ultimamente, ele só tem aparecido na tela do meu computador. Há três semanas, dois dias e nove horas. As coberturas já não são mais as mesmas. Tenho saudade do seu jeito desleixado, de seu olhar desatento. Sentir aquele negócio diferente me faz uma falta danada.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

E se a imprensa não existisse?


Balzac, o escritor francês que foi uma das inspirações para este blog, disse, certa vez, que “se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”. Eu sempre me encantei com esse quê desencantado do velho Balza, mas acho a frase meio radical. Tudo bem que, se a imprensa não existisse, o Zeca Camargo teria sido apenas um exímio dançarino do ventre, o que seria ótimo, não? Mas não posso resumir a questão ao Zeca Camargo. Há, sim, muita coisa ruim no jornalismo, mas também tem muita, ou melhor, alguma coisa boa.

E se a imprensa realmente não existisse?

Quem denunciaria as contas secretas do Maluf, as maracutaias do Arruda e os dólares na cueca? O novo CD da Preta Gil chegaria às lojas imune de críticas. Não haveria os bares de jornalista e as filosofias de botequim de jornalista. Quem avisaria sobre as ruas congestionadas e as chuvas de fim de tarde? A arte da investigação não teria conhecido o brilho e o talento de Zé Bob. Não haveria as garotas do tempo, as aprendizes do Caco Barcellos e as apresentadoras radicais do SporTV. Pescoção seria apenas o cidadão interessado em olhar o decote da moça a seu lado no metrô. A liberdade de expressão não teria tanto valor. O Nelson Rodrigues teria sido talvez... médico? Ginecologista? Meu Deus! Não existiria o blog “Desilusões perdidas” para falar mal (e às vezes bem) da profissão. Jamais teríamos conhecido as histórias do bebê-diabo do ABC e do homem que torrou o pênis na tomada divulgadas pelo inesquecível Notícias Populares. O Pedro Bial teria, muito provavelmente, dedicado toda a sua carreira a reality shows e outras programas de entretenimento. O William Bonner teria seguido a carreira de imitador e humorista e talvez se casado com uma atriz de seu grupo teatral. Não haveria o caderno de Esportes da segunda-feira para a gente ler os elogios à vitória de nosso time no domingo. Os fotógrafos só sobreviveriam com casamentos, batizados e festas de debutante. O furo seria apenas um orifício qualquer. Eu jamais teria acordado com o Jornal da Manhã da Jovem Pan. Repita: eu jamais teria acordado com o Jornal da Manhã da Jovem Pan.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Decifre-o ou o derivativo te devora


Muitos jornalistas têm uma dificuldade enorme em dominar a economia doméstica. Não entendem sequer a equação “salário de fome + gastos excessivos = cheque especial”. Compreender o complexo cenário macroeconômico brasileiro ou mundial, então, torna-se missão duríssima. Ignorância é um fator que inibe muito jornalista de trabalhar na área. É mais fácil questionar o Dunga, que escalou o Josué, do que criticar os caras do Copom, com seus vieses de alta e baixa. A recém-encerrada enquete – Qual a editoria mais chata para um jornalista trabalhar? – teve vitória folgada de “Economia”, com 42% dos votos.

Quando a última grande crise financeira estourou nos Estados Unidos e no mundo, muito jornalista ficou com cara de “o que é subprime?” ou “que porra é essa de derivativo?”. Com certeza, teve jornalista que pensou que o Lehman Brothers era um grupo de rap ou uma companhia circense. Trabalhar em Economia exige dedicação, estudar diversos assuntos e, principalmente, ler bastante o próprio noticiário de Economia e conversar com quem entende. É por esta razão que é tida como uma editoria chata.

Lembro-me muito bem de uma jornalista foca, que manjava pouco de Economia. O máximo a que estava acostumada neste campo era fazer a gestão dos trocados que recebia mensalmente, que ela carinhosamente chamava de salário. Fazia contas simples, para saber, por exemplo, a miséria que seria destinada a pagar o aluguel ou às viagens de ônibus. Quando foi parar no caderno de Economia, mal sabia a diferença de milhões, bilhões ou trilhões. Teve de começar a perceber a grandiosidade dos zeros à direita.

Mas ela aprendeu tudo sobre os zeros à direita. E sobre muitas outras coisas mais. Hoje, domina vários assuntos econômicos. No auge da crise, era ela quem explicava aos jornalistas mais jovens da redação o que era a porra do derivativo. Mas, apesar da evolução de seu conhecimento, ela continua cometendo um erro básico, pois não aprendeu que “salário (ainda) de fome + gastos excessivos = cheque especial”.

A nova enquete, já no ar, quer saber qual a maior roubada para um jornalista na cobertura de uma eleição. Falar bem do “candidato do jornal” para manter o emprego? As velhas ladainhas dos políticos? Acompanhar um comício na PQP no domingo que seria de folga? A eleição está aí. Não deixe de votar!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Você é um jornalista ético?


Responda ao teste abaixo e confira o resultado no final. Só não vale mentir!

1) Se alguma fonte lhe pedir off, você:
A) Guarda o segredo, afinal deu sua palavra que não falaria nada.
B) Usa a informação e, depois, dá uma de “João-sem-braço”, justificando à fonte que esqueceu o pedido.
C) Pede à fonte uma boa grana para não abrir a boca.

2) Se um entrevistado tentar te subornar para que você não divulgue uma matéria:
A) Você não aceita a proposta e segue em frente com a publicação do texto.
B) Fica na dúvida e pede um tempo para pensar, afinal está com o aluguel de casa atrasado há três meses.
C) Topa a parada numa boa, mas antes dá uma de durão para conseguir um dinheirinho a mais.

3) Se você encontrar a agenda de telefones do repórter especial do jornal perdida na redação, você:
A) Devolve ao dono sem copiar contato algum.
B) Copia um ou outro telefone de seu interesse, mas devolve a agenda.
C) Pega a agenda para você, afinal o que é achado não é roubado.

4) Você já inventou o depoimento de algum personagem de sua matéria?
A) Nunca. Isso é inconcebível para um repórter.
B) Uma vez ou outra, por necessidade, pois o deadline era curto e as frases não comprometiam ninguém.
C) Já fiz isso várias vezes, pois não tenho saco de ouvir gente sem nada interessante para contar.

5) Você ouve os dois lados da história antes de publicar uma matéria?
A) Sempre, este é um dos princípios básicos do jornalismo.
B) Tento ouvir, mas, se não consigo, coloco no texto que fulano foi procurado, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
C) O único lado que me interessa é o meu.

6) Você aceita jabás?
A) Não, acho esta prática muito promíscua.
B) Se o presentinho for bom, por que não aceitar?
C) Claro, com o salário de fome que eu ganho, qualquer agradinho por fora é bem-vindo.

7) Você publicaria uma mentira apenas para prejudicar alguém?
A) Isso, além de falta de ética, é crime. Jamais.
B) Se este alguém for a minha sogra ou o folgado do meu cunhado, acho até que publicaria.
C) Tenho o poder de escrever o que quiser. Por que não usá-lo?

8) Você é a favor de puxar o tapete de um colega de jornal para se dar bem na carreira?
A) Não, cada profissional deve vencer pelo talento.
B) Sou contra, mas se botarem na minha bunda, devolvo na mesma moeda.
C) Claro, o mundo é dos espertos, principalmente num mercado canibal como o do jornalismo.

9) Você se envolveria sexualmente com uma fonte?
A) Nunca, não misturo trabalho com interesses pessoais.
B) Se a fonte for gostosa, “vamu que vamu”.
C) Sem dúvida, principalmente se a fonte for casada, pois assim tenho uma forma de chantageá-la no futuro.

10) Você se venderia a um empresário rico e desonesto?
A) Jamais.
B) Por quanto?
C) Demorô!


RESULTADOS

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “A”: Parabéns, você é um jornalista ético. Isso significa que seus netos terão orgulho de você no futuro, embora você vá continuar ganhando uma merda no presente. Seu chefe não lhe dará um aumento salarial pelo fato de você ter princípios, porque, embora pareça diferencial, isso é obrigação de todo jornalista.

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “B”: Você tem tudo para se tornar um crápula da imprensa, mas ainda tem cura. Como tratamento (ou penitência), leia na íntegra o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, um documento mais chato do que regulamento interno de condomínio. Se chegar até o final, já é um sinal de boa vontade em mudar.

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “C”: Você já conquistou uma vaga no inferno. Você é a escória da imprensa, um verme nojento que suja a imagem da categoria. É um caso sem salvação. A melhor coisa a fazer é abandonar o jornalismo e tentar a carreira de político. Com certeza, terá muito sucesso.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Somos um caso perdido?


Um novo delírio de Duda Rangel: uma tarde qualquer na sede da Associação dos Jornalistas que Amam Demais a Profissão.

Olá, boa tarde a todos. Meu nome é Teodoro Alencar ou Téo Alencar, como eu costumo assinar as minhas matérias. Aliás, adoro assinar matérias. Bem, esta é a minha primeira vez aqui. Foi um pouco difícil tomar coragem para vir. Eu acho que sou viciado em jornalismo. Eu vivo jornalismo 24 horas por dia. Eu almoço e janto jornalismo. É como se tudo ao meu redor fosse notícia quente o tempo todo. Não consigo parar, me desligar. Minha mulher vive reclamando. “Homem de Deus, por que você não nasceu com o vício do Michael Douglas ou do Tiger Woods?”, ela pergunta. Mas não nasci. Às vezes, eu penso em largar tudo, sei lá, abrir uma pousada em Itacaré ou em Búzios, mas não seria feliz. Morro de medo de, sem o jornalismo, ficar louco, começar a comer pilhas, entendem? Desde que eu fiquei conhecendo o trabalho aqui, me interessei. Queria contar a minha história e conhecer histórias semelhantes de outros jornalistas. Penso até, no futuro, em escrever um livro-reportagem sobre tudo isso. Mas prometo que não cito os nomes de vocês. Podem confiar!

Boa tarde, aos que não me conhecem eu sou a Carol Fonseca. Fiz questão de vir aqui hoje porque preciso compartilhar uma coisa bem legal com todos. Faz um mês que eu não escrevo uma matéria jornalística!!! Tô limpa, gente, tô limpa! (Muitos aplausos). Obrigada! Mas foi difícil, porque, além do trabalho, eu sempre pegava um frila aqui, outro ali. Tudo escondido, claro. Meu namorado, que mora comigo e é fiscal da Receita, perguntava o que eu estava fazendo até tarde da noite em frente ao computador. Ele só ficava sossegado depois que eu mentia. Dizia que estava apenas vendo fotos de homens nus na internet. O jornalismo, quero dizer, o jornalismo em excesso quase acabou com o meu relacionamento. E, como eu sempre fui muito intensa e nunca consegui impor limites para mim, tive de abandonar tudo. Foi muito difícil. (Lágrimas). Mas eu estou bem, gente, hoje estou bem. É sério. Meus amigos também me ajudaram muito, pararam de ligar para oferecer frilas. Eu também parei de ler jornal, ver os telejornais. Vocês acreditam que só ontem eu fiquei sabendo que o Ricky Martin saiu do armário?

Olá. Meu nome é Carlos Eduardo, Duda, Duda Rangel. Esta também é a primeira vez que eu visito a associação. Para falar a verdade e sem querer ofender ninguém, eu não acredito muito neste tipo de ajuda, mas eu estava precisando fazer alguma coisa diferente nas minhas tardes. Estar desempregado e não ter uma TV por assinatura é muito cruel. Mas, enfim, já que eu estou aqui, vamos aos fatos. Meu drama é que, mesmo desempregado, eu não consigo buscar outro tipo de trabalho. Um tempo atrás, um amigo tentou me convencer a virar consultor de vendas, vendedor, de uma marca de filtros de água, mas eu não consegui aceitar a idéia. Ele até falou que tinha uma comissão legal. Quase junto com a perda do meu emprego, eu também perdi a minha mulher. A merda, desculpem a palavra, é que eu sempre senti mais falta da redação do que dela. Tudo bem que a separação foi litigiosa, rolou um ódio grande pela “ex” na época, porque ela me trocou por um moleque de 20 anos. Mas, voltando ao jornalismo, acho que é isso: eu amo demais esta profissão. É meio doentio. Pagam mal, você trabalha pra caramba e, ainda assim, eu gosto. Alguém aqui pode me dizer se sou um caso perdido? (Longo silêncio). Tenho cura? (Mais silêncio). Muito obrigado mesmo pela ajuda! Acho melhor eu voltar para casa já para ver a Sônia Abrão!

Leia também: “Paixões proibidas”

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O homem que não recusava frilas


Assim como aqueles pobres infelizes topavam tudo por dinheiro no programa do Silvio Santos – vendiam as próprias calças em praça pública –, Olavo Marques, jornalista desempregado, topava tudo por um frila. Pouca grana, prazo apertado ou assunto chato não eram problema para ele. Olavão, como era conhecido, sempre foi a salvação de pauteiros e editores de várias redações.

A grana é aquela coisa

- Olavão, tá muito ocupado, querido? Topa um frila?

- Opa, é claro que eu topo. O que manda?

- É pauta bem bacana. Você terá de ouvir uns oito advogados, ou melhor, não precisa ouvir tanta gente assim, não; uns sete advogados já são o suficiente. Mas tem de ser advogado famoso, bambambã. A pauta é sobre a redução da maioridade penal. Além de saber o que eles acham, se são a favor ou contra, quero que você busque um enfoque diferente, sem o blablablá de sempre, entende? Veja com eles também qual seria a idade ideal para uma redução. Dezesseis, quatorze, doze? Porque tem uma pivetada foda por aí hoje em dia, você sabe.

- Sim, sim.

- Você teria de me mandar o texto pronto, redondinho, até amanhã pela manhã, bem cedo. Acha que consegue?

- O prazo está ótimo.

- Agora, a grana é aquela coisa. A gente só pode pagar o valor de matéria com uma fonte, mesmo você ouvindo mais do que uma. Mas é pouca coisa a menos, bobageira, você sabe.

- Não se preocupe! Melhor isso do que nada, não?

Ah, as glândulas adrenais

- Alô, senhor Olavo, tudo bem? É Ellen, da Editora Medicina e Saúde. Precisamos de um jornalista para acompanhar as palestras de um congresso médico, todas as palestras, aliás, para depois escrever artigos técnicos para a revista de uma entidade. O senhor aceita este free lance?

- Opa, é claro que eu aceito.

- O congresso é da Sociedade Brasileira de Combate à Adrenoleucodistrofia. O assunto é gostoso. O senhor vai adorar!

- Tenho certeza disso. Só me fala uma coisa: que doença é essa?

- A adrenoleucodistrofia é uma doença que atinge as glândulas adrenais.

- Ah, claro, as glândulas adrenais!

- É também conhecida como a Doença de Lorenzo. Imagino que o senhor já tenha ouvido falar...

- Lorenzo? Mas é lógico! Grande Lorenzo!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Foi bom pra você?


Relato de um jovem a Duda Rangel.

Chega o tão sonhado dia. Minha primeira vez, aos 22 anos. Não posso falhar. Esperei tanto por isso. A mulher ao meu lado, com o dobro da minha idade, esbanja experiência. Sorridente, segura. Estou ansioso. Que puta frio na barriga! E se eu travar na hora H?

– Faltam três minutos, grita o produtor.

Meu primeiro link. A entrada ao vivo na TV é um desafio radical para um repórter iniciante. Leio minhas anotações no papel. Arrumo o nó da gravata pela décima vez. A entrevistada percebe a minha apreensão. Tenta me acalmar. Não estou tenso, estou muito tenso. Quero dizer, estou cagando de medo. E se eu engasgar quando falar? E se me der um branco? Revejo minhas anotações. Repasso as perguntas que farei para ela. Bate uma vontade louca de ir ao banheiro. Não tenho mais tempo.

– Faltam dois minutos, grita o produtor.

O ambiente também está carregado. O sinal da transmissão oscila. Pode cair a qualquer momento. Testo o som com o estúdio. O retorno está fraco. Por que não fui trabalhar em jornal impresso? A mulher ao meu lado continua sorridente. Já deu muitas entrevistas ao vivo. É só um telejornal regional, penso. Não vou pagar mico para o Brasil inteiro. Com um pequeno espelho, dou uma última olhada no meu visual. Encontro um pelinho tentando fugir do nariz. Desgraçado! Com o dedo molhado em saliva, o coloco para dentro de novo. Aproveito para despachar algumas caspas do meu terno.

– Falta um minuto, grita o produtor.

Meu momento está chegando. Torço para que nenhum engraçadinho passe atrás de mim para aparecer na TV. Concentração total. Acerto a gravata pela décima primeira vez. O retorno melhora. Me posiciono ao lado da entrevistada. É preciso relaxar, apesar da vontade louca de ir ao banheiro.

– Faltam 30 segundos, grita o produtor.

Não há mais tempo para angústia. Agora vai. O sinal está OK. Dou aquela tossidinha básica para mostrar que estou pronto. Conto até 10. O apresentador me chama. Hora de entrar em cena. A entrevista é rápida, rola numa boa. Sem brancos, sem falhas na hora H. Fora do ar, a mulher elogia meu desempenho. Me sinto o fodão do pedaço. Imagino até que estou fumando um cigarrinho ao lado dela depois do link. Foi bom pra você?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Bola na trave não altera o placar


Um olho no campo, o outro na tela do notebook. Era assim que eu cobria um jogo de futebol da tribuna de imprensa do estádio, principalmente nas noites de quarta-feira. O jogo acabava quase à meia-noite e o deadline era apertadíssimo. O juiz apitava o fim e eu tinha uns cinco minutos para enviar o texto para a redação. E, se por um atraso meu a matéria do jogo ficasse de fora da edição, no dia seguinte, meu editor e a torcida dos dois times me xingariam muito, mas muito mesmo. Não dava para bobear. O jeito, então, era assistir à partida e, ao mesmo tempo, escrever o seu relato.

Numa dessas noites de quarta-feira, estava eu num estádio, passando um frio do caralho – a tribuna não era uma sala fechada –, apertando os olhos para driblar minha miopia e enxergar algo naquele campo mal-iluminado e tendo de suportar um joguinho horrível. Vida de repórter esportivo não é fácil. No intervalo do jogo, já havia escrito uns 80% do texto. Vocês já repararam que nos relatos de jogos o primeiro tempo tem sempre mais espaço? Mesmo que todos os gols tenham acontecido no segundo.

A estratégia de deixar o texto quase pronto ainda no intervalo tem lá seus riscos também. O lead naquela noite fria dizia que o empate sem gols resumia bem a mediocridade da partida, sem qualquer emoção. A matéria estava fechada aos 35 minutos do segundo tempo e eu torcia para que nenhum dos times marcasse um gol no tempo que restava. Teria de reconstruir todo o texto.

Acho que, na história do futebol mundial, nunca alguém torceu tanto por um zero a zero como eu naquela noite. A tensão era tão grande que eu até esqueci o frio. Para piorar, o filho-da-puta do juiz ainda decidiu dar uns cinco minutos de acréscimo. Aos 49, a bola foi cruzada na área, o centroavante cabeceou para o chão, com força, no canto do goleiro. Tremi. A bola bateu na trave e saiu. Na tribuna, eu gritei, aliviado, como se comemorasse um gol. Quem disse que repórter esportivo não pode torcer?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O jornalista e o gênio


O jornalista recém-formado caminha pela rua quando reconhece um gênio da lâmpada mágica, sentado num banco de praça, fumando um cigarrinho. Aproxima-se dele e pergunta se teria direito a três pedidos. De mau humor, o gênio, em seus poucos minutos de folga, responde que o esquema agora é realizar um só desejo. Está tão atolado de trabalho que nem tem tido mais tempo de voltar para a lâmpada.

– Sabe, seu gênio, meu sonho é trabalhar na grande imprensa. Não vejo a hora de desfilar num carro de reportagem no meio de uma multidão de curiosos. Acho que vou me sentir o cara mais importante do planeta.

– Olha, chefia, o que mais tem por aí é jornalista pedindo uma boquinha dessas. E, para piorar, as redações estão enxutas. Não vai rolar.

– Bom, se não for em grande imprensa, que seja, pelo menos, um emprego com carteira assinada.

– Carteira assinada? (o gênio dá um sorriso maroto). O que tem saído nesses dias é o sistema PJ e olhe lá.

– Tudo bem. Pode ser PJ desde que o salário seja bom.

– Salário bom? (o gênio quase engasga com o cigarro ao ter uma crise de risos). Você não precisa ser gênio para saber que o mercado tá uma merda!

– Mas você não é o gênio da lâmpada mágica? Não consegue qualquer coisa?

O gênio percebe o clima tenso, controla o riso e pede para o jornalista recém-formado sentar-se ao seu lado no banco.

– Tem um monte de gênio picareta por aí que promete o melhor emprego do mundo para os jornalistas. A fama do William Bonner, o salário do Datena, o assédio de mulheres lindas, prêmios Esso e o cacete. São esses caras que mancham a imagem da minha categoria. O que consigo pra você agora é uma vaga em agência de assessoria de imprensa, com piso salarial e vale-refeição. Você começa amanhã, às 8. Se bobear, tem outro que pega a vaga.

O jornalista recém-formado, feliz, aceita a proposta, levanta-se do banco, agradece o gênio e segue sua caminhada.

– Ah, chefia, não atrasa, não, viu? Você terá cinco contas para atender...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

5 razões para você não desistir de ser jornalista


1. Convença-se de que ser milionário não é tudo. Pouca gente acumula uma fortuna só trabalhando. O lance é não ser escravo do dinheiro e lembrar que vida de milionário também tem suas chatices. Já imaginou como é foda só poder ir à praia cercado de seguranças, como a filha da Xuxa? Viver a neurose de dirigir um carro blindado? Nada como a liberdade do pobre. Posso ser feliz com a pouca grana dos meus frilas. É possível ter dignidade mesmo bebendo Kaiser e com plano de saúde do sindicato.

2. Saiba que o fim da exigência do diploma não é o fim do mundo. Agora que você já malhou o boneco do Gilmar Mendes no sábado de Aleluia e extravasou toda a sua raiva, respire fundo e comece uma nova etapa em sua carreira. Invista em você, seja diferenciado no mercado e desbanque a concorrência descanudada. Não lamente o tempo que você passou na faculdade. Quem não a cursou jamais saberá o que é uma festinha numa república ou uma partida de truco durante a aula de Sociologia.

3. Perceba quando você não saberia ou odiaria fazer outra coisa na vida. Você acha que vai fazer sucesso como garoto de programa com essa barriga ridícula de chope? Você acha que vai abrir a sua assessoria de imprensa e se tornar um magnata da comunicação com essa sua vocação empreendedora de bosta? Você acha que vai ser feliz como corretor imobiliário se detesta tal profissão? Quando você descobre que o jornalismo está no seu sangue, doe-se a ele, apesar de todos os perrengues.

4. Acredite que ninguém morre de tanto trabalhar. Taí o Silvio Santos que não me deixa mentir. O homem do Baú já passou dos 80 anos, cuida de suas empresas, grava programas na TV, interage com as colegas de trabalho, vai ao Jassa e, quando chega em casa à noite, ainda dá um pega na dona Íris. Ops, acho que exagerei nesta última parte! E jornalista, mesmo com os plantões, tem o privilégio de viver uma rotina sempre nova e muito mais excitante do que a de um burocrata do mercado financeiro.

5. Descubra que ser jornalista tem lá suas vantagens. Quem não adoraria viver e construir a História, saborear experiências reservadas a poucos, ter o poder da palavra, ganhar o elogio de um leitor que adorou a sua matéria? E, principalmente, quem não curtiria um jabazinho, uma viagemzinha, um convite vip e uma boca-livre aqui e ali?


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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Existe pauta após a morte?


O jornalista chegou à entrada do Céu com pressa, a mesma pressa que sempre teve quando era vivo – aliás, se não fosse por ela, teria, ao menos, olhado para os lados antes de atravessar a rua no fatídico dia. Mas isso não vem mais ao caso. Tentou avançar rapidamente pela porta do Céu, mas foi barrado por São Pedro.

- O que você quer aqui, filho de Deus?

- Bom dia, São Pedro. Então, tô com uma matéria urgente. Preciso apurar se existe vida após a morte! E, aproveitando que você falou em Deus, também quero uma exclusiva com Ele.

São Pedro franziu a testa. Disse que, para entrar no Céu, era preciso estar credenciado. Aquela carteirinha da Fenaj que o jornalista segurava nas mãos não tinha o menor valor lá. E, para conseguir a tal credencial celestial, o jornalista deveria preencher um formulário, pagar uma taxa e apresentar uma ficha de antecedentes criminais jornalísticos.

- É para saber se você, em vida, não aceitou nenhum suborno para deixar de publicar uma matéria ou se difamou um pobre inocente, explicou São Pedro.

Sobre a exclusiva com Deus, o santo disse que era necessário entrar em contato com o assessor de imprensa d'Ele e tentar uma vaga na disputada agenda. Muitos jornalistas estavam na fila. O jornalista, muito vivo, apesar de morto, deu sua última cartada.

- São Pedro, façamos um trato: você me libera a entrada já e eu prometo que, quando escrever o texto, te encaixo na matéria. Falo bem de você, desse trabalho bacana que você desenvolve aqui na portaria. Aliás, que barba a sua, hein? Bem moderna!


Na pesquisa que acabou de ser encerrada – Qual dos epitáfios de jornalista é o mais espirituoso? –, a alternativa “Enfim vou poder apurar se existe vida após a morte” ganhou com 43% dos votos. A nova enquete, já no ar, quer saber qual a editoria mais chata para um jornalista trabalhar. Não deixe de votar!