quarta-feira, 30 de junho de 2010

A metamorfose


Quando o jovem advogado Gregório despertou certa manhã de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de jornalista.

A descoberta de sua nova condição deu-se lentamente. A princípio, notou que seus cabelos estavam longos e desgrenhados. A barba também estava bastante crescida. Coisa estranha. Logo ele que desde muito cedo aprendera a ser zeloso com o visual. Assim que entrou na faculdade de Direito, seu pai, um ilustre juiz, o ensinou a ter vários cuidados com a aparência. Há muito tempo, Gregório era o principal cliente de gel para cabelos da farmácia mais chique do bairro. Agora não passava de um ser asqueroso.

Ao se ver no espelho, percebeu também que tinha grandes olheiras e uma barriga proeminente, barriga de chope, com certeza. Aliás, fedia a álcool e a cigarro. Com aquela silhueta grosseira, não conseguiria vestir seus elegantes ternos italianos. Ao menos agora, como jornalista, sentiu-se desobrigado a vestir qualquer coisa elegante. E sufocante.

Apesar de todas as mudanças físicas, só se deu conta de que era um jornalista mesmo quando viu alguns bloquinhos de anotações sobre a mesinha ao lado de sua cama. Era, sim, a sua caligrafia, apenas mais nervosa e distorcida. Na mesa também havia uma caneta Bic toda fodida (com a tampa mordida), um gravador, uma carteira da Fenaj falsificada e um pen drive com uma logomarca qualquer, do tipo que se ganha em coletivas de imprensa.

Gregório deitou-se na cama novamente, pegou os bloquinhos de anotações e começou a ler as histórias ali escritas. E assim passou dias e mais dias preso no quarto. O grande choque foi mesmo para sua família. Seus pais, um ilustre juiz, como já dito anteriormente, e uma ilustre desembargadora, não aceitavam a metamorfose do filho. Aquele ser barbudo, barrigudo, com olheiras e, principalmente, sem gel nos cabelos lhes causava grande repulsa. Fizeram de tudo para que o primogênito fosse um advogado notável, praticamente o obrigaram, ou melhor, o obrigaram totalmente, e, agora, esta triste mudança.

A única pessoa da família que não o abandonou foi sua irmã. A moça incumbiu-se de alimentar Gregório. Era ela quem levava diariamente ao quarto do irmão suas refeições de jornalista, como porções de calabresa afogada no óleo, coxinhas de galinha e, eventualmente, um filé mignon ao molho madeira. No quarto, Gregório já havia lido e relido todos os seus bloquinhos. Os cabelos e a barba estavam ainda mais longos.

O sofrimento dos pais de Gregório cessou quando eles conseguiram convencer o filho caçula, ou melhor, quando eles obrigaram o filho caçula a estudar Direito. O menino desistiu do sonho de cursar artes cênicas e tornou-se a salvação da família. Alguém tinha de ser o orgulho do papai e da mamãe. Assim, Gregório foi esquecido pelos pais. Um dia, quando a irmã abriu a porta de seu quarto, com uma porção de frango frito com polenta, encontrou Gregório morto na cama, com um livro de Marshall McLuhan aberto sobre o peito. Enquanto isso, o caçula começava a se tornar o mais novo principal cliente de gel para cabelos da farmácia mais chique do bairro.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O jornalista e o Twitter


Quando vi o Twitter ser capa da revista Veja, refleti: “Será que está faltando assunto? Será que está faltando denúncia contra o PT?”. Mas não. A questão é que o Twitter tornou-se realmente um canal de comunicação interessante e “barulhento”, tanto que até um velho como eu, jornalista que aprendeu a produzir notícias em máquinas de escrever, criou uma conta por lá (@duda_rangel).

A nova enquete deste blog tem a ver com o Twitter. Que hashtag melhor definiria a vida de um jornalista? Para quem não sabe, hashtag é uma palavra-chave ou uma expressão que explica e resume uma informação, uma idéia, uma campanha. Ajuda na classificação e na busca das mensagens postadas. As opções de hashtag desta enquete são variadas: #CadeOMeuAumento, #PlantaoDeMerda, #RIPMeuDiploma, #DiaSemReleaseTrash, #SouMasoquistaMesmo e #PrecisoDeUmCafeUrgente. Escolha suas preferidas! Você pode votar em mais de uma alternativa.

A pesquisa que acabou de ser encerrada – O que os jornalistas deveriam fazer nas tribunas dos estádios da Copa do Mundo para escancarar o seu lado torcedor? – teve vitória da alternativa “Mijar num copinho plástico d’água e jogar na cabeça dos jornalistas argentinos”, com 44% dos votos. Na segunda colocação, com 25%, ficou a opção “Levar uma geladeira de isopor cheia de latinhas de cerveja”. Sem dúvida, eram as alternativas favoritas, afinal quem não gosta de uma cervejinha e de sacanear um argentino?

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Acho que ando ouvindo vozes


É você que folgaria no próximo fim de semana?

Quatro da manhã! São horas de voltar pra casa?

Solta logo esse texto, porra!

Desculpe, mas o doutor ainda vai demorar umas duas horas na reunião. Quer esperar sentado?

Veja bem, o jornal está passando por uma reestruturação e vamos ter de demitir alguém.

Querido, tenho uma pauta muito legal. Já te mandei o release.

Preparado pro pescoção?

Sua credencial, senhor, por favor.

Já tava indo embora? Foi mal, mas acabou de pintar esta pauta.

Então, só vai rolar o dissídio mesmo este ano. Nada de aumento.

O Pelé morreu? No meu plantão? Não diz isso nem de brincadeira!

Desculpe, mas ele já foi embora. Liga amanhã bem cedinho, tá?

Você só tem 20 linhas. Sei lá, se vira, corta pelo pé.

Meu Deus, quem é aquela estagiária nova?

Quinze minutos pra fechar, minha gente, quinze minutos.

Eu falei, meu filho, estuda Engenharia.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O sexo e o jornalismo


Conheça algumas expressões geralmente ligadas ao ato sexual – ou à sacanagem, se você preferir – que também estão presentes no universo dos jornalistas.

As preliminares
Os repórteres de televisão dão uma atenção mais especial às preliminares. Antes da entrada ao vivo ou de gravarem uma passagem para a matéria, arrumam os cabelos, retocam a maquiagem, checam se o feijão do almoço não persiste entre os dentes. Alguns, mais atenciosos, fazem aqueles exercícios de aquecimento das cordas vocais. E o mais importante para que tudo role de forma mais prazerosa e no timing certo é não esquecer de contar “um, dois, três” antes de entrar. Alguns focas, ansiosos, pulam toda esta etapa de preliminares e vão direto ao link ou à gravação. É a chamada ejaculação jornalística precoce.

A masturbação
O jornalista conseguiu apurar informação para, no máximo, 20 linhas, mas ganhou um espaço de 40 linhas para escrever sua matéria. E agora, o que fazer? Haja imaginação! Discreto, o jornalista afasta-se dos colegas para poder concluir o texto. Senta-se em frente ao computador, fecha os olhos e começa a inventar qualquer coisa. Fica ofegante ao finalizar um lead com 15 linhas. Muitos jornalistas, quando acabam o ato masturbatório, sentem-se culpados ou frustrados. Colunistas também são grandes adeptos da prática. Outra forma clássica de onanismo jornalístico é quando o repórter não tem nada para fazer, mas deve passar a tarde inteira na redação. Fica lá de bobeira, sozinho, tentando se excitar com informações que chegam das agências de notícia.

Foder com segurança
Nos tempos atuais, cheios de doenças perigosas e outras ameaças, como o “processo por danos morais” ou a “demissão indesejada”, todo cuidado é pouco para os jornalistas. Portanto, antes de publicar uma denúncia, certifique-se de que a fonte disse aquilo mesmo que você escreveu, certifique-se também de que o denunciado não é um importante anunciante ou amigo do dono de seu jornal, não esqueça o outro lado (com carinho, é claro, para não machucar) e, principalmente, jamais deixe de usar um gravador com entrevistados dos grupos de risco.

O coito interrompido
Faltam poucos minutos para o fechamento, o repórter está com o texto quase pronto. Confere uma última anotação em seu bloquinho, passa o corretor ortográfico, arredonda o título. Excitado, tem os músculos tesos e suor na testa. Está quase chegando ao fim, sim, está quase chegando, vai apertar o “enter” para liberar o texto, yes, baby, está quase lá, quase apertando o “enter”. Mas, neste momento, seu editor, ao longe, grita: “Porra, Duda, esquece que a matéria não vai entrar mais. Pintou um anúncio bom de última hora”.


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segunda-feira, 21 de junho de 2010

O poder de adaptação do jornalista


Quando entrou no jornal, há mais de 10 anos, Alfredo era um repórter feliz. Fazia parte de uma equipe de 15 jornalistas em seu caderno. Mas como a vida de repórter é sofrida, Alfredo viu a direção do jornal baixar um passaralho para reduzir custos e cortar a cabeça de 10 colegas. Alfredo sobreviveu e precisou se adaptar à nova rotina, em uma redação bem mais enxuta.

Quando entrou no jornal, há mais de 10 anos, Alfredo era um repórter que não se matava de tanto escrever, apesar de estar em hard news. No máximo, uma matéria por dia, com tempo para uma boa apuração. Mas como a vida de repórter é sofrida, Alfredo sentiu o peso de uma equipe menor. Começou a fazer em média três reportagens diárias. No início, foi difícil, não conseguia respirar, mas hoje já se acostumou ao duro processo industrial.

Quando entrou no jornal, há mais de 10 anos, Alfredo era um repórter que trabalhava 7 horas por dia, de acordo com o que determinava seu contrato de emprego. Mas como a vida de repórter é sofrida, Alfredo passou a trabalhar 12 horas diárias, afinal a equipe estava reduzida e ele tinha matérias pra cacete para escrever. Deixou de ter vida social. Mulher e amigos lamentaram. Aos poucos, porém, pôde se enquadrar nesta nova realidade.

Quando entrou no jornal, há mais de 10 anos, Alfredo era um repórter que adorava sair para a rua. Descobriu grandes pautas em suas andanças. Mas como a vida de repórter é sofrida, Alfredo teve de ficar, com o tempo, preso em sua mesa na redação, numa equipe de cinco repórteres, escrevendo em média três matérias por dia, trabalhando 12 horas, sem vida social e tendo de apurar suas reportagens por telefone e e-mail. Sentiu-se um passarinho na gaiola, mas resistiu a mais uma mudança.

Quando entrou no jornal, há mais de 10 anos, Alfredo era um repórter com carteira assinada. Mas como a vida de repórter é sofrida, Alfredo foi demitido e recontratado pelo jornal como pessoa jurídica. Agora, trabalha numa equipe de cinco repórteres, escreve em média três matérias por dia, em 12 horas de trabalho, sem vida social, apura suas reportagens por telefone e e-mail, preso numa redação, sem férias, 13º salário e outros benefícios. Ficou puto da vida, mas precisava muito do emprego. Hoje, nem reclama mais de ter perdido os direitos trabalhistas.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A máquina de café


Jornalista vive sem plano de carreira, sem reajuste salarial decente, sem folga, mas jamais viveria sem a máquina de café por perto. A máquina de café deveria ser tombada como patrimônio histórico da redação. Não é um simples objeto inanimado. Faz parte de nossa equipe de trabalho, fiel e companheira, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na pobreza... e na pobreza dos jornalistas, todos os dias, a qualquer hora.

A máquina de café é inspiradora. Tem um poder milagroso de acabar com os nossos bloqueios criativos. Ao seu lado, nascem idéias de pauta, de leads, de manchetes. A máquina de café é fonte de energia para quem vai enfrentar um longo pescoção, reduto de peregrinação constante dos que estão com os olhos quase fechando de sono, mas ainda têm muito a escrever antes de partir.

A máquina de café é ponto de encontro dos colegas de redação, para relaxar a mente, dar aquela alongada no corpo sedentário, rir à vontade, fofocar, paquerar, desabafar, mandar o chefe FDP para a PQP. Quem disse que jornalista não tem vida social? E o melhor: ao contrário dos motoristas de jornal, as máquinas de café são confiáveis, escutam tudo e não ficam espalhando a intimidade alheia por toda a redação.

A máquina de café é imexível, como diria aquele antigo ministro do Trabalho. É um direito adquirido pelos jornalistas. Que nenhum dono de periódico ouse retirar uma máquina de café de uma redação. Seria uma afronta, o mesmo que um diretor de presídio proibir a visita íntima aos encarcerados. Sem a máquina do café, os jornalistas se rebelariam. Ficariam amotinados, ameaçariam colocar fogo em suas mesas, seqüestrariam os assessores de imprensa que estivessem no local e matariam um por um, a cada 30 minutos, começando pelos mais chatos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Diploma de jornalista: aniversário de morte


No dia 17 de junho de 2009, ou seja, há um ano, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, com os mais nobres objetivos democráticos e gastronômicos, decidiu acabar com a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Lembro que, naquela noite, foi muito difícil suportar a dor da perda.

A primeira reação que muitos seres humanos têm em relação à morte – neste caso a morte do diploma – é a negação. Quando soube da notícia, não acreditei, achei que fosse pegadinha. Só podia ser, afinal quem poderia fazer, de forma séria, a comparação entre um jornalista e um cozinheiro? “Esse Gilmar Mendes é mesmo um fanfarrão”, pensei, na solidão de meu lar. Mas logo um amigo me telefonou e confirmou a morte. Não era brincadeira, não havia câmeras escondidas em meu apê.

“Esse Gilmar Mendes é mesmo um filho-da-puta”, pensei, novamente na solidão de meu lar, tão logo meu amigo desligou o telefone. Esta é a segunda reação à morte: a raiva. A exemplo de muita gente, tive vontade de ir até Brasília e invadir o STF com uma arma na mão. “Anos dedicados a uma faculdade de Jornalismo e agora, meritíssimo senhor Gilmar Mendes, descubro que meu diploma vale tanto quanto a minha vizinha do apê ao lado. Ou seja, nada. É isso que o senhor tem para me dizer?” E, depois, apertaria o gatilho.

Mas, assim como a negação, a raiva também passou e cheguei à terceira e última fase: a aceitação da morte. Claro que posso sobreviver sem o diploma. Já perdi tanta coisa nessa vida e sobrevivi. Só nos últimos tempos perdi minha mulher para um office-boy, meu emprego e a convivência diária com o Nestor. E não morri. Jornalistas estão mais acostumados a perdas do que a ganhos. E mais: jornalistas estão acostumados a sobreviver. Um ano após a morte do diploma, acho que cumpri meu luto. E aquela história de querer virar cozinheiro sem diploma e abrir um restaurante era tudo bobagem. Birra pura.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O jornalista de cada signo


O de Áries, ao ouvir o assessor de imprensa informar que o ministro não poderá atendê-lo naquele momento, diz: “Quero falar com o filho-da-puta do seu chefe agora, entendeu?”.

O de Touro não se importa em ficar horas em plantões em hospitais, delegacias e fóruns sem fazer nada. Aproveita para tomar uma cervejinha e beliscar umas comidinhas.

O de Gêmeos, para conseguir a tão importante informação, promete “off” à sua fonte pela manhã, mas, à tarde, muda de idéia e decide publicar a matéria assim mesmo.

O de Câncer, ao ver o José Roberto Arruda chorar e alegar inocência, fica sensibilizado, também chora e acredita que a imprensa está sendo injusta com aquele homem bom.

O de Leão é tão focado em ser o fodão do jornal que sempre briga pelas melhores pautas. É também aquele que adora exibir a credencial e dizer: “Você sabe com quem está falando?”.

O de Virgem fica mal quando é escalado para a pior pauta do dia, entra em depressão quando seu texto é criticado pelo editor e pensa em suicídio quando leva um furo da concorrência.

O de Libra não sabe se trabalha na mídia impressa ou na TV, no caderno de Cultura ou no de Política, como repórter ou redator. Acaba desempregado ou vira assessor de imprensa.

O de Escorpião fica puto com a cantora que não lhe deu a informação de sua gravidez com exclusividade e publica notícia falsa de que o pai da criança é o empresário e não o marido.

O de Sagitário adora pautas perigosas, como entrevistar um assassino lunático numa cela de prisão, sozinho, ou assistir a um show da Banda Calypso, sem proteção para os ouvidos.

O de Capricórnio, antes de seguir para a pauta, checa se a roupa está limpa, se o gravador tem pilha, se a caneta tem tinta, se o bloquinho tem folhas brancas, se o endereço está certo.

O de Aquário acredita que pode, com suas palavras, criar um mundo melhor e mais justo. Mas perde o emprego ao denunciar o empresário bandido que anuncia no jornal em que ele trabalha.

O de Peixes sonha fazer a grande reportagem de sua vida e, assim, conseguir o tão cobiçado Prêmio Esso. Esquece apenas que, antes disso, precisa arrumar um emprego.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

As matérias mais manjadas de Copa do Mundo


Os cadernos de Esporte dos jornais ou os programas do gênero na TV são uma espécie de Série B ou Segunda Divisão do Jornalismo. Estão bem longe do status do Primeiro Caderno de um jornal, que fala, principalmente, de Política. Mas na Copa do Mundo a coisa muda. O Caderno de Esportes torna-se o mais importante, ganha mais páginas, mais anunciantes.

Repórteres de outras editorias são chamados para uma força-tarefa. Colunistas que não entendem porra nenhuma de futebol aventuram-se a discorrer sobre esquemas táticos. Na TV, os jornalistas esportivos sofrem um choque de elegância e trocam as camisas pólo pela roupa chique. Ficam bonitos, mas não escondem o desconforto com o terno e a gravata.

Preencher tantas páginas dos jornais e tanto espaço na TV apenas com matérias de futebol seria uma grande chatice, então sobram “enfoques diferenciados”. O que falta é criatividade. Confira as matérias mais manjadas de Copa do Mundo, que você com certeza já viu em Mundiais passados e está vendo na edição sul-africana.


Jogadores de búzios, tarólogos, videntes e enganadores em geral apontam quem vai ganhar a Copa. Como cada um indica uma seleção diferente fica difícil saber em quem acreditar.

As torcedoras elegem os jogadores mais gatos do Mundial. Destaque para os que têm as coxas mais grossas e os cabelos mais estilosos. Retranca especial com os atletas italianos.

Os profissionais que não podem assistir aos jogos do Brasil porque estão trabalhando, como policiais, médicos, os caras da empresa de energia elétrica e, claro, vários estagiários.

As insuportáveis matérias sobre os colecionadores de figurinhas dos jogadores da Copa, com o ainda mais insuportável enfoque dos “adultos que viram crianças”.

Gente que não curte futebol. As pessoas que, enquanto está todo mundo enchendo a cara e torcendo pelo Brasil, assistem a um ciclo de filmes poloneses ou visitam um museu vazio.

O comércio de todo tipo de artigo ligado à seleção do Brasil, de bandeirinhas e roupinhas para cachorro a camisinhas falantes que, uma vez vestidas, dizem “pentacampeão”.

Flashes por todo o País de locais públicos com a aglomeração de torcedores durante o jogo do Brasil. Gente de peruca, segurando imagens de santos e, claro, várias gostosas.

Jogadores brasileiros de outras Copas palpitam e falam merda à vontade. Artistas, políticos e outras personalidades não ficam atrás e também palpitam e falam merda à vontade.

Torcedores supersticiosos ensinam mandingas que ajudarão o Brasil a ganhar a Copa, como aquele Zé Mané que assiste a todos os jogos com a mesma cueca verde-amarela fedorenta.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Jornalistas em extinção


No mundo selvagem da imprensa, algumas espécies de jornalistas, ameaçadas de extinção, lutam pela sobrevivência. Fica aqui uma ótima sugestão de pauta para o Globo Repórter, que adora falar de animais exóticos.

Jornalista-que-lê-muito – É uma espécie cada vez mais rara nas redações brasileiras. Uma subespécie muito famosa é o jornalista-da-mão-escura, conhecido por ter as mãos sujas pela tinta do papel dos jornais. Costuma devorar periódicos impressos e é atraído pela boa literatura. Sua principal característica é estar sempre bem informado e ter uma vasta cultura geral. O jornalista-que-lê-muito tem como maior predador o jornalista-alienado-do-iPod-dourado, espécie cujas atividades intelectuais principais são ouvir música e dedicar-se a joguinhos virtuais como Mafia Wars ou FarmVille. Pesquisadores têm dificuldade de encontrar o jornalista-que-lê-muito, que passou a viver isolado e escondido. A espécie é socialmente discriminada, uma vez que ainda não criou uma conta no Twitter, nem um perfil no Facebook.

Jornalista-de-vida-desregrada – Conhecida por seus hábitos boêmios noturnos, regados a álcool, cigarro e porções de calabresa, esta espécie tem perdido espaço para um novo grupo de jornalistas preocupados em levar uma vida mais saudável. A nova geração, careta pra cacete, caga de medo desse papinho chato de colesterol ruim, bom, colesterol mais ou menos, triglicérides e o escambau. Os bares de quinta categoria, hábitat natural do jornalista-de-vida-desregrada – cuja subespécie mais famosa é o jornalista-com-barriga-de-grávida, cultivada por muito chope –, estão cada vez mais vazios. A espécie em ascensão, o jornalista-natureba-do-rabo-malhado, costuma freqüentar restaurantes irritantemente limpos e sem gordura trans. Com a iminente extinção do jornalista-de-vida-desregrada, há também o risco de serem dizimadas as filosofias de botequim e as maledicências em geral.

Jornalista-que-vive-na-rua – Está cada vez mais difícil ver esta espécie de jornalista, que antigamente era livre para sair pela cidade em busca de notícia, solta por aí. Hoje, vive presa nas redações. Estes jornalistas apuram matérias por telefone, fazem entrevistas por e-mail e têm no Google a principal fonte de pesquisa para suas matérias. Alguns jornalistas da nova geração já nascem em cativeiro e têm pouca chance de sobrevivência quando vão para as ruas sozinhos. São os chamados jornalistas-da-bunda-quadrada, que passam grande parte do dia sentados numa cadeira. Analistas do comportamento comprovaram, após estudos, que o jornalista-que-vive-na-rua tem paixão pela pauta inesperada, por coisas vivas, dinâmicas, enquanto o jornalista-da-bunda-quadrada adora – mas como adora – um release.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Copa do Mundo liberta o jornalista!


Há uns raros que assumem a paixão clubística publicamente, mas os jornalistas esportivos, no geral, preferem não revelar o clube de coração. É claro que todos têm um clube de coração, porque, muito antes de serem jornalistas, todos já eram torcedores. Mas os profissionais quase decentes do esporte não gostam de misturar as coisas. Jornalismo exige isenção e credibilidade. Então por que não fazer um esforço para fingir credibilidade?

A preocupação em ser isento, ou melhor, em parecer isento, tem uma exceção: a Copa do Mundo. Nos Mundiais, os jornalistas mandam a hipocrisia para a casa do caralho e torcem pelo Brasil sem o menor pudor. Aliás, jornalistas de vários países torcem por suas seleções na maior cara dura. As tribunas de imprensa dos estádios da Copa chegam a lembrar, em alguns momentos, a geral do Maracanã. A única diferença é que os jornalistas não carregam imagens da Nossa Senhora da Aparecida nos ombros.

Todo mundo critica o ufanismo do Galvão Bueno, mas tem muito jornalista brasileiro em Copa do Mundo que canta o hino nacional com a mão no peito. Se estivesse num fórum mundial sobre direitos humanos ou igualdade social, ele teria até vergonha de dizer que é brasileiro, mas, na Copa Mundo, tem é orgulho. Veste, inclusive, uma camisa amarela para aumentar a identificação. Jornalista brasileiro nos estádios da Copa xinga o juiz, o técnico retranqueiro, o zagueiro perna-de-pau e os jornalistas do país adversário que, sem a menor ética – “que ridículos” –, também torcem pela seleção de seu país.

A nova enquete do blog, em ritmo de Copa do Mundo, quer saber que comportamento deveriam adotar os jornalistas brasileiros nas tribunas de imprensa dos estádios na África do Sul para escancarar este lado torcedor. Levar uma geladeira de isopor cheia de latinhas de cerveja? Mijar no copinho d’água e jogar na cabeça dos jornalistas argentinos? Criar musiquinhas como “eu sou jornalista brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”? Promover a “ola” com seus notebooks nas mãos? Bons votos!

A pesquisa que acabou de ser encerrada – O que você faria caso seu filho (ou futuro filho) revelasse que, assim como você, também quer estudar jornalismo? – teve a vitória da alternativa “Eu o apoiaria, afinal é uma profissão digna e apaixonante”, com 37% dos votos. Mas como todas as outras três alternativas eram contrárias à transmissão da profissão para a geração seguinte, posso dizer apenas uma coisa: há controvérsias.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Crônica sobre o bloquinho de anotações


O bloquinho de anotações está para o jornalista assim como o estetoscópio está para o médico, o cassetete está para o policial, a bolsinha está para a puta e o gel para os cabelos está para o advogado. Por mais que a tecnologia avance, com seus palmtops e celulares de última geração, jornalista que é jornalista tem um bloquinho tosco, de preferência aqueles com espiral, papel de quinta categoria e o nome da empresa na capa.

Os jornalistas deveriam tratar com carinho o seu bloquinho, como o jogador de futebol que beija a bola antes de bater o pênalti, mas muitos são extremamente desleixados. Deixam o coitado tomar chuva, cair na lama, ser lambuzado por gordura de comida. Há também alguns jornalistas, do sexo masculino naturalmente, que costumam carregar os bloquinhos no bolso de trás da calça jeans. Além de oprimir a bunda gorda, aquela calça apertada faz o bloquinho perder todo seu charme. Não sei o que é pior: isso ou a velha pochete na cintura.

A caneta, companheira do bloquinho nas reportagens, nunca despertou em mim admiração. Ela é promíscua, passa de mão em mão e, na maioria das vezes, perde-se no mundo. E, quando quer, adora sacanear o jornalista. Já repararam que a caneta sempre falha no momento em que você precisa anotar uma declaração bombástica de alguém? Isso é coisa pensada, premeditada, trairagem das grandes. Nunca criei uma relação afetiva com as canetas. Quando os bloquinhos terminam, costumo guardá-los como lembrança. As canetas secas vão para o lixo.

No meu apê, ainda tenho bloquinhos de anotações velhos em caixas de sapato. Em suas páginas estão telefones de fontes que deveriam ter sido passados para a agenda. Mas eu nunca passei. Quando preciso de um destes números tenho de folhear os bloquinhos até encontrá-lo. Os garranchos escritos de forma apressada nos bloquinhos velhos contam um pouco de minha história como jornalista e são a prova de quão rápida, intensa e louca é essa vida. Aliás, como será que um jornalista consegue compreender uma caligrafia tão incompreensível?