segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Estatuto do Jornalista


É direito de todo jornalista...

Gozar da liberdade de ir e vir, principalmente na área vip de festas ou grandes espetáculos.

Receber jabás decentes, e não canetinhas e agendinhas vagabundas com logo de empresa.

Ter assegurada uma alimentação digna em coletivas de imprensa e não ser segregado a uma mesa ao fundo, juntamente com o motorista do jornal.

Se entupir de comidas gordurosas sem que ninguém encha seu saco com aquele papo de que vai enfartar aos 35 anos.

Ter acesso a uma máquina de café a uma distância máxima de 20 metros de sua mesa de trabalho.

Trocar a redação pelo trabalho em assessoria de imprensa sem ser discriminado pelos colegas de profissão.

Ficar com o ego massageado ao emplacar uma matéria de capa.

Ter apoio psicológico caso sofra ofensas que atentem contra sua integridade moral, como ser chamado de cagão, jornaleiro ou reporterzinho de merda.

Ter acesso a atividades esportivas, como partidas de sinuca e pôquer, valendo ou não dinheiro.

Dar um cochilo em pautas chatas, como simpósios médicos, debates na Comissão de Ética do Senado e palestras motivacionais de algum guru indiano.

Fazer parte de programas de inclusão sexual – a exemplo do “trabalhe menos e trepe mais” –, como forma de promover a perpetuação da espécie.

Ficar em cela especial na prisão, com TV a cabo, frigobar e cama king size, mesmo que o diploma não valha mais porra nenhuma.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ah, essa nossa versatilidade


Como diz aquela famosa frase daquele famoso livro: “No princípio, Deus criou os céus, a terra e a jornada dupla (ou tripla) de trabalho para os jornalistas”.

Amanda passa o dia inteiro na redação, apurando, escrevendo, ajudando no fechamento. À noite, quando deveria descansar, dedica-se à carreira de escritora amadora. Sonha levar a coisa mais a sério um dia, perder a timidez, publicar seu livro de poemas, sobreviver de literatura, mandar o jornal à merda. Quando sobra um tempo, ainda ajuda a mãe a fazer artesanato em mosaico para vender na feirinha da Benedito Calixto.

Alex adoraria que seu dia tivesse 36 horas, única forma de poder conciliar o emprego de subeditor de um site sobre cinema com os vários frilas. Nos raros momentos de ócio na redação, aproveita para usar o telefone do patrão e escrever as matérias que faz por fora. Assina seus frilas com pseudônimos. Aliás, adora escolher pseudônimos. O último foi Raimundo Coppola, uma homenagem simultânea ao avô cearense e ao cineasta americano.

Repórter de uma revista mensal sobre variedades, Érica assumiu, recentemente, o cargo de “diretora de Comunicação” do grupo de empresas de sua família, que inclui duas lojas de 1,99 no centro da cidade e um açougue decadente. Vive dizendo ao pai que, sem estratégias de comunicação modernas e eficientes, o grupo irá à falência. Ganha uma remuneração bem baixa pelo nobre cargo de diretora, mas família é aquela coisa, né?

Desde que Boninho passou a reservar uma cota para jornalistas no Big Brother, o assessor de imprensa Jonas dedica as noites a criar artimanhas para conseguir vaga no programa. Sabe que o futuro dos jornalistas está nos reality shows. Planeja vídeos de inscrição. A imitação de William Bonner apresentando o JN de cueca tinha tudo para encantar, mas não deu certo. A de moça do tempo gostosa também naufragou, apesar do strip-tease no fim.

Heitor, cujo trabalho oficial é o de editor de imagens num programa esportivo de TV, descobriu que consegue ter um bom complemento de renda como professor de jornalismo. Começou com aulas de telejornalismo, sua área, empolgou-se e hoje também é responsável pelas disciplinas Teorias da Comunicação, Filosofia e Rádio. Não é um profundo conhecedor das disciplinas, mas a faculdade também não é lá essas coisas.

César Luís chega à emissora de rádio apenas à tarde para comandar o programa “A Notícia em Sua Casa” e aproveita as manhãs para fazer um bico no Supermercado Princesa. De óculos escuros e microfone na mão, é o locutor responsável por anunciar as promoções. “Vamos aproveitar, dona de casa, que hoje é o dia do peixe barato aqui no Princesa. O filé de merluza tá com preço especial. Tá esperando o quê, minha senhora?”

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Cancioneiro jornalístico


Do Gutenberg ao portal – Tim Maia

Você não soube apurar – Blitz

O bêbado é o jornalista – Elis Regina

Geração Copia-e-Cola – Legião Urbana

Repórter velha (é que faz matéria boa) – Sérgio Reis

É bom para o jornal – Rita Cadillac

Chuva de pauta – Gal Costa

Pescoções psicodélicos – Lobão

É proibido filmar – Roberto Carlos

Não deixe o impresso morrer – Alcione

Tomar café (café não costuma faiá) – Gilberto Gil

Ilusão de estudante – Milton Nascimento

Codinome Assessor – Cazuza

Agora só falta escrever – Rita Lee

Liberdade pra dentro da imprensa – Natiruts

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Não basta ser mãe


Dona Maria torceu o nariz quando a filha, Luiza, revelou que seria jornalista. Só ficou mais calma quando Luiza explicou que a profissão dava futuro, sim! Disse mais: um dia, seria famosa, trabalharia numa TV – quem sabe na Globo? –, e sua mãe teria o maior orgulho dela. O emprego na Globo nunca chegou, mas Luiza, depois de perambular por umas publicações impressas, virou repórter em um canal fechado especializado em informações para o mercado financeiro.

- Mas, minha filha, alguém vê este canal?

- A senhora quer saber quem assiste? A nata do mercado financeiro! Só gente bambambã, os caras cheios do dinheiro.

Dona Maria sentiu-se novamente mais calma. Teve de ampliar a venda de produtos da Avon às amigas para conseguir pagar a assinatura de uma TV a cabo. Não queria perder um programa com as reportagens da filha. Mudou a rotina. Sentada no sofá, não piscava os olhos. Vez ou outra tinha a companhia da faxineira que ficava em pé ao seu lado, apoiada na vassoura.

- Ô, dona Maria, o que é comode?

- Não é comode, Cleuza! É comodite!

- E o que é isso?

- Eu sei lá o que é isso. Vai trabalhar, Cleuza, vai, vai...

Dona Maria não sabia o que era commodity, hedge fund ou alavancagem, mas isso tudo não importava. O que importava era ver Luiza todo dia em seus boletins financeiros. Chegava a fazer cafuné na cabeça da filha pela tela da televisão. Beijar suas bochechas. Checava se a maquiagem estava correta. Dona Maria sabia até quando a filha havia dormido mal – as olheiras não mentiam –, ou quando estava triste – pela melancolia de sua voz.

- Mãe, eu tô bem, sim. A minha voz estava triste, porque a notícia era ruim. Só isso. A gente só se empolga quando o fato é positivo. Pode ficar calma.

Dona Maria passou a gravar os programas da filha e fazer a maior propaganda de Luiza pela vizinhança, pros parentes, pras amigas que compravam Avon. E ai de quem ousasse falar mal da filha.

- Eu nunca vi a Luiza, dona Maria. Onde ela trabalha mesmo?, quis saber Laura, a mulher que arrumava o cabelo de Dona Maria.

- É no canal 59, só sobre notícias financeiras.

- Ah, sei, é tipo Canal do Boi, né, daqueles que ninguém assiste?

- Tá despeitada, hein, Laura? Sabe quem vê a Luiza? A nata do mercado financeiro. Só os caras do dinheiro, só os caras do dinheiro.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Moça com botas de borracha


Como a cobertura de enchentes é muito comum nesta época do ano, republico um post sobre o tema.

A jovem jornalista escolheu o rumo de sua carreira antes mesmo de se formar: queria trabalhar com moda. Gostava da vida de desfiles, badalação, coquetéis, gente famosa. Entendia tudo de roupas, tecidos, tendências. Era também elegante, bonita, magra. Decidiu que seria uma nova Erika Palomino.

Mas a vida é quase sempre ingrata com os focas, e seu primeiro emprego foi o de repórter de Geral de um jornal impresso. Fazia de tudo um pouco: ronda policial em delegacias, matérias sobre buracos nas ruas, a tubulação do gás natural que explodiu. Toda noite, antes de dormir, chorava de tanto desgosto. Pensou em desistir, mas logo lembrou que a coisa poderia ser pior, poderia nem ter emprego, como vários de seus colegas da faculdade.

Numa tarde em que estava de bobeira na redação, foi chamada à mesa do pauteiro. Recebeu a missão de visitar a região da cidade mais afetada pelas chuvas daqueles dias, entrar na favela, ver o que sobrou, conhecer as histórias de quem perdeu tudo.

- Bonitinha como você é, vai fazer o maior sucesso no pedaço, brincou o pauteiro.

- Mas eu não tenho nem sapato adequado para entrar numa favela submersa.

O pauteiro lhe indicou uma caixa no chão, com um par bem velho de botas de borracha, uns dois ou três números maiores do que o pé da moça. Não tinha opção. Deixou a redação já com as botas nos pés e ainda ouviu algum engraçadinho cantarolar: “É isso aí”.

A água já havia baixado quando ela chegou à favela. Caminhou pelas vielas, observou o lixo, a lama, o sofrimento no rosto de cada pessoa que tentava salvar os restos. Foi ganhando coragem. Visitou vários barracos, conversou com muita gente, conheceu dramas variados, do fogão novinho das Casas Bahia que virou sucata ao menino que desapareceu no córrego. Foi até convidada a tomar um café no barraco da dona Elza.

- A senhora acredita que nós, jornalistas, podemos fazer alguma coisa para mudar a situação de vocês aqui?

- Ninguém muda nada aqui, não, minha filha. Faz mais de 15 anos que a gente sofre com enchente. O bom é que, com os jornalistas aqui, a gente pode, pelo menos, falar mal das autoridades. Assim, a prefeitura vem mais rápido limpar a entulhada toda deste ano.

No barraco, saboreando o café feito de improviso, a jornalista conheceu o caçula de dona Elza que, quando crescesse, queria ser jornalista. Ou bombeiro. Achou graça. Tudo havia sido tão intenso na favela que ela até esqueceu que as botas grandes e velhas a incomodavam. Antes de partir, ainda teve tempo de brincar com um vira-lata sarnento, escorregar na lama e quase sujar a bunda.

Estava exausta e, à noite, antes de dormir, olhou para o teto e sorriu como havia muito tempo não sorria. Pensou até que a vida da Erika Palomino deveria ser, assim, meio sem graça, sabe?

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A ditadura das aspas


A dona de casa disse; o comandante do Bope afirmou; o presidente da República garantiu; o ministro da Educação explicou; o autor do gol da vitória ressaltou; o diretor teatral destacou; o delegado do 13º DP concluiu; o economista-chefe do BWY Investment avaliou; o secretário de Transportes salientou; a principal testemunha do homicídio contou; a prefeita prometeu; o técnico da seleção justificou; a ex-mulher do ex-chanceler de alguma ex-república soviética fez uma declaração bombástica; o presidente do Banco Central, por meio de nota, divulgou; o líder da bancada governista no Senado argumentou; o líder da oposição no Senado contra-argumentou; o Papa comunicou; a atriz global, em sua visita à Ilha de Caras, confidenciou; o gerente de Marketing anunciou; os refugiados de algum conflito na África relataram; o diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental ponderou; o perito criminal analisou; os meteorologistas previram; a assessoria de imprensa, por meio de release, desmentiu; o vereador acusou; o advogado de defesa criticou; a ex-BBB revelou em seu Twitter.

E a imprensa, que merda, se tornou refém deste maldito jornalismo declaratório.


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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O furo


Obsessão na vida do jornalista. Do foca ao colunista. Repórteres perseguem um furo ordinário mais até que aumento de salário.

Dar furo não paga as contas do mês, mas deixa o jornalista em estado de embriaguez. O ego fica gigante. Quem não gosta de se sentir importante? É ser o primeiro. O único. É ver o que ninguém viu, ouvir o que ninguém ouviu. É fuga, carnaval, esquecer que se trabalha muito e se ganha mal.

Furo sempre tem pai. Ou mãe. Registrado, assinado, com nome e sobrenome.

Tomar furo pode não ser caso de demissão, mas dá uma maldita aporrinhação. Tem coisa pior do que correr atrás do concorrente? Dói mais que dor de dente. É jogo perdido, pra ser esquecido. Jornalista furado fica todo ferrado. Coitado!

É duro conseguir um furo. Algo raro pra turma do impresso diário. Furo exige faro, meu caro. É boa apuração. Precisão. Ter fonte pra lá de porreta. Fazer pacto até com o capeta. Não tente um tiro no escuro, senão o furo vira furada. Barrigada.

O furo incomoda.

O furo é foda.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

No princípio era o foca


Ser foca é o começo do caminho. Um começo sofrido, assim como também são sofridos o meio e o fim.

Ser foca é a libertação da condição de mero estudante de jornalismo. Como é insuportável ser por tantos anos um mero estudante. Agonia demais para quem tem pressa de viver tudo na prática. Já notaram como o foca enche a boca para dizer que é, enfim, jornalista?

Ser foca é não ter ainda experiência. É o menino virgem levado pelo pai ao puteiro. Medo danado de falhar. Mas tão grande quanto o frio na barriga é a vontade de descobrir um mundo novo.

Quando se é foca, não há perrengue que não se possa enfrentar. O foca aceita trabalhar por muito pouco ou de graça e não reclama. Pega pauta roubada e acha o máximo. O foca corre todos os riscos, paga todos os micos.

O foca tudo pode. Sensação de imortalidade da infância.

Ser foca é fazer clipping na madrugada, infográfico, notinha baseada em release, pesquisa para a matéria dos outros. É suplicar por uma pauta decente na reunião semanal, assim como o cachorro suplica um carinho do dono.

Ser foca é jogar paciência enquanto o mundo parece pegar fogo.

Ser foca é ter humildade de ouvir os mais velhos, inclusive o mais derrotado de todos. O jornalista velho de estrada não será, com certeza, nenhum modelo de herói para o foca, mas ensinará atalhos salvadores. Quem precisa de heróis é filme americano. O foca precisa aprender a não se perder no caminho.

Ser foca é ter a incrível capacidade – que vai desaparecendo com o tempo – de respirar fundo diante das dificuldades e dizer...

... Que se foda!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sete passos para um jornalista ambientalmente responsável


O planeta está cada vez mais ameaçado e é preciso parar de colocar tudo na conta do peido da vaca. Nós, jornalistas, também podemos contribuir para salvar o meio ambiente. Que tal fazermos a nossa parte? A seguir, sete propostas do blog.

1. Seria assinado um protocolo com o objetivo de reduzir a emissão de gases poluentes. Os jornalistas deveriam, num prazo de cinco anos, diminuir em 20% o consumo de calabresa apimentada, torresminho e carne seca com mandioca.

2. Os diplomas, que não valem mais nada, deveriam ser impressos pelas faculdades em papel semente. Tão logo o jornalista recebesse o seu certificado e chorasse abraçado aos pais, deveria picá-lo e plantar os pedacinhos em um vaso qualquer.

3. Seria criada uma reserva alcoológica para proteção do jornalista-que-bebe-pra-cacete-da-barriga-redonda, espécie ameaçada de extinção pelo jornalista-nerd-que-só-toma-suco-de-lichia-do-rabo-malhado.

4. Com o intuito de promover o uso racional da energia, os pescoções, nas madrugadas de sábado, passariam a ser realizados à luz de velas. As velas, juntamente com a pizza e o vinho safado, ainda garantiriam um clima de romantismo ao ambiente.

5. Para evitar as queimadas descontroladas, o consumo de maconha seria restrito às festinhas entre amigos uma única vez na semana. E, em um amplo programa de compensação ambiental, para cada baseado fumado, o jornalista deveria plantar um novo pé em sua casa.

6. Incentivo ao descarte seletivo do lixo jornalístico. Você sabia que uma coluna do Diogo Mainardi jogada num rio leva centenas de anos para se decompor? Em cestos plásticos azuis, por exemplo, seriam depositadas matérias sobre celebridades. Nos verdes, resenhas de jogos de futebol. Nos vermelhos, matérias com economistas fazendo projeções furadas.

7. Seria instituído o Dia Mundial Sem Carro de Reportagem. E também o Dia Mundial Sem Destruir a Planta que Fica ao Lado da Máquina de Café de Tanta Raiva pela Folga Cassada pelo Editor. E, claro, o Dia Mundial Sem Releases Tóxicos.


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