Era o que todos diziam, jornalista ele nasceu
Deixou pra trás toda uma vida bem certinha
Só pra sentir a loucura que a profissão lhe deu.
Quando criança só pensava em ser repórter
Ainda mais quando o jornal de seu pai um dia leu
Era o terror das professoras caretonas
E na escola um jornalzinho de denúncias escreveu.
Ia pra igreja só para ouvir as histórias
Que as velhinhas confessavam para o padre Ribamar
Rolavam lá uns babados muito fortes
E os pecados das velhinhas queria publicar.
Ele queria viver para investigar
E trabalhar em rádio ou televisão
Juntou uma grana para poder estudar
De escolha própria, escolheu a profissão.
Sabia todas as fofoquinhas da cidade
Tanto que aos 13 anos de causos foi contador
Sabia até que o prefeito era viado
Casamento de fachada pra enganar o eleitor.
Durante o dia Santo Cristo trabalhava
Representação de vendas e frilas de revisor
Ia de noite estudar na faculdade
E pegou o seu diploma, jornalista, sim, senhor.
Seu município era bem pequenininho
Do tamanho de um cuzinho, não dá pra ficar
E o jornalista tinha muita coragem e armou uma viagem
Para longe se mandar.
Dizia ele “Estou indo pra Brasília
Lá no Congresso eu quero trabalhar
Em redação seguirei a minha trilha
Corrupção eu vou denunciar”.
E João fez muita pauta bosta
Era apenas mais um foca quando foi para o jornal
Ele ficava fissurado de vontade
De um dia se tornar repórter especial.
"Meu Deus, mas que carreira linda
E Prêmio Esso no futuro vou ganhar”
Cobrir buraco, ralava o dia inteiro
E ganhava uns trocados para a pinga.
Na sexta-feira ia para o pescoção
Gastar toda energia de um jovem sonhador
E conhecia muita gente interessante
E também puxava o saco de um famoso editor.
Era um goiano que vivia em Brasília
Da editoria de Política
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que o pobre foca ele ia ajudar.
E o Santo Cristo quatro pautas apurava
Na Geral não tinha tempo pra comer nem pra cagar
Mas se tornou o rei do noticiário
Com o faro apurado, o seu nome fez brilhar.
Mas o João tinha ambição à beça
E decidiu que com o Pablo ele ia conversar
Contou a ele por Política seu encanto
Teve o sonho conquistado, na área foi trabalhar.
Logo, logo, os políticos da cidade souberam da novidade
“Tem repórter mala aí!”
E João de Santo Cristo meteu o bico
Em muitas histórias degradantes dali.
Fez inimigos, se achava um cabra forte
Não temia sua morte pra se arriscar
Mas de repente sob grande influência dos caciques da cidade
Começou a se ferrar.
Já no primeiro texto ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Um processo de calúnia ele tomou
“Mas ainda vou pegar vocês”.
Agora o João tava mordido
Decidido e imbuído por seu velho ideal
Não tinha nenhum medo de ameaça
De peixinho ou peixe grande do Congresso Nacional.
Foi quando conheceu uma menina
E com todos os seus desejos ele se fortaleceu
Maria Lúcia era uma repórter linda
E lutar com o Santo Cristo ela sempre prometeu.
Aos poderosos não iria se curvar
E justiceiro ele voltou a ser
“Maria Lúcia, me ajude a investigar
E uma matéria a quatro mãos quero escrever”.
O tempo passa e um dia vem na porta
Um assessor lá do Senado com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta do João.
“Pois rabo preso não tenho, seu boçal
Nem me vendo por dinheiro, isso eu não faço, não
E não me vejo fantoche de picareta
Que de repórter pensa em só molhar a mão”.
“Por que o senhor daqui logo não vaza?
Nunca mais tente ligar ou pisar na redação”
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o assessor disse:
“Você perdeu o seu emprego, meu irmão”.
“Você perdeu o seu emprego, meu irmão
Você perdeu o seu emprego, meu irmão
Essas palavras vão chegar ao teu patrão
Que vai meter um pé sem dó no teu bundão”.
Não é que o Santo Cristo era esperto
Com boas fontes por perto não parou de farejar
Pisou na lama e no meio dessa sujeira
Descobriu maracutaias pra Malufs invejar.
Falou com Pablo para ser seu companheiro
Com apoio e sem receio pruns esquemas revelar
Pablo devia garantir a sua liberdade
Como o tal bom jornalismo sempre ensina.
Mas acontece que um tal de Jeremias
Presidente do Senado apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.
Mas uma fonte trouxe a informação
E Santo Cristo já podia se animar
E decidiu publicá-la só depois
Que o Jeremias pudesse se explicar.
Jeremias, um corrupto sem-vergonha
Usava sua influência pra dinheiro desviar
Ele comia jornalistas “inocentes”
Era amigo de empreiteira pra pensão poder pagar.
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
Na redação, até tarde, a trabalhar
“Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já faz um tempo que eu não sei o que é trepar”.
Chegando então em casa ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia o Jeremias furunfou
E um filho nela ele fez.
Santo Cristo era só ódio por dentro
E então pro assessor do safado ele ligou
“Olha amanhã na edição de domingo
A denúncia é uma bomba, é nela que eu vou”.
“E você pode preparar as suas notas
Desmentindo a matéria, ô, seu porco traidor
Acabo com suas picaretagens
Pro Congresso brasileiro vou fazer o meu favor”.
Mas Santo Cristo não soube o que fazer
Quando o editor lhe informou a decisão
A tal denúncia era para esquecer
São ordens altas que chegaram do patrão.
Sábado à tarde, eram tipo duas horas
E João boquiaberto com o papinho a ouvir
Um editor bunda-mole, pau mandado
Que fodeu o Santo Cristo começou a sorrir.
Sentindo o sangue na garganta
João olhou pro editor que insistia em lhe sorrir
Arrancou o crachá de seu pescoço
“Vá à merda todo mundo, não trabalho mais aqui”.
E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
“Ficar calado eu não vou admitir”.
E João nunca fechou seus olhos
Para toda imundície que ele conheceu
Pois sua luta nunca fica pra depois
Com a independência que a web lhe deu.
“Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é
E não me curvo aos escrotos, não
Olha pra cá senadorzinho sem-vergonha
Dá uma lida no meu blog e vem sentir o que é bom”.
E Santo Cristo com o post publicado
Denunciou o collorido impostor
Comissão de Ética se reuniu depois
E absolveu o Jeremias senador.
E o povo declarava que João de Santo Cristo
Era foda porque não ia morrer
E a alta burguesia da imprensa
Não acreditou que a web tinha lá o seu poder.
E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília com o Congresso ter
Ele queria ser um repórter decente
E acabar com essa gente que só faz...
Feder.
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