segunda-feira, 27 de junho de 2011

Separação


Nossa relação acabou há 2 meses, 14 dias, 7 horas e 18 minutos. Depois de quase 10 anos juntos. Não tem sido fácil, como nenhum fim de relação é. Ainda sofro, choro, mas, ao menos, nenhuma recaída. Morro de medo de recaídas. Meus pais, que sempre defenderam a separação, dizem que sou uma mulher jovem, cheia de talento e disposição e que logo encontro uma nova profissão. Deus queira que eles tenham razão. A coisa com o jornalismo foi louca, foi paixão, com direito a frio na barriga e noites insones. Achei que jamais viveria sem ele. Mas paixão não enche barriga, não paga as contas do mês, ensinou papai. O jornalismo é muito boêmio, sedutor. Está longe de ser bom pai de família.

Nossa relação acabou há 2 meses, 14 dias, 7 horas e 31 minutos. Hoje decidi que vou jogar fora os objetos que ainda me fazem lembrar dele: um bloquinho de anotações, uma caneta com o logo do último empregador e um gravador. Vai tudo para o rio. Quero que as águas fedidas levem meu passado para longe. O jornalismo foi meu primeiro e único amor. Me encantou ainda menina. Agora acabou. A vida segue. Mamãe até já meu apresentou um pretendente, o tal concurso para auditor da receita federal. Jura que é um partidão. O problema é que eu achei ele meio sem graça, mas, sei lá, preciso estar aberta aos novos amores. Chego ao rio. Não é um rio qualquer. É o rio-personagem da minha reportagem de estréia, o rio que num mês de janeiro distante transbordou com a chuva e alagou a avenida. Agora será o rio da despedida.

Nossa relação acabou há 2 meses, 14 dias, 7 horas e 34 minutos. Vejo uma movimentação estranha na ponte. Parece um carro de bombeiros. Sim, são bombeiros. Um cachorro vira-lata agitado. Me aproximo. Parece um salvamento. Alguém estava se afogando. Pergunto ao bombeiro quem estava se afogando. Ele aponta para o bebê no carro de resgate. Conta que alguém viu a mãe atirar o bebê da ponte. Caralho. Abro meu bloquinho de anotações. Pego a caneta. Eu pergunto quem é esse alguém que viu a mãe jogar o bebê da ponte e o bombeiro me diz que foi um mendigo, que pulou no rio para salvar o bebê. Eu anoto tudo. O mendigo salvou o bebê e desapareceu nas águas. E o cachorro do mendigo está na margem do rio. Que história! Pergunto mais isso, mais aquilo, tiro fotos com meu celular.

Demoro para me dar conta: estou tendo uma recaída. Ah, não, Deus, me ajuda, não me deixa ter uma recaída, não deixa esse jornalismo me seduzir de novo, por favor. Logo hoje, meu Deus, que eu iria completar dois meses e meio de separação?

26 comentários:

Nata disse...

Ah que lindo isso!

A Viajante disse...

recaídas são sempre cheias de paixão...caos...rs..

João Damasio disse...

alma gêmea é alma gêmea... tem jeito não...
às vezes - quase sempre - recaídas são inegáveis.

Camilla Lima disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Sensacional!!! Um relacionamento que vive em crise, mas a separação nunca sai. Se vc n abandonou logo no inicio para abrir uma pequena fábrica de confecçao no quintal de casa.. esqueça!

João Damasio disse...

aqui sim a tal teoria do espelho pode se aplicar ao jornalismo e à sociedade: nos relacionamentos, quanto mais vagabundo e cafajeste, melhor né? kk

Tatyane Malta disse...

Adorei! Muito bem feito.
O amor que sempre se desgasta, mas que é impossível por um ponto final.

Priscila disse...

Acabo de me separar tb...
Por enquanto sem recaídas... Vamos ver quanto tempo dura essa minha separação

Mariana Serafini disse...

ah, chorei.

ariadne bognar disse...

Meu sonho nunca foi fazer jornalismo e também nunca pensei em amar fulano. Eis que o destino, bobo, chato, entrou em ação e estou aqui eu, apaixonada pelo jornalismo e amando o fulano - isso não siginifica que estamos juntos- me separei do fulano já faz 5 anos, mas a minha história de amor com o jornalismo está apenas começando.

Nessa Costa disse...

Lindo! Isso é jornalismo e ponto.

Antenor Thomé disse...

Seu texto é incrível... Muito bom!!!

Parabéns...

Juliane Souto disse...

Por que me vejo em quase todos os seus textos? Parabéns, esse é mais um deles! E ótimo, por sinal.

Pietra Luña disse...

muito legal!!! vc escreve muito bem! parabéns! Pietra

Angelique disse...

Você é MARAVILHOSA em seus textos! Parabéns mais uma vez e não desista, vc tem alma de jornalista. Beijos

Anônimo disse...

Jornalismo, o canibal de nossas idéias!

Ana Paula Habimorad disse...

kkkk. Você estava me seguindo? Só faltou dizer que, na época, eu queria me jogar no rio junto com o bloco, caneta, gravador, blá blá blá

Anônimo disse...

Sei bem como é isso. Já tentei trocar esse amor bandido por outro, mas bateu um vazio e quando vi, estava lá de novo, com bloquinho na mão e sem grana no banco..
É O AMOR!!!!!!!

Gissel Briceño disse...

Eu já tive uma recaída, e, acabei voltando, mas não sei até quando. Gostei de ler.

Café & Conversa disse...

Eu nunca tive uma recaída porque me casei com a profissão para sempre : ) Sensacional o seu texto!

Abraço

Ricardo Icassatti Hermano

Marivone disse...

Ahhhh... Eu tive uma recaídas, mas escondi tudo que me lembrava o dito cujo e hoje estou, há dois anos, bem longe. O melhor é que nunca mais senti dores (Não são dores de amor, mas dores de LER/DORT).

;)

Duda Rangel disse...

Quem pelo menos uma vez na vida não pensou em abandonar o jornalismo? Quem nunca teve uma recaída? Abraços e muito amor a todos.

JORNALISMO ANTENADO disse...

A muito não lia um texto que me identificasse tanto .... esse bicho o tal do jornalismo me picou a muitos anos e enquanto não entrei na faculdade não sosseguei.... agora dois anos e meio depois de formada um ano ralando de assessora de comunicação cá estou novamente a procura de trampo. Se depender de minha familia me abriria a "novos amores" mas o sangue que corre nas veias gosta de sofrer e não desiste ....affff

Parabéns pelo texto excelente!

Beijos no coração

Márcia Canêdo

Eliane Santos disse...

Muito lindo, você se supera a cada texto... Parabéns!

Duda Rangel disse...

Brigadão, Márcia, brigadão, Eliane. Beijos.

Vanessa Bencz disse...

hehe!!! ô vício!
http://garotadistraida.wordpress.com

Anônimo disse...

fiquei anos longe e estou louco para uma recaída, masoquismo lnão tem cura, rs!