quarta-feira, 8 de setembro de 2010
A fantástica fábrica de notícias
- Quer me matar do coração? É esse o seu plano macabro?, perguntei.
- O senhor é jornalista?
- Eu estou tentando escrever uma matéria importante, morto de fome, e você me surge do nada, me dá um susto enorme e agora quer saber se sou jornalista! Sim, eu sou. Tá feliz?
A menina ficou quieta.
Toda semana eram organizadas excursões escolares para a “fantástica fábrica de notícias”. Às vezes eram adolescentes, mas na maioria das ocasiões eram criancinhas como aquela menininha que queria me matar. Andavam sempre organizadamente, uma atrás da outra, como pediam as tias aos gritos. Mas sempre havia alguma criança que se perdia do grupo e começava a vagar sozinha entre jornalistas e suas sensacionais linhas de raciocínio.
O guia da garotada era um velho jornalista que, depois de se aposentar, decidiu apostar em uma nova carreira. Era um gozador. Sempre foi, desde os tempos de repórter. Ele levava as crianças à gráfica, ao setor comercial e à redação. Entre uma piada e outra, explicava como tudo funcionava, como nascia a notícia e como ela chegava à casa de todos. Na redação, gostava de falar, em voz bem alta, as principais regras a serem seguidas.
- Tomem muito cuidado com os jornalistas, crianças! A primeira regra é: jamais dêem comida aos jornalistas, mesmo que eles peçam. Regra dois: mantenham uma certa distância dos jornalistas. Alguns podem ser perigosos. E, por fim, regra 3: respeitem a tia de vocês e andem em grupos. Quem se perder corre o risco de ficar aqui para sempre.
E ria, sozinho.
- Você não tem medo de ficar perdida pra sempre na redação?, disse à menininha, que já não parecia mais querer me matar.
- Acho que eu gostaria de ficar aqui pra sempre. Eu quero ser jornalista.
- Ser jornalista? Você ficou maluca? Tanta coisa legal pra fazer nessa vida e você quer ser jornalista?
- Eu gosto, tio. Sabia que, na minha casa, eu fico lendo os jornais e as revistas do meu pai, imaginando um dia escrever as reportagens, ver meu nome lá nos textos?
Então surgiu a tia que, de longe e aos berros, chamava a menina de volta ao grupo.
- É, não vai ser desta vez que a senhorita ficará aqui pra sempre.
- É, mas um dia eu volto como jornalista formada. Se o senhor ainda estiver vivo, me verá.
- É bem provável que eu não esteja mais vivo.
A menina, sempre séria, agora sorriu e, antes de partir, abriu sua bolsinha, pegou um pacote com umas três bolachas recheadas que ainda restavam e me entregou.
- É pro senhor não morrer de fome, tio. Mas não conta pro guia que eu te dei comida, tá?
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18 comentários:
- Mariana Serafini disse...
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"não dê comida aos jornalistas" parece a instrução aqui das Cataratas "não alimente os kuatis, são animais silvestres"
hsushushsushsus
muitíssimo bom o texto, Duda!
beijos - 8 de setembro de 2010 às 10:10
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hahuhuhaa adorei esse post Duda! Fiquei aqui, imaginando o rostinho da menina! Pobrezinha! haha
- 8 de setembro de 2010 às 11:39
- R@mon_Vitor disse...
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Hilário!
- 8 de setembro de 2010 às 12:59
- Unknown disse...
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Gosto do teu jeito de escrever as coisas. De forma bem humorada (embora um pouco negro, o que é muito inteligente) acho que esse texto retrata a maneira como nós jornalistas muitas vezes nos comportamos e até mesmo alimentamos uma fama. Somos quase uns monstrinhos, rsrs!!!
- 8 de setembro de 2010 às 13:06
- Carolina Teixeira disse...
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Como assim 'não conta para o guia', agora é bichinho de zoológico?!
- 8 de setembro de 2010 às 14:26
- Laís Fernanda Borges disse...
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kkkk tanta coisa legal pra vc ser, quer ser jornalista! essa foi boa :)
e até que umas torradinhas iria bem agora....
bjs - 8 de setembro de 2010 às 18:49
- Filipe disse...
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Ótimo, mais uma vez =]
- 9 de setembro de 2010 às 10:43
- Unknown disse...
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Nossa! Me enxerguei na menininha e me vi também, agora, nos tempos de repórter.
Muito bom! - 12 de setembro de 2010 às 23:46
- Duda Rangel disse...
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Fernanda, como você bem definiu, somos quase uns monstrinhos! Abraços a todos.
- 13 de setembro de 2010 às 16:25
- Isadora Marinho disse...
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Momento own :-)
- 26 de setembro de 2010 às 15:03
- Camila Sol disse...
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Primeiro eu chorei de rir. Depois eu quase chorei.
me veio a lembrança da primeira vez que entrei numa redação e não larguei do pé do chargista (o unico jornalista que estava na redação no dia). Não dei comida, ams agora fico pensando: sera que ele estava ocm fome???
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk - 18 de novembro de 2010 às 10:41
- Joyce Noronha disse...
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Ri liiiiitros! Poxa Duda! Ganhou uma fã! Descobri o blog essa semana e amei muito do que li por aqui. Como acadêmica não vejo a hora de passar por uns perreguens que tu descreves. Loucura, eu sei, mas essa vida é boa demais!
- 18 de novembro de 2010 às 11:00
- Duda Rangel disse...
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Valeu, Isadora.
Camila, com certeza ele estava com fome.
Oi, Joyce. Bem-vinda! Muitas loucuras nesta vida.
Beijos. - 15 de dezembro de 2010 às 19:46
- Anamélia disse...
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duda, me vi aqui na redação. tem um colegio perto do jornal e é bem frequente esse tipo de visita. sempre fico me sentindo um peixe no aquário com as crianças olhandp através do vidro. mas, pensando bem, a gente é um bando de bixo exótico não é mesmo? kkkkkkkk
- 10 de janeiro de 2011 às 09:52
- Railton Da Silva disse...
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otimo conto amigo... essa é uma realidade dos jornalistas... doce menina que tem o sonho de ser jornalista e ter materias assinadas...
- 10 de janeiro de 2011 às 10:12
- Jéssica Nayanne disse...
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nossa, fantasticamente genial!
- 29 de março de 2011 às 15:19
- Patrícia Milão disse...
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Você não devia ter desestimulado a menina, diação dela! Ser jornalista é fantástico e você sabe disso, tanto que escreve um voltado ao ramo e seus adeptos, dã!
Fantástico como sempre, Parabéns mais uma vez. - 29 de março de 2011 às 15:31
- Patty disse...
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Ai, meu Deus, eu conheço esta ladainha desta menina. Minha sobrinha diz a mesma coisa. Só porque viajo nas férias, ela acha que sou bem sucedida. Mal sabe ela o sacrífico e as prestações que tenho que pagar.
- 29 de março de 2011 às 18:20