segunda-feira, 15 de junho de 2009

A minha retrospectiva


Quando eu ainda era uma criança inocente, sem pêlos no saco, descobri minha paixão pelo jornalismo. Eu adorava acompanhar, entre o Natal e o réveillon, o noticiário da TV com o resumão dos acontecimentos do ano. Achava aquilo o máximo. Enquanto meus coleguinhas de escola sonhavam ser astronautas, pilotos de Fórmula 1 ou galãs de cinema, eu queria ser apresentador de retrospectiva. Meus pais não entendiam muito bem a minha escolha. "Pô, Dudinha, apresentador de retrospectiva?”

Era o despertar de um jornalista. Ao longo do ano, eu guardava jornais e revistas com informações sobre o Brasil e o mundo – nessa época, não havia descoberto ainda a Playboy, a Ele&Ela e as preciosidades suecas. Lia tudo o que podia, selecionava os fatos mais importantes, definia a pauta do programa, editava os textos e redigia as laudas para leitura. Tudo isso muitos anos antes de aprender jornalismo na faculdade. Me preparava para o grande dia: a apresentação da minha retrospectiva, que podia ser feita em qualquer parte da casa, desde que existisse uma mesa para ser a bancada.

Eu usava o paletó de um terno emprestado de meu pai, gigante para mim. Na parte de baixo, apenas bermuda e chinelos, afinal era assim que diziam que trabalhavam os apresentadores de TV. Adotei óculos, para dar mais seriedade ao trabalho. Não havia câmeras na minha frente; apenas uma platéia, ao vivo, composta por parentes e alguns amigos da família. Gente que fazia o maior esforço para estar ali.

– Esse menino diz que seu sonho é ser jornalista. Isso é coisa de vagabundo! Ele não quer é estudar – murmurava uma tia solteirona, pelos cantos da casa.

Um dos meus maiores apoiadores era meu avô, que se dizia um visionário.

– Esse moleque ainda vai ser um jornalista famoso, trabalhar na Globo e comer toda a mulherada.

Como ele vibrava com o meu “boa noite” na abertura de cada edição do resumão de notícias, ano após ano. Para mim, aquele era também um momento mágico.

Aos poucos, a platéia e o meu desejo de apresentar retrospectivas foram diminuindo. Com o crescimento dos pêlos no saco, meus interesses de fim de ano mudaram. O programa acabou, mas mantive viva a paixão pelo jornalismo, com a esperança de um dia cumprir a profecia do vovô.

7 comentários:

The Ideas of a Vintage Doll disse...

Ooooooooohun! Que fofo!

Anton Roos disse...

Fantástico, mil vezes fantástico

Flávia Romanelli disse...

Adorei Duda, acho que você devia considerar a volta da retrospectiva, nós podemos ser bons espectadores.

Bjão

smackpot disse...

os nossos sonhos se acabam conforme vamos ganhando pelos no saco

AoxomoxoA disse...

Saudades da minha infância querida
da aurora da minha vida
da família reunida, do quórum
da Ele&Ela em revista
e, pricipalmente da coluna Fórum.

Recordar é viver.

Anônimo disse...

Quando mais novo, lá pros meus 10, 11 anos, também fazia algo semelhante: montava a bancada do Jornal Nacional na sala de jantar de casa. Minha irmã fazia a Fátima Bernardes quase que na obrigação. Ou era essa brincadeira, ou não era nenhuma. E cá estou eu, prestes a cair no mundo com um diploma que nem sei se até lá terá validade alguma.

Ótimo texto, como todos.
Abs.

Ricado Muza disse...

Dou o maior apoio para você voltar a se interessar em apresentar Retrospectivas. Assim desvia sua atenção das mulheres.