quarta-feira, 17 de março de 2010

Que porra é essa?


Na manhã daquela sexta-feira, eu, ainda um jovem Duda, cheguei à redação tranqüilo. Não estava na pauta do dia, tinha apenas uns textos para escrever para o fim de semana. Daria para almoçar com calma, fazer algumas pesquisas e paquerar a menina do arquivo. Mas como eu sempre me dou mal neste blog, a história deste post não poderia ser diferente. O pauteiro, que me via de longe, apesar de minha discrição, aproximou-se rapidamente.

- Oi, Duda, que bom que você chegou. O Roberto, que não pôde vir hoje por causa de suas cólicas renais, tem uma entrevista marcada para as 11 horas com o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, lá no prédio da Bolsa. Você vai ter de segurar essa.

- Mas olha a minha roupa. Não vim preparado para entrevistar um embaixador.

- Você está ótimo, Duda, e agora não dá para ficar preocupado com isso. A pauta é sobre aquela polêmica da propriedade intelectual, da quebra de patentes e tal.

- Eu preciso pesquisar algo no arquivo antes de ir.

- Duda, voa para a Bolsa porque a entrevista é daqui a meia hora!

Voei. Aliás, um vôo cheio de turbulência no carro de reportagem. Estava desesperado, inseguro. Comecei a ter dor de barriga, as mãos suavam. Não tinha qualquer idéia do que seria a polêmica da propriedade intelectual com os Estados Unidos. Que porra era aquela? Naquele tempo, não havia BlackBerry, internet móvel, Google ou Wikipedia para me socorrer. Éramos apenas eu e minha ignorância no carro. Ou melhor, ao meu lado também estava o seu Péricles, motorista do jornal, cantarolando uma música sertaneja que tocava na rádio.

- Ô, seu Péricles, o senhor sabe alguma coisa sobre esse caso de propriedade intelectual, da polêmica com os Estados Unidos?

- Olha, seu Duda, a única polêmica com propriedade que eu tô sabendo é a questão da regularização das casas lá onde eu moro.

E começou a contar que morava num terreno invadido havia anos, que era área de manancial, mas que a prefeitura estava querendo dar o título de propriedade aos moradores. A minha cabeça viajava, não ouvia mais nada da história do motorista. Pensei em fazer a mesma consulta ao rapaz que vendia Suflair no farol, mas logo percebi que esta tentativa seria pior do que a primeira. E não era só o meu desconhecimento sobre o assunto que me perturbava. O que eram aquelas roupas? Calça velha, tênis velhos, camisa amarrotada. Ainda tinha a barba cerrada. O embaixador, com certeza, me olharia com cara de nojo.

Enfim cheguei ao prédio da Bolsa, com um ligeiro atraso e uma dor de barriga ainda maior. Subi, me apresentei e, minutos depois, fui recebido pelo embaixador. Com cara de nojo, é claro. Só fiquei mais aliviado quando apelei para a sinceridade. Contei das pedras no rim do meu colega de trabalho, que eu havia sido pego de surpresa pela pauta e que desconhecia o assunto. O embaixador riu e o que era para ser uma entrevista transformou-se num monólogo, ou uma aula sobre a polêmica da propriedade intelectual com os Estados Unidos. Entendi tudo e perfeitamente, e tive material abundante para, naquela tarde, escrever uma incrível notinha de sete linhas.

10 comentários:

Maria Fernanda Ribeiro disse...

Dei risada com o seu post... nós, jornalistas, passamos por isso com certa frequencia. E vc consegue escrever essas desgraças com um humor negro que todos nós devíamos ter um pouco. Seria mais divertido, se é que isso é possível.

Anton Roos disse...

Fantástico. Eu, num dia de cão, embora sejam apenas 9:30 da manhã, fico mais leve para dar seguimento a este sofrido dia de jornalista neste país.

Cunha disse...

Nossa! Incrivel, eu também quero passar por essas aventuras, não sei se é meu impeto pelo desconhecido ou um gosto por essas loucuras, a unica coisa que sei é que mal posso esperar pra começar a trabalhar na área!

Unknown disse...

Isso também já aconteceu comigo. Ano passado fui cobrir duas pautas que não fazia a minima ideia do que eram. Mas, no final tudo deu certinho! hehe

Anônimo disse...

nada, podia ser pior:seis linhas!(rs)...a camiseta saiu abarrotada no texto.
Abs e parabéns pelos textos, divertidíssimos!

Duda Rangel disse...

Maria Fernanda e Anton, como diria a Igreja Nacional do Jornalista Desgraçado, só o humor salva!
AC., sua hora vai chegar e torça para que suas aventuras tenham um final feliz, como as da Derla!
Anônimo, obrigado pela mensagem e, principalmente, por apontar o erro, que já foi corrigido.
Beijos e abraços do Duda

Natalia Vaz disse...

Olha, já aconteceu a mesma, mesminha, mesmíssima coisa comigo. Substituição de repórter, entrevista marcada, desconhecimento da pauta e monólogo seguido de uma nota de exatamente sete linhas (mas ela foi completada com informações da entrevista que eu decupei em 3 laudas de word). Virou uma matéria de três parágrafos. Equivalente, diria eu...

Tacyana Viard disse...

Hahahah. Que bom que deu certo. Minha correria hoje foi levar um entrevistado a um programa de rádio. O que não foi me dito é que o local seria complestamente distante do que fui ¬¬'

Duda Rangel disse...

Tacyana, não sei se é impressão minha, mas sinto que as pessoas adoram tumultuar a vida dos jornalistas. Valeu pela participação. Beijos.

Mariana Serafini disse...

notinhas de sete linhas é trash, neh!

só imagino a "cara de nojo" no embaixador!