segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Me dá uma pauta aí


Ele até conseguia suportar a rejeição da menina que amava, do pai, que queria um filho médico, mas não a rejeição do pauteiro. Tem dor maior para a alma de um jovem repórter do que a dor de ficar sem pauta? Enquanto os outros repórteres estavam na rua, apurando, investigando, vivendo, o jovem repórter sem pauta estava condenado à melancolia da redação, lendo o horóscopo do dia, fazendo pesquisas no arquivo, fingindo viver.

Nas reuniões de pauta semanais, que definiam as matérias das edições seguintes, o jovem repórter ficava no seu canto, diminuído, invisível. Para passar o tempo e enganar o constrangimento, rabiscava, dezenas de vezes, o seu nome numa folha de papel. Quando estava muito irritado com a situação – quase sempre –, costumava rabiscar “pauteiro filho-da-puta”.

Todos já estavam deixando a sala de reunião e ele, tímido, esboçou uma reação.

- Oi, senhor... senhor pauteiro? Olha, eu fiquei sem pauta de novo esta semana. Não tem nada que eu possa fazer, ajudar em alguma matéria especial?

O pauteiro sugeriu a ele redigir mais um daqueles perfis de gaveta, que são publicados na ocasião da morte de pessoas famosas.

- Mas, senhor, a trajetória pessoal e profissional da Hebe Camargo eu já escrevi na semana passada. Passei dois dias no arquivo só fazendo pesquisa, o senhor não lembra? Não tem pelo menos alguém diferente pra gente matar esta semana?

Foi pra isso que eu estudei quatro anos?, refletia, no ônibus, na volta para casa. Quando a gente está na faculdade, não vê a hora de começar a trabalhar de verdade. Então eu chego à redação e é esse o meu destino, o ceifador de vidas de celebridades?

Já pensava em estudar Medicina – por que não ouvi o meu pai? – quando um repórter mais velho e gente boa lhe deu uma dica.

- Rapaz, não fique esperando pela pauta! Você é quem tem que sugerir a pauta. Pare de reclamar e coloque essa cabeça pra funcionar. Cadê a porra da pró-atividade?

Na reunião de pauta seguinte, chegou cheio de idéias. A excitação era tanta que nem se lembrou dos rabiscos. Mas a reunião foi mais breve e ele não conseguiu apresentar as sugestões ao pauteiro. Mesmo assim, estava empolgado. Sabia que a grande oportunidade chegaria. E só dependia dele. Naquela tarde, enquanto pesquisava a vida e a obra de Elza Soares no arquivo, até sorriu. Seus dias de jornalismo mórbido estavam perto do fim.

7 comentários:

Mariana Serafini disse...

que dó!
Tadinho, Duda!
mas por aqui nunca acontece isso, foca é explorado, seja com as piores matérias de se fazer no mundo, mas é explorado.

hsushsushsushsush

Renato Souza disse...

Cara, eu já passei por isso.

Já até pensei em abrir a Casa de Apoio ao Jornalista Sem Pauta.

Definitivamente a falta de assunto é um assunto complicado, rs

Parabéns pelo texto.

A Viajante disse...

Duda, ajuda ele...Elza Soares? Tá pensando em atrair quem ou o que? Talvez seria melhor discorrer sobre a vida de Dunga, outro sem pauta...envia umas ideias por e-mail..o cara é um coitado!!! Bj

aaaaa disse...

Ainda não passei por isso! Sorte, hein?!
Abraço, minha desilusão!
Ana Paula Figueirêdo

Duda Rangel disse...

Caros,
Alguns jovens jornalistas sofrem de carência de pautas; outros, de excesso de pautas. Vida difícil!
Renato, excelente a idéia da Casa de Apoio ao Jornalista Sem Pauta. Precisamos ser solidários. Quase todos os jornalistas já sofreram deste mal. Abraços a todos.

Isadora Marinho disse...

Quando trabalhava numa redação e era foquinha, só me davam pauta renegada para fazer. Aquela que entra no jornal se todas as outras - e prédio - caírem? Então, foi intuitivo. Passei a pesquisar e apresentar pautas antes de me darem as nojentos sobras. Resultado: era a única que tinha sempre uma pauta a mais pra fazer e saía mais tarde que todo mundo.

Duda Rangel disse...

Oi, Isadora. Em resumo, o foca tem duas opções: ou pega as sobras nojentas ou é criativo e tem de trabalhar pra cacete...rs. Beijos!