Jesus: Gente, estou precisando muito de boas sacadas de pauta. Outros olhares, vocês entendem? A última grande manchete do nosso jornal foi quando andei sobre as águas.
André: E o milagre da multiplicação das pautas, chefe?
Jesus: Apenas como último recurso, André.
Pedro: Chefe, já que estamos falando em novos olhares, eu queria pedir para mudar de editoria. Não aguento mais as pautas chatas de sempre.
Jesus: Que pautas chatas de sempre, Pedro?
Pedro: Ué, só matéria de chuva, enchente, piscinão, o Rio Jordão que transbordou. Já estou ficando estigmatizado como o repórter da chuva. Daqui a uns séculos ou milênios, sei lá, eu viro santo e vou ser o quê? O santo da chuva. Vocês podem escrever isso.
João: Pedro, se você quiser, pode cobrir a Galileia Fashion Week no meu lugar. O evento é top. E sempre rolam umas roupinhas de presente, umas túnicas de linho lindas.
Jesus: Voltemos à reunião de pauta! Ideias, meus caros?
Tiago: A gente poderia fazer uma matéria especial sobre a UPP que instalaram lá no Monte Sinai. Pacificou geral o morro.
Jesus: Boa, Tiago. Isso dá chamada de primeira, hein?
Tiago: Obrigado, chefe!
Tomé: Senhor, uma fonte me bateu que tá rolando uma operação da PF para investigar a corrupção do Judiciário. Tem até nome: “Operação Mãos Lavadas”. Parece que o Pilatos tá envolvido. Eu não acredito que vai dar em alguma coisa, mas vou ficar de olho.
Jesus: Ok, Tomé. Veja isso, sim. O povo adora essas histórias de corrupção. Vende jornal.
Simão: Eu tô com a matéria das pet shops de ovelhas.
Jesus: Legal, Simão. Só não se esqueça de uma retranca com os pastores, foco na avaliação deles sobre o serviço, ok?
Tiago: Deixa comigo.
Jesus: E cadê o Mateus que não apareceu ainda? Ele não sabia da reunião de pauta de hoje?
João: Ele está cobrindo a história do Moisés, o lance lá de abrir o mar. Chefe, o senhor não viu o release, não?
Jesus: Meu Pai, verdade, João. Agora de manhã, não?
João: A abertura do mar estava marcada para as 9 horas. Agora, já deve estar rolando o brunch.
Jesus: Esses brunchs da assessoria do Moisés são ótimos.
João: E o cordeiro ao molho madeira que eles servem no almoço? Divino! Alguém aí já comeu?
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Me dá uma pauta aí
Ele até conseguia suportar a rejeição da menina que amava, do pai, que queria um filho médico, mas não a rejeição do pauteiro. Tem dor maior para a alma de um jovem repórter do que a dor de ficar sem pauta? Enquanto os outros repórteres estavam na rua, apurando, investigando, vivendo, o jovem repórter sem pauta estava condenado à melancolia da redação, lendo o horóscopo do dia, fazendo pesquisas no arquivo, fingindo viver.
Nas reuniões de pauta semanais, que definiam as matérias das edições seguintes, o jovem repórter ficava no seu canto, diminuído, invisível. Para passar o tempo e enganar o constrangimento, rabiscava, dezenas de vezes, o seu nome numa folha de papel. Quando estava muito irritado com a situação – quase sempre –, costumava rabiscar “pauteiro filho-da-puta”.
Todos já estavam deixando a sala de reunião e ele, tímido, esboçou uma reação.
- Oi, senhor... senhor pauteiro? Olha, eu fiquei sem pauta de novo esta semana. Não tem nada que eu possa fazer, ajudar em alguma matéria especial?
O pauteiro sugeriu a ele redigir mais um daqueles perfis de gaveta, que são publicados na ocasião da morte de pessoas famosas.
- Mas, senhor, a trajetória pessoal e profissional da Hebe Camargo eu já escrevi na semana passada. Passei dois dias no arquivo só fazendo pesquisa, o senhor não lembra? Não tem pelo menos alguém diferente pra gente matar esta semana?
Foi pra isso que eu estudei quatro anos?, refletia, no ônibus, na volta para casa. Quando a gente está na faculdade, não vê a hora de começar a trabalhar de verdade. Então eu chego à redação e é esse o meu destino, o ceifador de vidas de celebridades?
Já pensava em estudar Medicina – por que não ouvi o meu pai? – quando um repórter mais velho e gente boa lhe deu uma dica.
- Rapaz, não fique esperando pela pauta! Você é quem tem que sugerir a pauta. Pare de reclamar e coloque essa cabeça pra funcionar. Cadê a porra da pró-atividade?
Na reunião de pauta seguinte, chegou cheio de idéias. A excitação era tanta que nem se lembrou dos rabiscos. Mas a reunião foi mais breve e ele não conseguiu apresentar as sugestões ao pauteiro. Mesmo assim, estava empolgado. Sabia que a grande oportunidade chegaria. E só dependia dele. Naquela tarde, enquanto pesquisava a vida e a obra de Elza Soares no arquivo, até sorriu. Seus dias de jornalismo mórbido estavam perto do fim.
Nas reuniões de pauta semanais, que definiam as matérias das edições seguintes, o jovem repórter ficava no seu canto, diminuído, invisível. Para passar o tempo e enganar o constrangimento, rabiscava, dezenas de vezes, o seu nome numa folha de papel. Quando estava muito irritado com a situação – quase sempre –, costumava rabiscar “pauteiro filho-da-puta”.
Todos já estavam deixando a sala de reunião e ele, tímido, esboçou uma reação.
- Oi, senhor... senhor pauteiro? Olha, eu fiquei sem pauta de novo esta semana. Não tem nada que eu possa fazer, ajudar em alguma matéria especial?
O pauteiro sugeriu a ele redigir mais um daqueles perfis de gaveta, que são publicados na ocasião da morte de pessoas famosas.
- Mas, senhor, a trajetória pessoal e profissional da Hebe Camargo eu já escrevi na semana passada. Passei dois dias no arquivo só fazendo pesquisa, o senhor não lembra? Não tem pelo menos alguém diferente pra gente matar esta semana?
Foi pra isso que eu estudei quatro anos?, refletia, no ônibus, na volta para casa. Quando a gente está na faculdade, não vê a hora de começar a trabalhar de verdade. Então eu chego à redação e é esse o meu destino, o ceifador de vidas de celebridades?
Já pensava em estudar Medicina – por que não ouvi o meu pai? – quando um repórter mais velho e gente boa lhe deu uma dica.
- Rapaz, não fique esperando pela pauta! Você é quem tem que sugerir a pauta. Pare de reclamar e coloque essa cabeça pra funcionar. Cadê a porra da pró-atividade?
Na reunião de pauta seguinte, chegou cheio de idéias. A excitação era tanta que nem se lembrou dos rabiscos. Mas a reunião foi mais breve e ele não conseguiu apresentar as sugestões ao pauteiro. Mesmo assim, estava empolgado. Sabia que a grande oportunidade chegaria. E só dependia dele. Naquela tarde, enquanto pesquisava a vida e a obra de Elza Soares no arquivo, até sorriu. Seus dias de jornalismo mórbido estavam perto do fim.
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