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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Redação Royal


O povo começou a ser resgatado ainda era madrugada.

Tinha gente com olheiras de quem vara a noite escrevendo matéria. Gente que era só o bagaço de tanto preencher sozinha duas ou mais páginas por dia.

Os ativistas arrombaram a porta principal e logo perceberam que lá dentro havia dezenas de profissionais trabalhando em condição análoga à de um jornalista escravo.

Estavam lá havia meses. Sem salário decente, sem equipamentos decentes, sem papel higiênico. Faltava decência até para cagar.

Suspeitas de maus-tratos foram confirmadas. Um estagiário, por exemplo, era obrigado a ler e ouvir todas as colunas do Jabor.

Também eram feitos experimentos. Quanto tempo o organismo de um jornalista suporta ficar sem comer? Hein? Tudo pela ciência.

Parte da opinião pública ficou sensibilizada com o caso dos jornalistas resgatados. Tão bonitinhos, principalmente o estagiário que lia o Jabor. Outros acharam que os ativistas deveriam é se preocupar com coisas mais importantes. Tanto vira-lata abandonado por aí na rua e ninguém faz nada.

A Redação Royal foi lacrada. Provisoriamente.

Os black blocs ameaçaram quebrar geral. O patrão, temendo o próprio deadline, ligou para o secretário, que falou com o governador, que liberou a turma do Choque.

A boa notícia é que os jornalistas resgatados podem ser adotados por redações de todo o Brasil. São pessoas legais, que curtem o que fazem e só precisam de gente disposta a lhes dar um trabalho digno. Ah, se rolar também um biscoitinho com café, eles vão amar.


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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Evangelho segundo o assessor de imprensa


Começava a chover no calvário.

- Chefe, chefe, conversei com um ótimo advogado e conseguimos um habeas-corpus. Sua sentença está suspensa!

Era Pedro, assessor de imprensa de Jesus.

- A notícia já corre por todos os cantos.

Jesus arregalou os olhos. Não era esse o final que havia planejado. Mas como lei é lei, os soldados, também contrariados, tiveram que descer Jesus. O bandido mau sorriu com sarcasmo: “Neste país, só os pobres morrem na cruz.”

De volta à sua casa, Jesus teve os ferimentos tratados por sua mãe e por Maria Madalena, sua mulher, carinhosamente chamada por ele de Madá. Madá, que há pouquíssimo tempo já se considerava uma viúva, agora refazia os planos. Voltou a sonhar com uma casa no campo, cheia de crianças e ovelhas.

Jesus não entendia por que seu assessor de imprensa armou toda aquela estratégia para conseguir um habeas-corpus.

- Me responde, pelo amor do meu Pai: o que a gente combinou?

- Mas chefe...

- Não tem “mas chefe”. Era só escrever o release sobre a minha crucificação e a ressurreição no terceiro dia e disparar para a mídia. Só isso. É tão difícil para um assessor seguir o briefing?

O primeiro jantar de sua liberdade foi em família, coisa simples, nada da ostentação da santa ceia. Jesus era só desolação.

- Não comeu nada, filho. Assim você vai ficar fraco.

- Mãe, eu deveria morrer para salvar este povo. Agora, tudo será diferente. Como eu fico com a opinião pública?

Jesus caminhava pelas ruas sob olhares desconfiados. Os discípulos, sempre muito próximos, se afastaram. Não conseguia mais fazer milagres. Os leprosos continuavam leprosos. Os cegos jamais veriam o verde dos campos. Jesus começou a beber. Os cabelos e a barba foram crescendo cada vez mais.

- Meu filho, você está precisando arrumar um emprego.

Jesus tornou-se depressivo e passou a se entupir de Prozac.

Sem causar mais furor, Jesus foi esquecido. Seu assessor de imprensa, que ainda não havia sido perdoado, caiu fora por falta de pagamento. O processo de execução foi arquivado. Jesus estava condenado a jamais morrer na cruz. Ele pouco saía de casa e, numa destas raras vezes, foi comprar pão – já não conseguia multiplicá-los – e nunca mais voltou.

Madá chorou. Esqueceu a casa no campo, as crianças, as ovelhas.